25 de jan. de 2011

OS INESQUECÍVEIS – O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain

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Alguns filmes, muitos deles brilhantes inclusive, são pura e simplesmente a soma de suas partes. A conjunção de um diretor talentoso, um elenco com potencial a ser explorado, um roteiro que trabalha bem a storyline que tem nas mãos, mais a competente manipulação de uma infinidade de fatores que compõem o  resultado final do cinema, pode sim produzir um grande filme. Acontece que, para um filme trascender qualquer qualificação crítica, é preciso ser mais, muito mais, do que uma equação quase matemática de tão precisa. É preciso significado universal, apelo humano e concreto (mesmo em uma história fantasiosa), e acima de tudo é preciso achar uma forma de expressar esse significado e esse apelo prendendo o espectador em um jogo de entretenimento e arte em que nenhum dos dois sai perdedor. É preciso divertir a mente e alimentar a alma.

E poucos filmes se tornaram mais do que a soma de suas partes com mais proeminência no nosso século do que o francês O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain, que Jean-Pierre Jeunet dirigiu em 2001, o filme que fez do rosto de Audrey Tautou um símbolo da inocência, do idealismo e do romance moderno. Porque assim é Amèlie: um filme que impõe sentimento sobre técnica sem se importar com as consequencias críticas disso, e que desafia os cínicos a apontar defeitos em uma história tão unversalmente doce, tocante e, bom, fabulosa. Num sentido bem arraigado da palavra mesmo. Amèlie é uma fábula, a saga de uma personagem docemente inocente (ainda que humana, falha, cheia de problemas e sentimental como qualquer um de nós) descobrindo aos poucos um mundo que pulsa, um coração que bate por trás de cada ladrilho nos muros de Paris.

A história foca, é claro, em Amèlie Poulain (Audrey Tautou), uma jovem e excêntrica parisiense, que trabalha em um café, mora em um prédio de apartamentos e visita o pai viúvo aos fins-de-semana. Em qualquer ambiente que vá, Amèlie esbarra com figuras pitorescas, situações e oportunidades que sublinham o absurdo delicioso de nosso próprio mundo com o toque mágico de surrealismo, a lente de aumento do cinema que Jeunet faz questão de aplicar. Em meio a tudo isso, a introvertida Amèlie encontra uma velha caixa de lembranças de infância em um recôndito de seu apartamento, e devolver tais pertences a seu dono, observando de longe a reação emocionada do homem, é o primeiro passo de uma escalada emocional em que Amèlie vai de consertar a bagunça na vida dos outros para, aos poucos, deixar o acaso, o destino, a sua própria vontade, o que for, agir para consertar a sua.

Para começar, Audrey é um poço de carisma. Querendo ou não, é ela e sua atuação minimalista, com a caracterização que talvez defina o romantismo contemporâneo como nenhuma outra, que dão força e alma para Amèlie, um filme de ritmo gritantemente europeu, decolar como obra de entretenimento. É pelos olhos turvos dela que nos apaixonamos, pelo sorriso ambíguo, metade inocência e metade malícia de criança crescida, e pela intensa odisseia apaixonada que a simbólica personagem passa. A mesma odisseia de superar os defeitos, a timidez e o medo que todos nós precisamos passar a cada vez que nos vemos buscando um amor que começa parecendo distante, e cuja aproximação da nossa realidade só depende de nós mesmos. É essa pitada, essa jornada tão maravilhosamente representada por Tautou, que faz de Amèlie um filme universal. Mas não para por aqui, é claro.

Amèlie é um filme sobre o amor, como quase todos os filmes inesquecíveis são. Mas sobre o amor mais puro, mais simples, o amor das almas gêmeas e das semelhanças, o amor sem limites e sem pudores. O amor pelo amor, não por alguma convenção social boba ou pela atração física, que é, afinal de contas, passageira. O amor que vem do fundo mais escondido de nossas almas. E é um filme sobre ter a presença de espírito de acreditar que esse amor existe. É um tour de force, de certa forma, pela mente de todos os sonhadores e artistas do mundo. Mas é também aquele tipo de obra que jamais poderá ser colocada com exatidão em palavras, justamente porque vai além, e muito além, do que foi feito para ser. E é nesse momento que fazer arte, ver arte, ser arte, parece valer a pena de uma vez por todas.

No momento em que percebemos, pela obra cuidadosa de seja lá o que for que governa (ou não governa) o nosso mundo, que é a arte que nos faz continuar acreditando. Sim, é isso. Piegas ou não, é isso. E que me chamem do que quiserem. Amèlie é um filme sobre acreditar. Acredeitar na beleza peculiar em todas as coisas e pessoas. Acreditar nos olhos que brilham por trás do véu de cinismo que colocamos sobre nós. Acreditar que dias melhores virão. Acreditar no amor. E esse acreditar é, da forma mais completa jamais imaginada por qualquer mente humana, viver.

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O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain (Le Fabuleux Destin d’Amèlie Poulain, França/Alemanha, 2002).

Dirigido por Jean-Pierre Jeunet…

Escrito por Guillaume Laurant, Jean-Pierre Jeunet…

Estrelando Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Rufus, Serge Merlin…

122 minutos

“Sem você, as emoções de hoje seriam apenas pele morta das de ontem” Hypolito

4 comentários:

LuEs disse...

Eu realmente reconheço qualidade nesse filme, acredito que a fotografia e a trilha sonora - esta maravilhosa,d evo dizer - são realmente características notáveis nesse filme, mas acredito que essa produção francesa seja deveras sobrevalorizada. Hoje, todo mundo gosta porque é "bonitinho", alguns encontram argumentos que justifiquem o seu gostar, outros tanto gostam por razões superficiais. Parece que é consenso, parece que essa obra é perfeita.

Eu não adoro o filme, não acredito que seja um dos melhores já lançados, ainda que reconheça, como disse, algumas de suas (supostas) qualidades.

E, só pra constar, acho que Amelie Poulain é um pouquinho irritante.

Gostei do seu texto. Se eu já não tivesse visto o filme e já tivesse refletido sobre ele, eu decerto me convenceria considerando o que você escreveu.

Anônimo disse...

Bom, tenho a mania de julgar os filmes pelas trilhas e, com música do Tiersen, um dos meus compositores prediletos faz anos, acho que sou bem menos maduro em gostar do filme que vc, Caio!

Mas no fim acabamos concordando. Acho que a arte do Fabuloso Destino é que ele não é bobo, apesar da franja chanel da Tautou. Vc pode pensar que é uma jornada de descobrimento feminina, vc pode pensar que é uma fábula que fala de reencantar o mundo, vc pode pensar, como vc pensa, que é um chamado de volta ao amor sincero. No fundo, é tudo isso.

Mas tudo isso ao som de sanfona :D

Mateus Souza disse...

O filme é maravilhoso. Não lembro quantas vezes já assisti. A inocência de Amelie é algo apaixonante. E a forma como o amor aqui é tratado também. Mas vejo uma mensagem mais forte: a do prazer em ajudar os outros.

=]

Rubens Rodrigues disse...

Taí um filme que eu comprei sem ainda ter assistido e mesmo assim sabia que não me arrependeria.

A primeira viz que vi Audrey Tautou foi em O Código DaVinci e fiquei logo com vontade de conhecer o que ela teria feito antes.

Amelie Poulain é um clássico instantâneo, e tiveram poucos nessa década.