ATENÇÃO: esses reviews contem spoilers!
por Caio Coletti
2x06 – Behind The Reed Door
Se The Americans tem um tema que pode ser chamado de “dominante” desde o começo da primeira temporada, lá no ano passado, esse tema é a relação entre intimidade emocional e política/ideologia. Talvez por isso, apesar de não ser exatamente sutil, “Behind the Red Door” continue se destacando como um dos melhores episódios dessa temporada (ao lado do de estreia, “Comrades”, e o segundo, “Cardinal”): o roteiro da veterana da série Melissa James Gibson é tão incisivo ao mostrar as formas como esses paralelos se formam e esses dois planos humanos se chocam, a custo de muita complicação emocional, que coloca The Americans sob uma perspectiva muito urgente, e uma visão muito amarga.
Elizabeth, depois de ouvir de Martha que Clark é “um animal na cama”, é consumida pela vontade de experimentar esse outro lado do marido, e é ousado da parte da roteirista levar essa proposição as ultimas e terríveis consequências em duas cenas bastante sombrias. Ao mesmo tempo, damos uma espiada na intimidade de Stan tanto com sua família suburbana (nós nunca podemos ter o bastante de Susan Misner em um episódio) quanto com Nina, com quem sua relação está em risco agora que ele é pressionado por Oleg a trair o FBI em troca da proteção de sua agente dupla/amante.
Por fim, a terceira grande setpiece do episódio é a história continuada de Lucia (Aimee Carrero, de Level Up), a espiã da Nicarágua que Elizabeth ajudou lá no segundo episódio, e que agora mostra ao que veio, ajudando os Jennings a se infiltrarem na sala de um congressista americano na esperança de conseguir informações sobre uma operação ilegal do governo. A moça ainda protagoniza, com o jovem e talentoso Nick Bailey, uma cena de quebrar o coração em que Lucia precisa matar o homem com quem esteve envolvida por meses a fio. As habilidades de Carrero não são tão fartas como atriz, mas ela é carismática o bastante para conseguir segurar a cena na direção certa dada pelo roteiro.
✰✰✰✰✰ (5/5)
2x07 – ARPANET
Talvez 13 episódios seja um pouco demais (ou de menos) para a estrutura tão delicada de The Americans como narrativa. Justamente pela série exigir de si mesma um equilíbrio tão perfeito e uma elaboração temática tão bem-acabada, quando o time de escritores precisa correr com a trama e sair com um episódio de fogo rápido, o vinagre todo costuma azedar. “ARPANET” é um desses episódios que, mesmo tendo boas sacadas, um roteirista escolado na mise-en-scene da série é muito plot para ser resolvido, acaba sendo decepcionante por não se elevar ao nível que se aprendeu a exigir de The Americans.
Em “ARPANET”, de um lado temos o teste do polígrafo tomado por Nina para convencer Beeman de que ela é digna de sua proteção, e do outro temos Elizabeth e Phillip, ainda se preparando para entrar no campo de refugiados nicaraguenses, enquanto o Centro lhes envia ainda outra missão: roubar dados importantes do sistema pré-internet desenvolvido pelos americanos, que dá nome ao episódio. Quem conduz o treinamento de Nina para o polígrafo é Oleg, e o roteiro de Joshua Brand parece tão ansioso para fazê-los se aproximarem que, quando a última cena do episódio revela que a personagem de Annet Mahendru está num quarto de hotel com o oficial da KGB, em pleno pós/pré-coito, é muito mais um choque do que um desenvolvimento natural da trama (e não, isso não é bom).
The Americans está sempre em seu pior quando não toma tempo para saborear o caminho até uma grande virada de narrativa. Sorte é que Mahendru é uma atriz sugestiva e detalhista o bastante para fazer a transição ficar mais crível – embora não completamente.
Observações adicionais:
- O episódio é dirigido por Kevin Dowling, em sua estreia na série. O moço tem extensa carreira televisiva e também dirigiu, em sua Australia natal, o tocante drama de família “Um Caso de Amor”, estrelado por um Russell Crowe novinho, em 1994. Vale a pena assistir!
✰✰✰ (3/5)
2x08 – New Car
Por que é tão pontual dizer que The Americans é um retrato perfeito de sua época, da Guerra Fria e do clima que a definiu? Desde sua estreia, no ano passado, a série da FX tem se construído como um conto épico sobre o momento em que dois mundos, o da verdade e o do fingimento, colidem. A cronologia dos personagens (especialmente dos Jennings, mas igualmente para todos os coadjuvantes) é marcada por grandes acontecimentos, tragédias e violências em sua própria conta, que trazem à tona dilemas morais e reações emocionais ainda mais relevantes. Por ser um jogo tenso entre o particular e o político, a série insiste em mostrar que, no plano humano real, as duas coisas não podem ser de todo separadas.
O grande triunfo de “New Car”, após os (poucos) passos em falso da temporada, é destacar esse ponto que sempre fez parte da concepção de The Americans, tocando em questões culturais e psicológicas, no sentimento de culpa e na acomodação do conforto. Quando Phillip descobre, através de Kate, que a planta de um submarino que ele e a esposa roubaram lá no terceiro episódio, foi responsável por um acidente que matou mais de 160 homens soviéticos (os americanos espalharam plantas falsas propositalmente), a ilusão de paz se quebra completamente. O mesmo acontece em relação a morte de Lucia (bye-bye, Aimee Carrero!) pelas mãos do Agente Larrick que, os Jennings se convenceram, é um monstro necessário para a realização de suas missões.
Na apresentação desses dois dilemas, e nas reações de Matthew Rhys e Keri Russell, em plena forma aqui, “New Car” encontra uma angústia existencial e ideológica muito característica de The Americans.
✰✰✰✰ (4/5)
2x09 – Martial Eagle
No espaço de comentários sobre o episódio anterior de The Americans, “New Car”, na rede social dedicada à TV Banco de Séries (quem tiver perfil por lá, adicione-me!), a discussão girava naturalmente em torno do retrato que a trama do casal Jennings e cia faz do capitalismo americano e das suas relações morais com a Guerra Fria. Esse sendo um tema muito destacado naquele capítulo da série, é claro que houve vozes se levantando para discordar da abordagem dada, inflamando-se ao dizer que The Americans não retrata “a real do capitalismo selvagem” (estou parafraseando), e sim a história de dois agentes soviéticos que são lentamente seduzidos pela filosofia americana capitalista. O que a maioria das pessoas ainda precisam entender sobre The Americans, no entanto, é que no mundo complexo da série, não é preciso nem possível tomar partidos.
Antes que me acusem de ficar em cima do muro, esclareço: essa “neutralidade” ocorre porque o ponto da série não é mostrar os males de nenhum dos dois lados dessa disputa. The Americans permite-se centralismo político justamente porque não quer fazer uma sentença nesse âmbito. Durante sua ainda curta carreira de 22 episódios até o momento, a série mostrou ser muito mais uma jornada emocional do que um exame histórico da sociopolítica envolvida na Guerra Fria.
Os 10 primeiros minutos de “Martial Eagle” são de pura tensão, enquanto Elizabeth e Phillip finalmente cumprem sua missão no acampamento clandestino de treinamento de guerrilha, já são entrecortados por momentos decisivos que lançarão longa sombra pelo resto do episódio e, provavelmente, da temporada. E desde o início Matthew Rhys está precisamente no ponto com sua construção de um Phillip atormentado pela culpa que se torna, sem esforço nenhum, o centro nervoso de um episódio que pulsa e se ramifica nas diferentes representações do mesmo tema. Curioso como, no roteiro construído com brilhantismo por Tracey Scott Wilson (Do No Harm), cada história se fecha num final bem amarrado – mesmo que ele não seja, realmente, um final.
O retrato dos conflitos de Phillip com a missão que teve que cumprir se entrelaçam com a história continuada de Paige na Igreja, e incluem um instantâneo delicado e contundente da reação de Elizabeth a tudo isso. Se Matt Rhys é o sangue de The Americans aqui, Keri Russell o contrapõe com uma sutileza inacreditável, mergulhando a personagem em um oceano de emoções reprimidas e sacrificando o próprio ego para torná-la silenciosa e inquietamente expressiva em tela. É um trabalho de excelência descomunal.
É preciso que o espectador aprenda a encarar The Americans do jeito que ele quer ser encarado: como uma narrativa cirúrgica dos efeitos que a instituição da guerra (e não as ideologias envolvidas nela) tem sobre as pessoas.
Observações adicionais:
- Faltou falar das subtramas: Stan começa o seu trabalho em uma operação ultra-secreta e se aproxima do rastro dos Jennings, ao mesmo tempo em que a crise em seu casamento chega a um ultimato trágico (a atuação de Noah Emmerich é afinadíssima). Por fim, a interação de uma pequena cena entre o Agente Gaad e Arkady Ivanovich abre possibilidades interessantíssimas para a trama dos quatro últimos episódios da temporada.
✰✰✰✰✰ (5/5)
2x10 – Yousaf
Uma das grandes belezas da narrativa televisiva “tradicional” – entre aspas porque o canal a cabo em que The Americans se encontra garante algumas liberdades – é trazer uma multiplicidade de visões sobre uma mesma premissa e rol de personagens abre espaço para a polissemia. O trabalho de um único escritor em uma trama pode produzir certa autenticidade, mas o trabalho de vários traz a possibilidade de explorar diversos ângulos e fatores da história contada, o que faz com que todas essas visões se juntem para formar um todo conciso (no melhor do caros, é claro). Em “Yousaf”, The Americans traz de volta dois escritores que trouxeram perspectivas muito objetivas, menos sutis, ao começo dessa temporada, e aqui essa concisão é uma verdadeira carta na manga.
Seguindo a deixa do predecessor “Martial Eagle”, um dos episódios mais intensamente emocionais da vida da série, Stephen Schiff e Stuart Zicherman entendem que esse é um momento em que The Americans não pode se dar ao luxo de parar de explorar seus personagens. Ao mesmo tempo, existem atos decisivos para a trama maior da temporada em “Yousaf”, que não tem medo de apertar o ritmo da narrativa: os Jennings são incumbidos de uma nova missão, que envolve a sedução do personagem-título, representante de uma delegação paquistanesa que vem se reunindo com agentes americanos. Marcado pela KGB como “facilmente aliciável”, o moço cai rapidamente nas graças de Annelise (Gillian Alexy reprisa o papel que encarnou em “The Clock”, na temporada passada), convencida por Phillip de que está ajudando o serviço secreto sueco.
Paralelamente, Stan decide investigar o assassinato de Emmett e Leanne, o que pode leva-lo rapidamente ao rastro de Elizabeth e Phillip. Por fim, temos algumas cenas envolvendo Andrew Larrick, o perigoso contato da KGB dentro do exército americano, que parece ter se enfurecido com a morte de alguns de seus companheiros durante a missão no campo ilegal de treinamento, que ele mesmo facilitara. A atuação no ponto de Lee Tergesen ajuda a vender essa história de vingança que vai se estender pelos próximos episódios, mas a verdade é que “Yousaf” acaba sendo um bom episódio de The Americans porque entende o quão importante é que cada um desses atos dos personagens seja motivado por uma elaboração emocional sólida.
Observações adicionais:
- Os escritores adicionam uma cena doce entre Nina e Oleg, talvez na esperança de vender melhor esse casal que foi introduzido com tanta pressa alguns episódios atrás. O diálogo é ótimo as atuações também, então o truque, devemos admitir, funciona.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo The Americans: 2x11 – Stealth (07/05)
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