Marcello Mastroianni estrela o pôster de Cannes 2014, em foto retirada do filme 8 1/2, um dos clássicos de Federico Fellini
por Caio Coletti
Nós aqui d’O Anagrama amamos o Festival de Cannes. Muito mais do que qualquer outro evento da agenda cinematográfica do ano, a festa da Riviera Francesa é a representação de um conceito muito compreensivo e completo de cinema, que não se limita a astros hollywoodianos, mas também não se priva deles, porque ninguém resiste a um pouco de glamour. Além disso, é incrível notar como muitos dos filmes sobre os quais todo mundo vai falar nos próximos meses saem de lá, então é mais do que aconselhável ficar de olho no que rola.
No ano passado, sob a direção de Steven Spielberg no júri principal, Cannes acolheu um cinema mais luminoso e socialmente diverso. Essa última característica tende a permanecer sob a tutela de Jane Campion, escolhida nesse ano para liderar os jurados: a cineasta e roteirista neo-zelandesa ganhadora do Oscar pelo script de O Piano (que também lhe rendeu indicação a Melhor Direção), é uma favorita antiga do Festival, tendo duas Palmas de Ouro em casa, pelo curta An Exercise in Discipline e pelo mesmo O Piano. Recentemente, a diretora ficou em evidência por escrever e comandar a excelente minissérie Top of the Lake, que rendeu o Globo de Ouro de atuação a Elizabeth Moss.
Já a parte do “cinema colorido” deve ficar para trás. Embora a internacionalidade da seleção oficial seja obrigatória para quem quer que presida o júri, os filmes anunciados no último dia 17 de Abril mostram que Campion tentou colocar a substância acima do espetáculo. A quantidade de diretores notáveis na seleção para a Palma de Ouro é quase igual àquela da mostra paralela Un Certain Regard, presidida esse ano pelo cineasta argentino Pablo Trapero. Sinal, talvez, que Cannes 2014 está pronto para revelar novos talentos ao mundo.
A gente penou para escolher só 10 filmes que precisam ser vistos da seleção do festival, mas aqui vai:
Grace de Mônaco
Filme de abertura do Festival
Os filmes de abertura de Cannes são sempre um espetáculo à parte. Ano passado, a Riviera recebeu a pré-estreia de O Grande Gatsby, que acabou para muitos permanecendo como o evento cinematográfico do ano. Dessa vez, quem ocupa o posto é Grace of Monaco, cinebiografia da atriz e princesa Grace Kelly, conhecida por seus papéis sob o comando de Alfred Hitchcock em Janela Indiscreta e Ladrão de Casaca. O filme recorta uma fatia da vida de Grace como princesa, radiografando a crise no seu casamento na época em que Mônaco estava sob ameaça de invasão francesa.
Quem a interpreta é Nicole Kidman, dirigida por Olivier Dahan (Piaf – Um Hino ao Amor) e com roteiro de Arash Amel (Erased). O elenco ainda tem Tim Roth como o Príncipe Ranier de Mônaco, com quem Kelly foi casada de 1956 até sua morte, em 1982, num acidente de carro. Milo Ventimiglia aparece no papel do agente de Kelly, Parker Posey encarna uma amiga que mostra inclinações de falsidade, Paz Vega é a cantora de ópera Maria Callas, e os veteranos Frank Langella e Derek Jacobi batem ponto como o padre-conselheiro do príncipe e um conde, respectivamente.
Da esquerda para a direita: Juliette Binoche, Chloe Moretz e Kristen Stewart em fotos promocionais do filme
Clouds of Sils Maria
Competição pela Palma de Ouro
O parisiense Olivier Assayas já tem mais de 30 anos de carreira e três seleções anteriores para a competição da Palma de Ouro, a última sendo pelo thriller Clean, em 2004. Mesmo assim foi preciso a minissérie Carlos, do Canal + francês, vencedora do Globo de Ouro na categoria em 2011, para que o novo projeto de Assayas se tornasse realmente badalado. Clouds of Sils Maria é sem dúvida seu filme mais esperado até hoje, e se apresenta como a história de Maria Enders, uma atriz veterana que se refugia junto com sua fiel assistente na cidade suíça do título, após uma novata na profissão ascender ao estrelato interpretando o mesmo papel que a tornou famosa, décadas atrás.
Juliette Binoche, praticamente uma instituição do cinema francês, interpreta Enders. Vencedora do Oscar por O Paciente Inglês e do prêmio de Melhor Atriz de Cannes pelo fabuloso Cópia Fiel, de 2010, Binoche chega aos 50 anos em 2014 com o que promete ser um de seus melhores papeis. Kristen Stewart, com visual completo de nerd, interpreta a assistente da protagonista, enquanto a sempre carismática Chloe Moretz continua o seu plano de dominação mundial na pele de Jo-Ann Ellis, a jovem atriz que estrela o remake do primeiro sucesso de Enders.
The Homesman
Competição pela Palma de Ouro
The Homesman é o segundo filme para cinema dirigido por Tommy Lee Jones, e chega nove anos depois de Três Enterros. Enquanto aquele era um faroeste contemporâneo, a nova investida do vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por O Fugitivo atrás das câmeras se passa no Velho Oeste clássico. A trama retrata a união improvável de um sem-terra e uma pioneira na missão de escoltar três mulheres loucas de Nebraska até Iowa, onde receberiam melhor tratamento do que na casa das respectivas famílias. Como o trailer avisa, no entanto, a viagem não deve seguir sem percalços.
Jones já havia concorrido a Palma de Ouro por Três Enterros, e acabou levando o prêmio de Melhor Ator do ano na ocasião. Dessa vez, seu filme conta com um elenco estrelado, além da participação dele próprio: Hilary Swank é sua protagonista, enquanto Grace Gummer, Miranda Otto e a dinamarquesa Sonja Richter interpretam as três mulheres citadas. James Spader e William Fichtner, que recentemente contracenaram em The Blacklist, completam o elenco que ainda tem pequenas participações de Meryl Streep e Hailee Steinfeld.
James McAvoy e Jessica Chastain em cena do filme de Ned Benson
Eleanor Rigby
Un Certain Regard
A longa produção do primeiro longa-metragem de Ned Benson, diretor de três celebrados curtas entre 2003 e 2010, reflete bem a complexidade da proposta: inicialmente dividido em dois filmes, que juntos passam das três horas de duração, The Disappearance of Eleanor Rigby conta uma história de amor pela perspectiva do homem (no primeiro filme, Him) e da mulher (no segundo, Her), além de emprestar o nome de sua protagonista, sabe-se lá porque, de uma música dos Beatles. Após uma pré-estreia no Festival de Toronto do ano passado, a Weinstein Company resolveu comprar os direitos de distribuição do filme, “finalizado” ainda em 2012, e agora Eleanor Rigby (sem o The Disappearance of) chega a Cannes com um corte de duas horas de duração, e num único filme.
Quem viu a montagem original, em Toronto, teme que o novo corte estrague a experiência, mas o elenco fabuloso do filme continua o mesmo: James McAvoy e Jessica Chastain são o casal principal, Viola Davis aparece como a melhor amiga da moça, e Ryan Eggold (The Blacklist), Ciarán Hinds, Bill Hader, William Hurt e até a estrela francesa Isabelle Huppert completam a lista. E sim, esse é provavelmente o recorde de astros que um filme selecionado para o Un Certain Regard, teoricamente conhecido por abrigar cineastas estreantes e independentes, já teve.
Foxcatcher
Competição pela Palma de Ouro
Em 1996, o filantropo, multimilionário e esquizofrênico não-diagnosticado John Du Pont assassinou a sangue frio o irmão mais velho do seu atleta protegido, Mark Schutlz, na garagem da casa da vítima, localizada dentro da propriedade gigantesca de Du Pont. Os irmãos Schultz eram dois lutadores profissionais campeões olímpicos em suas categorias, que foram acolhidos por Du Pont quando o milionário adquiriu interesse nas artes marciais e passou a treinar e patrocinar um time próprio. Foxcatcher, projeto de estimação do diretor Bennett Miller (Capote) desde 2007, retrata a personalidade obsessiva do assassino e os eventos que escalaram até sua condenação pelo homicídio – Du Pont morreu na cadeia, em 2009.
O clima tenso do primeiro trailer se deve ao foco na performance de um quase irreconhecível Steve Carell, no que pode ser seu papel mais desafiador desde Pequena Miss Sunshine. A dupla de protagonistas, por sua vez, é encarnada por Channing Tatum e Mark Ruffalo, e o elenco é completado por Sienna Miller no papel da esposa da vítima, além de Anthony Michael Hall e Vanessa Redgrave. O roteiro ficou por conta de Dan Futterman, que colaborou com Miller em Capote e desde então entrou para a equipe da celebrada série In Therapy.
Bird People
Un Certain Regard
Após cinco anos e uma indicação ao Globo de Ouro pela ótima atuação em The Good Wife, o ex-astro juvenil Josh Charles (alguém se lembra dele em Sociedade dos Poetas Mortos?) está pronto para alçar vôos mais ousados e, quem sabe, manter a fama reconquistada. Bird People é o primeiro projeto pós-Will Gardner do moço, e mostra também uma preocupação com a escolha de títulos interessantes para compor a filmografia. No filme, Charles é um americano que chega em Paris e resolve recomeçar sua vida, desligando o telefone celular e se embrenhando nos mistérios da cidade francesa. Bird People tem reportadamente um elemento sobrenatural muito forte para casar com o drama.
A diretora Pascale Ferran não é uma estranha à Cannes. Bissexta e polêmica, a moça ganhou a Câmera de Ouro, um dos prêmios secundários do Festival, ainda em 1995, por seu Petits arrangements avec les morts. Em 2006, sua adaptação do clássico da literatura erótica Lady Chatterley causou muita comoção e fez de Marina Hands uma estrela do cinema francês. Bird People é seu primeiro filme desde então, e também a primeira vez que Ferran trabalha com uma produção americana, contando também com Radha Mitchell e Mathieu Almaric no elenco.
Gaspard Uliel em recorte do pôster do filme
Saint Laurent
Competição pela Palma de Ouro
Saint Laurent é o segundo filme produzido e lançado nesse ano a tratar da vida do lendário estilista Yves Saint-Laurent, fundador da grife que leva o seu sobrenome, até pouco tempo atrás conhecida como YSL. O primeiro, que leva o nome completo do estilista, foi lançado esse mês no Brasil, estrelado pelo jovem Pierre Niney e aprovado pelos co-fundadores e herdeiros da marca. O Saint Laurent selecionado para competir pela Palma de Ouro é menos ambicioso, cobrindo apenas uma década de vida do estilista e com lançamento oficial marcado para Outubro na França.
Bertrand Bonello, o diretor, é habitué de Cannes, tendo vencido o FIPRESCI Prize (dado a filmes de importância social) pelo polêmico Le pornographe em 2001 e competido pela Palma outras duas vezes – por Tirésia, que retrata a vida de um travesti brasileiro na França, e por L’Apollonide em 2011. O papel-título de Saint Laurent ficou com o astro Gaspard Uliel, conhecido por aqui como o jovem Hannibal de A Origem do Mal, enquanto Lea Seydoux e Louis Garrel interpretam dois dos muitos protegidos do estilista. Valeria Bruni Tedeschi e Jérémie Renier completam o elenco.
Maps to the Stars
Competição pela Palma de Ouro
Será Maps to the Stars o definitivo “fuck you” de David Cronenberg para Hollywood? O celebradíssimo diretor canadense tem um currículo impressionante, incluindo quatro seleções para a Palma de Ouro e um prêmio do Júri por Crash, em 1996. A lista de astros presentes só nos seus últimos cinco filmes inclui Robert Pattinson, Paul Giamatti, Viggo Mortensen, Keira Knightley, Michael Fassbender, Maria Bello e Ralph Fiennes. Mesmo assim, Maps to the Stars é o primeiro Cronenberg (sim, ele está naquela lista de diretores que dispensa o “filme de”) a ser filmado em solo americano, e um dos pouquíssimos a serem bancados por dinheiro de Hollywood. Curioso, portanto, que o trailer mostre o que promete ser uma crítica mais que ferina ao mundo de Beverly Hills.
O roteiro do novelista Bruce Wagner está nas mãos de Cronenberg desde 2005, mas só agora a produção foi viabilizada, o que dá um gostinho do conteúdo controverso do filme. John Cusack interpreta um psicanalista de estrelas em Hollywood, entre elas a decadente atriz feita por Julianne Moore. A relação médico-paciente extrapola quando a moça se envolve com a família do doutor, que inclui um astro precoce que acaba de sair da rehab (Evan Bird, conhecido dos fãs de The Killing), uma piromaníaca desfigurada (Mia Wasikowska) e uma socialite obsessiva (Olivia Williams). Nessa confusão toda, Robert Pattinson reprisa a parceira com Cronenberg, de Cosmopolis, na pele de um motorista de limusine, enquanto Carrie Fisher (ela mesma, a Princesa Leia) interpreta a si mesma.
Anne Dorval no primeiro still do novo filme de Dolan
Mommy
Competição pela Palma de Ouro
Dizem que toda unanimidade é burra, então Xavier Dolan já pode se conformar que a polêmica dos últimos cinco anos, desde que iniciou carreira como cineasta no Canadá natal com o marcante Eu Matei a Minha Mãe, é só sinal da qualidade de eu trabalho. Um dos diretores mais jovens a ascender mais rapidamente ao topo da lista de todo jovem hipster que se preze, Dolan se aproxima dos 25 anos com seu primeiro filme selecionado para competir à Palma de Ouro (depois de dois anteriores, Amores Imaginários e Laurence Anyways, terem figurado na mostra Un Certain Regard). Mommy retrata a história de uma mãe solteira que, com dificuldades para criar seu filho adolescente com tendências violentas, recebe ajuda de uma misteriosa vizinha da família.
A protagonista é interpretada por Anne Dorval, uma das atrizes preferidas de Dolan, que colaborou com o diretor nos outros três filmes citados aí em cima de seu currículo. Antoine-Olivier Pilon, um jovem e ascendente astro francês, faz o papel do filho, Steve. E por fim, Suzanne Clément, que também esteve em Eu Matei a Minha Mãe e Laurence Anyways, encarna a tal vizinha misteriosa, que atende pelo nome de Kyla. Com 140 minutos de duração, Mommy é claramente o projeto mais ambicioso do jovem Dolan até hoje, e também o primeiro filme assinado por ele que não tem sua presença na frente das câmeras.
Wild Tales
Competição pela Palma de Ouro
Desde que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (merecidamente) em 2010, por O Segredo dos Seus Olhos, o cinema argentino tem marcado cada vez mais presença nos festivais do circuito europeu, em geral dando uma bela surra de qualidade nos filmes produzidos no resto da América Latina. Relatos Salvajes (ou Wild Tales, como Cannes o anunciou) tem algo em comum com o drama vencedor da estatueta: o ator Ricardo Darín, um dos mais conhecidos e talentosos profissionais do país. Aqui, ele é apenas mais uma peça em um complexo xadrez de histórias paralelas sobre personagens que perdem o controle – com consequências cômicas e uma pitada de suspense.
Relatos Salvajes é a primeira aparição de Damián Szifron em Cannes, e é bom o espectador ficar de olho nesse jovem argentino (29 anos) que vem ganhando espaço na terra natal como roteirista de televisão e diretor de filmes como El Fondo del Mar e Tiempo de Valentes, esse último uma das comédias mais celebradas de 2005. Além de Darín, o novo filme conta com rostos conhecidos na Argentina, como Leonardo Sbaraglia (Intacto, Plata Quemada), Darío Grandinetti (Fale Com Ela) e Rita Cortese (Dois Irmãos).
O Festival de Cannes acontece entre os dias 14 de 25 de Maio.
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