ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
Um dos elementos mais importantes do storytelling de uma trama que se baseia em uma rede de mentiras é a tensão que precisa ser criada na encenação, e por conseguinte entre os personagens, quanto ao inevitável momento-clímax em que todas essas ocultações virão a tona. Nenhuma outra história seriada hoje em dia se compara com The Americans no quesito de número e complexidade de mentiras existentes na trama – é possível argumentar, aliás, que a série como um todo se concentra em uma variedade de encenações emocionais (as relações entre os personagens) criadas para suportar uma encenação ainda maior, de alcance político internacional (a Guerra Fria). Dito isso, é inevitável que The Americans tenha um momento em que o mundo cai bem na cabeça dos nossos protagonistas – só era impossível esperar que esse momento fosse ser tão discreto quanto “Stealth”.
O episódio, com roteiro de Joshua Brand, mais do que se recuperando do último script que assinou (o mediano-para-ruim “ARPANET”), traz à luz uma série de mentiras tão intrínsecas as interações desses personagens que talvez tivéssemos esquecido que elas mesmo existiam. Perto do final da temporada, o roteirista é exigido lidar com consequências e empurrar a trama adiante para o desfecho que se aproxima, e é isso mesmo que ele faz. “Stealth” é ágil como os episódios escritos por Brand costumam ser, mas é também cuidadoso na forma com que lida com cada um dos grandes acontecimentos inseridos nele, e principalmente na hora de imbuir cada uma das cenas de uma forte undercurrent emocional, uma tensão muito palpável e uma exploração muito incisiva das consequências e da tragédia inerente a vida falsificada dos personagens que acompanhamos em tela.
Claro, uma grande jogada foi chamar Gregory Hoblit para assinar o episódio na direção. Conhecido por sua carreira no cinema (Alta Frequência, A Guerra de Hart, Um Crime de Mestre), Hoblit tem também larga experiência na televisão, da qual no entanto estava afastado desde 1994. Aqui, ele retorna imbuindo a série de uma linguagem extremamente cinematográfica, mas principalmente com um entendimento grande da história que pretende contar, e dos tons certos a usar para conta-la. “Stealth” é um episódio excepcionalmente quieto, que joga com sutilezas e com uma mise-en-scene elegante, apostando nas atuações e em um silêncio muito expressivo da trilha sonora para retratar momentos emocionais intensos sem torna-los novelescos.
A dois episódios do season finale, assistimos ao fim da história de Kate, que é alcançada e morta pela força aparentemente incombatível do plano de vingança de Andrew Larrick, ainda em busca dos paradeiros de Elizabeth e Phillip. Ao mesmo tempo, o casal protagonista sonda um cientista que pode ter o segredo para o material responsável pelo efeito stealth tão almejado pelos soviéticos, e precisa lidar com Jared, o filho do casal de amigos agentes soviéticos morto na estreia da temporada que está sendo questionado pelo FBI – o agente Beeman descobriu o segredo dos pais mortos do menino. O caos provocado por Larrick e a aproximação do FBI promete se juntar ao drama de Nina nesses dois episódios finais: após Oleg descobrir sobre a traição à pátria da amante, e Arkady lhe solicitar que consiga de Beeman algo que ela sabe ser impossível, a personagem de Annet Mahendru decide pedir proteção para o agente, a quem ela tem enganado no decorrer da temporada.
Ao deixar tudo isso no ar e preparar as circunstâncias para as próximas duas horas de resoluções, The Americans intitula o episódio quase ironicamente como “Stealth”. Quando as mentiras vem a tona, o mundo exige um preço dos nossos personagens se eles quiserem continuar voando invisíveis.
Observações adicionais:
- Duas cenas saltam aos olhos em “Stealth”: a primeira é a conversa serena e amarga entre Stan e a esposa, em mais uma interpretação cativante de Susan Misner e em uma reação no ponto de Noah Emmerich; e a segunda é a interação entre o agente do FBI e o filho dos Jennings, Henry – o diálogo, absurdamente bem escrito, mostra a convicção de The Americans de colocar as particulares de seus personagens acima das posições arquetípicas que eles normalmente assumiriam (“I’m not a hero, Henry”).
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo The Americans: 2x12 – Operation Chronicle (14/05)
0 comentários:
Postar um comentário