Arte da camiseta da campanha “#somostodosmacacos”, vendida na página de Luciano Huck no Facebook
por Fabio Christofoli
Aconteceu quando eu tinha 18 anos. Meu amigo e eu atravessávamos a rua, quando uma viatura passou por nós. Olhamos para os dois lados enquanto atravessávamos e isso fez com que olhássemos para a viatura. Ela parou. Deu uma ré violenta e estacionou diante de nós. Os policiais saíram correndo e gritando com a gente. Perguntando porque olhamos para eles. Tentamos responder. Levamos um tapa. Eu suava frio. Estava sem minha identidade. Meu amigo sugeriu que as mostrássemos. Por sorte um dos policiais viu aquilo como uma “ordem” e mandou ele calar a boca. Em poucos minutos nos liberaram. Mesmo assim aquela cena está bem representada na minha cabeça, pois foi humilhante demais ser tratado como bandido apenas por olhar para os dois lados para atravessar.
Algum motivo para isso? Ah, esqueci de mencionar. Meu amigo é negro.
Aí vem a grande questão desse texto. Existe racismo nessa história? De alguma maneira sim. Talvez por parte dos policiais. Talvez até por minha parte, por ter citado isso. Talvez tenha vindo de você, logo que revelei a cor do meu amigo. O fato é que em algum lugar nessa história o racismo estava lá, escondido e existindo.
Vejam bem, racismo não é só o ato explícito. Racismo é cultura. Você pode nunca ter ofendido um negro na vida, nem pensar em ofender. Pode inclusive ser totalmente contra atos racistas. Mas não vai ser completamente livre dele se no momento que alguém falar que houve um roubo a sua mente desenhar automaticamente o suspeito como negro ou você ficar surpreso se o assaltante for loiro. Mesmo que isso seja sem querer.
Eu costumo acreditar que o preconceito só acaba quando há naturalidade. Quando a questão é completamente apagada da nossa mente, não dando espaço para pensamentos compostos de “poréns”. Sabe aquelas frases chatas tipo “Eu não tenho nada contra gays, mas...” ou “Mesmo sendo negro ele conseguiu”? Isso é tão preconceituoso quanto a banana atirada contra o jogador Daniel Alves.
São preconceitos diferentes em intensidade, mas falam sobre a mesma coisa. Vão para o mesmo lugar. Afetam as mesmas pessoas.
Da esquerda para a direita, de cima para baixo: Claudia Leitte, Neymar, Gaby Amarantos, Ivete Sangalo, Luciano Huck, Angélica e Michel Teló aderiram à campanha
Lembro quando o Obama foi eleito. Ele sempre ressaltou que não gostaria de ser reconhecido como o primeiro presidente negro e sim como um grande presidente. A questão da cor deveria ficar em segundo plano, pra ele, por mais que ele soubesse que para chegar ali, ele teve que ser duas vezes melhor que seus concorrentes brancos. Mas ele não queria que essa questão ganhasse destaque. Ele queria que fosse algo natural. Que outros negros conquistassem espaço sem precisar explicar como conseguiram.
A resposta do Daniel Alves à banana arremessada sugeriu isso. Ele simplesmente passou por cima do racismo, provavelmente deixando o seu agressor confuso, afinal, a ofensa não deu certo.
O problema foi o que veio depois.
Uma campanha publicitária infeliz, globais posando com bananas alegando apoio, mas alguns visivelmente tentando se promover, camisetas vendidas... O que veio depois tirou toda naturalidade do ato, deixando o debate criado em torno do episódio completamente superficial. Pra variar, a mídia nos bombardeou com reportagens sobre tudo que envolveu a história, saturando em poucas horas o que poderia ser um passo a frente da humanidade. Por que sim, tinha tudo pra ser algo histórico. Algo tão marcante quando o gesto de Jesse Owens para Hitler.
Infelizmente coisas absurdas precisam acontecer com gente famosa para ganharem atenção. Todos os dias jovens negros são humilhados por aí. Com coisas bem piores que uma banana. A vista grossa é impressionante. Tudo poderia mudar se o gesto do Daniel Alves repercutisse isoladamente. Ao invés disso cá estamos nós, falando das camisetas vendidas pelo Luciano Huck.
O que me leva a crer que a banana é o de menos. O pior problema está na forma como lidamos com isso tudo.
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