por Caio Coletti
Logo no início de Frances Ha, o roteiro do também diretor Noah Baumbach coloca a protagonista do título, interpretada pela atual namorada do cineasta Greta Gerwig, discutindo por algum motivo desconhecido um dos mais nefastos modismos da crítica de cinema moderna: o uso exagerado, e muitas vezes condescendente, do adjetivo “sincero”. Acidamente, a personagem – e, por extensão, o diretor-roteirista – comenta que, quando um filme é assim taxado pela crítica em geral, nas entrelinhas se lê que ele se apóia somente nisso, e que portanto, embora possa ser tocante e até marcante para alguns, carece de qualquer valor intelectual e artístico. Quando assistindo Frances Ha, considere isso como Baumbach dizendo “desafio aceito” logo no início de sua obra, porque este é um filme que é até fundamentalmente sincero. É também, no entanto, uma tremenda peça de cinema.
Tudo parte, circula em torno, e retorna eventualmente à história. Frances (Gerwig) é uma moça que está naquele ponto da vida, entre os 25 e 30 anos, em que não ter rumo ou perspectiva real nenhuma deixou de ser charmoso. Ela vive com a melhor amiga e “alma gêmea” Sophie (Mickey Sumner, um verdadeiro achado), tenta uma posição permanente na companhia de dança onde é substituta da talentosa Rachel (Grace Gummer, uma das filhas promissoras de Meryl Streep) e, conforme acompanhamos-na através de algum tempo nessa narrativa meio errante de Baumbach, perde tudo que parece ter algum sentido real nessa vida meio-adulta, meio-infantil. Em certo aspecto, Frances Ha é um gracioso retrato dos encontros e desencontros que a vida pode aplicar às pessoas, conforme a persongem-título se afasta e se reaproxima da melhor amiga, encontra outras pessoas variavelmente interessantes pelo caminho e até faz uma viagem-relâmpago para Paris.
A essa narrativa quase episódica, Baumbach empresta na execução um clima de nouvelle vague, sutilmente implantado através da fotografia em preto-e-branco, da encenação por vezes teatral, e da visão bastante cinética e relaxada dos personagens. A dupla de artistas classe média-alta com quem Frances passa um tempo, interpretados pelos ótimos Michael Esper e Adam Driver (esse último conhecido pelo papel em Girls), protagoniza uma das passagens mais paradoxalmente coloridas do filme, guiados por escolhas nada óbvias do roteiro e um par de cenas que realmente mostram o espírito estético de Frances Ha. Talvez por ser uma escolha que tenha tanto a ver com a história, o aspecto técnico do filme não salte aos olhos, mas deveria: é na fotografia de profundidade sempre aguçada de Sam Levy (Wendy & Lucy) que o mundo de Frances e daqueles a sua volta toma movimento absolutamente constante, e é aí que reside o coração do filme.
Justiça seja feita, movimento vive também na maravilhosa performance de Gerwig, que empresta milhares de minúcias a uma personagem largamente definida por elas, na sua confiança hesitante com subtons melancólicos de quebrar o coração, e especialmente na linguagem corporal que parece nunca cessar de dançar quando está em cena. O coração de Frances Ha está em contar uma história extremamente particular sem isolar seus personagens de um mundo que vibra e rodopia a cada segundo. Com sua cena final enormemente satisfatória, sua boa vontade inesgotável para com os personagens e sua técnica intrinseca à trama, o filme não é um “pequeno feito de cinema”, como alguns teriam a tentação de taxar. É uma obra-prima, e precisa urgentemente ser reconhecida como tal.
***** (5/5)
Frances Ha (EUA, 2012)
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach, Greta Gerwig
Elenco: Greta Gerwig, Mickey Sumner, Adam Driver, Michael Zegen, Grace Gummer
86 minutos
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