ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
Muitas qualidades podem ser atribuídas a American Horror Story, mas se há um aspecto com o qual a série sempre lutou em seu todo de produção, é a construção de uma narrativa coesa para os personagens que tem em mãos. Um pouco disso vem de falta de atenção e dedicação do time de roteiristas da série, como dá para perceber na diferença entre a narrativa da primeira temporada, Murder House, e a de Asylum, no ano passado. Até agora (e já entramos na “reta final”, por assim dizer, da temporada), Coven vem se situando num meio termo entre esses dois opostos, e isso é puramente porque, durante boa parte do tempo, Ryan Murphy e Brad Falchuk não estão tão interessados nessa “narrativa coesa” que é o padrão crítico da produção televisiva.
É preciso pensar em algumas variáveis, como o fato do conceito de American Horror Story como uma antologia de terror antes de ser um dispositivo de contar histórias, embora o ideal fosse a combinação das duas coisas. Em muitos momentos, o “estilo” de narrativa da série pode ser resumido no amontoamento de situações que brincam com os medos-protótipo da humanidade (e alguns específicos americanos), em cima de personagens que são definidos muito mais do que definem aquilo que acontece com eles. A “boa narrativa”, no sentido clássico, coloca os personagens em uma jornada que permite que se revelem coisas novas sobre ele, mas American Horror Story, por ter como prerrogativa o jogo de clichês do terror, inverte o processo e molda os personagens de acordo com aquilo que os escritores precisam que aconteça com eles.
Por isso, inclusive, que para a série o elenco é ainda mais fundamental que o normal. Não são todos os atores que conseguem manter a unidade de uma persona ficional quando ela é refém dos caprichos de um grupo de roteiristas tão dedicados em juntar, num mesmo episódio, todas as situações favoráveis à premissa de uma antologia. Jessica Lange, Sarah Paulson, Frances Conroy, Lily Rabe e Dennis O’Hare são tão essenciais para AHS porque sabem como pertencer integralmente a esse mundo, se divertir com as reviravoltas improváveis e ainda manter a humanidade de seus muitas vezes grotescos personagens. São eles, e mais alguns outros atores que se encaixam perfeitamente no mundo da série, que fazem dela essa dualidade tão cativante entre o irreal e o concreto.
Coven é sobre comunidades mostrando suas verdadeiras naturezas em tempos de crise, sobre poder feminino, e sobre segregação racial, tudo ao mesmo tempo. Embora tropece no caminho (e “The Sacred Taking”, em certo ponto, passa a ser uma dessas escorregadas), AHS aprendeu a não perder completamente o seu caminho na vontade de ser dinâmica, completa ou simplesmente divertida. Esse oitavo episódio da temporada, assinado pelo próprio Ryan Murphy, é a blast, como dizem os americanos, com seu ritmo insano e suas reviravoltas por segundo. Até o ponto de um pouco depois dos 20 minutos, segura a narrativa perfeitamente bem amarrada com a tentativa de Fiona e as garotas do coven de fazer Fiona se matar e revelar a nova Suprema.
Vamos falar desses primeiros 20 minutos, então: Murphy no roteiro significa que a série adquire uma linguagem extremamente gráfica para ilustrar seus meandros. Dessa forma, o sofrimento de Fiona com o tratamento do câncer fica muito mais palpável, com a ajuda das imagens sempre assombrosas do diretor Alfonso Goméz-Rejon. O trabalho dessa primeira metade do episódio é colocar a narrativa nos trilhos, colocando de volta ao centro a disputa entre os dois clãs de bruxas, e os conflitos internos no coven de Fiona e Cordelia. A metade final, infelizmente, perde um pouco o controle de para onde ir depois de fazer isso, mas essa é American Horror Story, e na semana que vem provavelmente os roteiristas vão ter pensado melhor e direcionarão a história para o lugar que pretendem ir perto do final.
Uma das grandes qualidades dessa série, essa sim, é que em sua narrativa sem nenhum limite conceitual, é muito fácil virar tudo de cabeça para baixo e consertar os erros tão rápido quanto eles foram cometidos.
Observações adicionadas:
- Coven e a religião, uma relação complicada. Mas, mais uma vez, uma relação que brinca como os clichês do terror para indulgir uma visão pessoal dos criadores e roteiristas. A mão é pesada, mas não teria como não ser.
- “I feel like a queen”. AW!
**** (4/5)
Próximo American Horror Story Coven: Ep. 9 – Head (11/12)
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