por Caio Coletti
Para se reconhecer as falhas não é preciso se desonrar os méritos. Sucker Punch é o típico projeto que nasceu e cresceu cercado por expectativas de todos os lados. Não que seja menos do que compreensível a celeuma em torno do primeiro projeto de Zack Snyder depois de colocar as mãos na obra-prima dos quadrinhos Watchmen (e sair praticamente ileso da aventura). Adicione aí um roteiro que brinca de surrealismo e mexe com o funcionamento da mente humana, o que anda na moda desde que Martin Scorsese abriu caminho com Ilha do Medo e Christopher Nolan ditou as regras em A Origem, e a adesão de um quinteto de estrelas jovens que, de uma forma ou de outra, vem cavando seu espaço na cinematografia contemporânea. O resultado de toda essa equação pré-lançamento é que Sucker Punch já nasceu incapaz de corresponder as expectativas. Mas isso não significa, de forma alguma, que seja um filme ruim.
Pelo contrário, aliás. É de certa forma muito corajosa a tour de force que Snyder estrutura para si mesmo. O desafio constante que tem permeado sua carreira até agora, desde 300, é o de conseguir conjugar percepção visual, contextualização diretiva e conteúdo narrativo, e Sucker Punch é a história perfeita para que sua busca por essa sinestesia completa da experiência cinematográfica chegue ao ápice. São só pequenos detalhes de roteiro, talvez pela pressão do estúdio aqui e ali não deixando Snyder desenvolver sua visão completamente, ou mesmo pela ausência de experiência no campo do roteiro original (ter outro estreante, Steve Shibuya, como parceiro não ajuda muito), que impedem o filme de realizar todo o seu potencial.
Baby Doll (Emily Browning) é internada por seu padrasto abusivo em um sanatório, onde deve esperar por cinco dias até a realização da infame lobotomia, cirurgia que leva os pacientes a um estado sedado permanente. Virada narrativa número um: em sua mente, Baby Doll transforma o local em uma espécie de casa de shows/prostíbulo comandado por Blue Jones (Oscar Isaac) e Vera Gorski (Carla Gugino), de onde ela e suas colegas Sweet Pea (Abbie Cornish), Rocket (Jena Malone), Blondie (Vanessa Hudgens) e Amber (Jamie Chung) tem um plano para fugir. Virada narrativa número dois: nessa realidade alternativa, a cada vez que dança, Baby Doll é transportada para um outro mundo, ainda, onde as “missões” para escapar do lugar onde está encarcerada são feitas em metáforas pelo roteiro. Nessa brincadeira toda, Snyder cria um mundo particularíssimo, passeia por ambientação de época e brinca de Senhor dos Anéis, Eu Robô, O Resgate do Soldado Ryan… É de fato louvável, em meio a tanta referência, que Snyder faça de Sucker Punch um filme tão seu.
O elenco merece um capítulo a parte, ainda que não haja uma grande atuação a se destacar aqui. Talvez Jena Malone, que já foi comparada a Jodie Foster no começo da carreira, acabe arquivando a interpretção mais marcante. No ramo desde os 12 anos, a moça costuma ser lembrada como a irmã do protagonista de Na Natureza Selvagem, e pelo retrato da mais nova das irmãs Bennet no Orgulho & Preconceito de 2005. Abbie Cornish, uma pequena jóia a ser apreciada desde Candy, que teve papéis em Elizabeth: A Era de Ouro e O Brilho de Uma Paixão, não fica muito atrás em sua atuação discreta e intrigante como Sweet Pea. Vanessa Hudgens (High School Musical) e Jamie Chung (Dragonball Evolution) não são presenteadas com a oportunidade de brilhar, mas não fazem feio em seus papéis. Por fim, a protagonista Emily Browning cria uma imagem de certa forma muito icônica para si mesma, e é capaz de demonstrar dotes dramáticos insuspeitos na garota que surgiu como a irmã mais velha de Desventuras em Série.
Sucker Punch tem algo a dizer, sim, mas parece ter mais a mostrar. Não é uma bomba atômica conceitual e emocional como A Origem, não é o trabalho de classe, reconstrução, circunstância e tensão que foi Ilha do Medo, e muito menos pretende ser uma criação à la Robert Rodriguez. Sucker Punch é um prodigio de visual e trilha-sonora, e pode até fazer o espectador pensar com suas linhas finais, mas não é o grande filme desse ano, e ainda não é tudo o que Snyder pode nos oferecer como diretor. Portanto, fica a dica: antes de colocá-lo para rodar, esqueça um pouco do que você estava esperando. Sucker Punch pode até te surpreender.
Nota: 8,0
Sucker Punch – Mundo Surreal (Sucker Punch, EUA/Canadá, 2011)
Dirigido por Zack Snyder…
Escrito por Zack Snyder, Steve Shibuya…
Estrelando Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung, Carla Gugino, Oscar Isaac, Jon Hamm, Scott Glenn…
110 minutos
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