15 de out. de 2011

Movimento

movimento 1

texto por Caio Coletti
fotos por iJunior

Ela via a paisagem passando pela janela suja, e às vezes parecia estar tão acostumada com a inquietação do leve tremor do trem mexendo com a boca do seu estômago que até esquecia que quem estava se movendo era ela, e não o mundo. Há tanto tempo ela viajava que poderia nem mesmo notar mais a dor da despedida de um lugar onde estivera, e convencera a si mesma que não havia importado, que não fizera diferença. Que, quando realmente fosse pra ser, quando ela encontrasse o lugar que poderia chamar de casa, seria pra sempre. Ela se convencera a não sentir, se convencendo de que nada merecia seu sentimento se não fosse eterno. Mas, nessa vida toda de temporários, ela se esquecera do fundamental: o eterno não existe.

Assim, ela sofria sorrindo. E deixava o mínimo de conforto daquela cabine fria em que viajava ser o bastante para manter-se inteira, manter-se bem, manter-se viva. Manter-se tudo, menos completa. Isso ela não era, nunca fora e provavelmente nunca seria. Aprendera a ignorar aquele pedaço insistentemente latejante de si mesma que faltava, porque vira de longe que o mundo que a cercava fazia o mesmo. Nunca quisera seguir o exemplo, mas concluíra afinal que a dor de saber era maior que a dor de renunciar a verdade. E assim, aos poucos, ela aprendera também a fugir de tudo o que a fizesse se lembrar daquela ausência, daqueles momentos fugidios em que parecia que o trem finalmente iria parar, e ela descia para sorver o ar e ser recordada do fato de que aquela não era sua parada ainda. Tantas vezes. Já até se convencera de que nunca iria ser.

Fria e rígida em seu assento, sozinha em sua cabine, ela não fazia som algum. Ela não se permitia. Não se mexia. Tinha os olhos fixos no lado de fora da janela, mas não sentia nada que passasse por lá. Já vira últimos suspiros, primeiras palavras, beijos intensos, abraços calorosos e conflitos densos. Só observava. Alguém que a visse, ou ouvisse sua descrição, poderia se perguntar se ela ao menos respirava. O movimento do peito era tão mínimo, o brilho dos olhos era tão pouco, o sorriso congelado no rosto era tão perenemente vazio, a respiração era tão curta... Sobrevivia, mas não vivia.

O trem sacolejou um pouco mais forte, lentamente parando em alguma estação sem cor. Só uma pessoa estava lá, esperando alguma coisa com aquela postura falsamente largada, propositalmente displicente, como num eterno tédio de domingo a tarde, sem o Sol ou o cheiro do dia em que tudo começa de novo. Para ele, parado ali, na estação, todos os dias eram iguais. Assim como para ela, eternamente viajante. Era só uma questão de escolha: fingir estar bem quando o interior está constantemente em frangalhos sem que nem mesmo se perceba, isso era imposição irrevogável. Resta, saber, afinal, se parado ou em movimento.

Se ela via o mundo passar, ele via o mundo passando. Se ela sonhava já sem acreditar que um dia chegaria a seu destino, ele esperava igualmente sem esperança pelo trem que traria o seu. Eles podiam sobreviver já sabendo que o que faziam era em vão. Mas o que mais sabiam fazer? Não importava onde estariam. O mundo ficaria, sempre, do outro lado da janela.

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Stop and stare/ I think I’m moving but I go nowhere/ Yeah, I know that everyone get scared/ But I become what I can’t be/ Stop and stare/ You start to wonder why you’re here not there/ You’ll give anything to get what’s fair/ But fair ain’t what you really need/ Can you see what I see?”

(OneRepublic em “Stop and Stare”)

2 comentários:

Anônimo disse...

Vai ter continuação em que eles se encontram? :)

Caio Coletti disse...

Pode ser que tenha... HAHA Não pretendia, mas você me deu a ideia.