13 de out. de 2011

O Breve Fim de Mademoisselle Jaqueline Lemaire

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por GuiAndroid

O cabaré lotado, a música tocando, era difícil saber se era Jazz ou Soul, se era Soul ou música Burlesca. Nunca tive ouvido para música, apenas talento para dança. A década de 20 em Paris se demonstrava mais viva do que nunca, o fim da guerra trouxera clientes, amigos, empresários e amantes ao bar. Ao mesmo tempo em que os ares eram de paz e felicidade a minha vida pessoal e profissional estava se arruinando, com certeza em alguns meses a rua seria minha nova moradia.

-Mas senhor Baudelaire, me dê mais um mês, há cada vez mais dinheiro entrando no cabaré, tenho certeza que madame Chevalier me dará um aumento se eu a pedir.

-A única certeza que pode ter nesse momento Mademoiselle Lemaire é de que vai perder seu apartamento esta semana se não puder me pagar o aluguel.

Monsieur Rousseau viera me cobrar o aluguel em meu trabalho esta noite. A situação estava ficando precária, meu salário mal dava para me manter, muito menos para pegar o transporte até o cabaré.

Meu show começara, a música tocava e eu realizava o número de sempre. Em poucos minutos já estava cansada, mal podia respirar ou raciocinar direito, não havia jantado essa noite, não tinha dinheiro o suficiente para isso. Inevitavelmente, ainda no começo do meu show, escorrego no palco e caio, como se houvesse sabão sob meus pés. A plateia então começa com as vaias, as lágrimas escorrem pelo meu rosto e a cortina se fecha.

- Jaqueline, o que houve com você? Eu lhe disse que se isso acontecesse mais uma vez eu a tiraria do show, você não pode continuar a arruinar meus espetáculos!

-Mas Madame Chevalier, perdão, com o que a senhora me paga não possuo o suficiente nem para o jantar, não existem mais forças em mim para que eu continue todas as noites assim.

- Pois então se vire Jaqueline, todas as outras se viram muito bem com o que pago.

- É claro, elas trabalham em outros cabarés durante o dia, eu não tenho essa condição, moro longe e não tenho tempo para trabalhar tanto assim.

- Pois então arranje outra casa de espetáculos que lhe pague melhor, passe aqui amanhã cedo para pegar a sua demissão e o que eu tenho que lhe pagar por este mês.

Saí da sala de Madame Chevalier aos prantos, fugindo sem rumo pelas ruas iluminadas de Paris. Não me restava mais nada, nem trabalho, nem casa, nem roupas, muito menos comida. O que seria de uma dançarina de cabaré próxima da aposentadoria, vivendo no limbo e a beira da falência?

Na manhã seguinte passei no cabaré e peguei meu dinheiro, pouco, que mal dava para uma semana. Para o aluguel então, impossível. Fui para casa e preparei minhas malas: eu teria que arranjar algum lugar barato para ficar. Com as malas a arrastar pelo chão no meio da manhã saí a procura de uma pensão qualquer, um lugar que me abrigasse por alguns dias. As pessoas na rua me olhavam como se eu fosse uma espécie desconhecida, de animal, como se fosse um escarro no chão pronto para ser pisado.

As nuvens começaram a ficar pesadas e aos poucos as gotas foram caindo, cada vez mais grossas, o drama em meu rosto combinava com o clima e com a luz, era difícil combinar meus pensamentos com a razão, as direções incertas para os quais eles me levavam eram traiçoeiras, em um dia caminhando pelas ruas não houve se quer uma pensão ou albergue que houvesse vagas ou que me aceitasse. A noite já estava caindo e a chuva continuava desabando, as lágrimas em meu rosto eram incessantes, meu estado deplorável. Haveria para alguém como eu um final feliz? Porém como isto é vida real as chances são de que eu contraia alguma doença e simplesmente morra, pois neste ritmo de vida estou fadada a esse fim. Se é que posso chamar isso de vida.

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[Sally]: Você deve estar se perguntando o que eu faço trabalhando num lugar como o Kit Kat Club.

[Brian]: Bem, é um lugar bem incomum.

[Sally]: Essa sou eu, querido. Lugares incomuns, casos amorosos incomuns. Eu sou uma pessoa realmente estranha e extraordinária.

(Liza Minelli e Fritz Wepper em “Cabaret”)

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