Quinta-feira, 29 de Setembro, o canal Multishow estava transmitindo um dos dias mais legais do Rock in Rio desse ano, e desde as 17h, quando o show de Joss Stone tinha começado, eu tinha trocado o computador pela televisão. Foi-se o show de pura doçura soul que Joss fez com o público entoando todas as músicas do seu último álbum (e depois perguntam porque a britânica gosta tanto de vir ao Brasil), foi-se também o espetáculo empolgante de Janelle Monáe, que trouxe de volta os tempos da Motown com um toque todo seu, colocou a platéia para cantar e dançar e ainda enlouqueceu os fãs utilizando o corredor que corta a platéia. Rendam-se créditos também a bonita homenagem ao Legião Urbana, apesar de Rogério Flausino ter feito um trabalho duvidoso nas duas faixas com a qual foi agraciado.
A atração derradeira (ao menos para mim, que ainda precisava dormir cedo enquanto as provas não acabavam) era Ke$ha. Pouco antes das 21h, a loirinha entrou no palco, e vamos convir que a primeira impressão não foi boa. O microfone “incrementado” não faz muito bem a voz de Ke$ha, e o show ainda não tinha esquentado. Duas músicas e foi o bastante para minha mãe sair da sala, reclamando do timbre da cantora e, exageradamente, de seu excesso de “formas voluptuosas”. Digamos assim, é claro. Mas não demorou pra Ke$ha botar fogo no seu espetáculo. Talvez a virada definitiva tenha sido “Party at a Rich Dude’s House”, uma música a qual, eu confesso, nunca tinha prestado muita atenção. Coincidência ou não, foi nela que a americana mostrou a que veio: roubou prato do baterista, promoveu a correria generalizada em seu palco, esmurrou o bumbo de outro instrumentista, e terminou deitada, exausta, no canto do palco. O povo vibrou. Eu também. Ke$ha sabe se divertir (e divertir ao espectador) num palco.
A partir daí o show pegou no tranco mesmo. A parte rockstar e a atitude punk de Ke$ha ficaram claras em “Backstabber”, com sua coreografia propositalmente desordenada e toda a interpretação em cima do palco, lembrando o clipe vazado recentemente, e “Blah Blah Blah”. Virada sombrio-surpreendente em “Cannibal”, com Ke$ha bebendo sangue de um coração falso e “crucificando” um dançarino. Aparece o lado artista pop da cantora. O show é essa contradição mesmo: Ke$ha não faz questão nenhuma de posar de diva, mas tem momentos de pura energia rock n’ roll, uma certa aura de ícone do “i don’t give a fuck”, e outros em que mostra essa mescla de capacidade compositiva e performance de palco que fazem a própria definição de arte pop. Que o diga “Animal”. A força da letra é tão clara que Ke$ha não precisou de nada a não ser sua voz e a linha de piano/sintetizadores para levar o público junto com ela.
Mas tudo bem, chega de análises e vamos ao que me interessa aqui. Enquanto a cantora fazia seu discurso antes de iniciar “Tik Tok”, a última música do show, meu pai chegou à sala. Primeiras palavras: “Essa é a Ke$ha? Achei que era bem mais”. Réplica: “Mais em que sentido?”. Tréplica: “Mais. Por quê tanto sucesso?”. Silêncio. Suspiro. “Deixa eu ver o show, depois a gente discute”. Explicação aqui: sempre tive muita abertura pra conversar com o meu pai sobre música. Enfim, Ke$ha canta “Tik Tok”. Eu estava feliz em sair calado, tinha me divertido com o show. Mas não.
Meu pai achou que Ke$ha deixou a desejar (ouvindo apenas uma música, mas vamos relevar isso, pelo bem da discussão). Não dá pra comparar a cantora americana com Joss e Janelle, ainda que haja o quê de performance pop no show da última também, pelo simples motivo que as três são artistas autênticas o bastante com as próprias personalidades, e fieis o bastante a elas, para serem personalíssimas em seus estilos. Mas qual é a barreira, afinal, que algumas pessoas sentem a necessidade impor no caminho para saber apreciar todos esses três tipos de espetáculos? Eu lhes digo uma coisa, caros leitores: assisti Joss, assisti Janelle, assisti Ke$ha. E me diverti, me envolvi e me vi querendo um dia ver ao vivo cada uma delas. Por razões diversas, na verdade.
Joss canta maravilhosamente, tem ótimas músicas e uma presença carismática, a sua maneira, no palco. Janelle é uma voz brilhante também, possui um repertório que só tende a melhorar conforme sua carreira for progredindo, e não há como negar que a presença de palco, a eletricidade que desprende do seu show, é o que ela tem de mais fascinante. Ke$ha não é má cantora (canta ao vivo e, quando sem o “microfone de efeitos” – ninguém é perfeito –, não faz feio), tem meu completo respeito como compositora e colocou para funcionar um show muito divertido e empolgante. O que me impede, o que impede meu pai, e a bem da verdade, o que impede a nós todos de sabermos reconhecer isso? Não é preciso um padrão do que é bom ou do que é ruim. Não é preciso uma classificação. Existe um milhão de coisas boas completamente diferentes entre si.
Talvez eu devesse entrar no mérito de Ke$ha ser a voz de uma geração (a minha, e não a do meu pai), mas isso é outra história, que o Legião Urbana soube cantar em “Pais e Filhos”. Pode ser que nossos pais nunca entendam o porquê de “Hungover”, “Animal”, “Tik Tok”, “Cannibal”, e outras músicas de outros artistas, serem tão especiais para nós. É muito mais fácil entender o passado do que o presente, afinal. Mas não deveria, e não precisa haver, esse muro que os impeça de reconhecer que, se um artista é capaz de mexer com a sensibilidade de alguém (que dirá de uma geração toda!), ele já está fazendo algo mais do que válido.
“Essa geração está perdida”, meu pai conclui. Não, definitivamente não. Essa geração está apenas começando a se encontrar.
“I’ve got a right to be wrong/ My mistakes will make me strong/ I’m stepping out into the great unknown/ I’m feeling wings though I’ve never flown.
I’ve got a mind of my own/ I’m flesh and blood to the bone/ I’m not made of stone/ Got a right to be wrong/ So just leave me alone”(Joss Stone em “Right to Be Wrong”)
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