4 de set. de 2012

Republicanos em dois takes: “Game Change” e “Recount”

repEd Harris como John McCain e Julianne Moore como Sarah Palin em “Game Change”

por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Daqui a um pouquinho mais de dois meses, os Estados Unidos estarão passando pela 57ª eleição presidencial da sua história. De um lado da disputa, o atual presidente Barack Obama vai concorrer a um segundo mandato. Do outro, os republicanos nominaram o ex-governador do Massachussetts (entre 2003 e 2007), Mitt Romney, previsivelmente um conservador em questões polêmicas como o aborto (“apenas em casos de incesto, estupro e para salvar a vida da mãe”) e a união civil entre casais do mesmo sexo (o candidato já se posicionou contra o casamento gay diversas vezes). A escolha é fundamental e ideológica, não dá pra negar. O conflito entre os dois candidatos poucas vezes foi tão escancarado.

Na primeira eleição de Obama, por exemplo, o adversário era John McCain, um homem cujo apelo era menos partidário e mais imagético. Ex-veterano de guerra, McCain era mal-visto por muitos dentro de seu próprio partido, um “rebelde conservador”, e talvez essa seja uma boa vantagem para se considerar quando o seu partido é o Republicano. Game Change, o telefilme de Jay Roach para a HBO que recebeu doze indicações ao último Emmy, não absolve McCain, aqui serenamente interpretado por Ed Harris, de seus erros, mas o retrata como uma presa do próprio jogo. Mitt Romney não é uma presa, é o caçador.

No filme que cobre a campanha republicana de 2008, o diretor Roach e o roteirista Danny Strong na verdade realizam um retrato urgente da característica política mais perturbadora dos nossos tempos: aqui, a eleição é um circo, a campanha é um espetáculo, e o perfeito candidato não é aquele que sabe com o que vai lidar se entrar em ofício, e sim aquele que tem carisma de estrela de cinema. Na busca pela vitória, não importa mais conquistar as mentes dos eleitores, é preciso cegá-las pelos flashes. É com esses critérios que Palin é escolhida, e trata-se, talvez, um dos maiores erros da trajetória política recente.

Não é a toa o deslumbre de Palin quando se descobre uma celebridade, ou o monstro que ela se torna em certo momento do filme, mas é preciso lembrar que, como McCain nota no final do filme, ela é só uma hockey mom querendo fazer a diferença. Mas está no lugar errado, na hora errada, numa posição que não deveria ser ocupada por ela. Moore atua como o peixe fora d’água, absorvendo de forma impressionante os trejeitos de Palin e retratando sua desconstrução emocional com a precisão, o detalhismo e a maestria da maravilhosa atriz que é. Ela só disputa tela quando está com Woody Harrelson, a própria intensidade, como sempre, na pele do primeiro conselheiro da campanha de McCain, Steve Schmidt.

Recount, realizado quatro anos antes de Game Change pelo mesmo duo de direção e roteiro, nos leva para uma história um pouco mais antiga e, para apimentar as coisas, toma parte dos dois lados da trincheira eleitoral americana em um dos momentos mais tensos da sua história: o mês de polêmica em torno da contagem supostamente equivocada dos votos da eleição presidencial de 2000, entre George W. Bush e Al Gore. Nós já sabemos quem ganhou, mas o que o filme nos pergunta, sem rodeios, é: a justiça foi feita? Ele nos aponta vários motivos para acreditar que não.

Kevin Spacey, Laura Dern e Tom Wilkinson brilham absolutos no elenco, ela em especial. A atriz preferida de David Lynch nos faz sentir nojo dela durante o filme, numa construção de trejeitos, expressões e linguagens corporais que tornam sua Katherine Harris um ser humano desprezível. Não que Recount seja um filme que de alguma forma tente se retaliar do partido republicano. Tampouco Game Change o é. Mas são dois filmes que nos fazem ver que há algo de podre no reino dos conservadores políticos americanos, e que deveriam ser obrigatórios a todos os americanos que vão para as urnas no dia 06 de Novembro.

Game Change **** (4/5) – Recount **** (3,5/5)

O diretor Jay Roach (esq.) e o roteirista Danny Strong de “Recount” e “Game Change”.

Game Change (EUA, 2012)
Direção: Jay Roach.
Roteiro: Danny Strong.
Elenco: Julianne Moore, Woody Harrelson, Ed Harris, Sarah Paulson.
118 minutos.

Recount (EUA, 2008)
Direção: Jay Roach.
Roteiro: Danny Strong.
Elenco: Kevin Spacey, Laura Dern, Tom Wilkinson, John Hurt.
116 minutos.

In memoriam: Michael Clarke Duncan (10/12/1957 – 03/09/2012)

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