16 de set. de 2012

Pernambuco não te quer (e nem um milhão de mães).

pernambuco

por Marlon Rosa
(Beco 203)

"Eu acho que o mais importante é que nós precisamos de personagens que são inteiramente humanos. Eles são complicados, eles cometem falhas e eles também podem ser gays” (Kelsey Toy)

Você provavelmente deve ter visto ou ouvido falar sobre a campanha veiculada na primeira semana de setembro por uma organização denominada Fórum Permanente Pernambuco Pró-Vida (FPP-PV), que tinha como alvo crimes como exploração sexual de menores, pedofilia, turismo sexual e prostituição. Até aí nada grave, certos eles em não quererem tal tipo de práticas ilegais em seu estado, mas, não completamente satisfeitos, eles adicionaram mais um ‘crime’ ao repertório: o homossexualismo.

Muito se discute sobre o uso do sufixo ‘ismo’ como para denotar uma condição patológica, e dessa forma, incitar preconceito por parte de quem o emprega em algumas palavras, como foi o caso desta peça publicitária.

Ao ser cunhada no século XIX em um ambiente rodeado por ideias pseudocientíficas, a palavra 'homossexualismo' vinha sim impregnada de conotações medicinais, sendo excluída da lista de distúrbios mentais só em 1990 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Vale lembrar que além de o sufixo ser usado dessa forma, ele também pode servir para indicar uma doutrina, prática, hábito ou qualidade característica. É óbvio que nenhuma das opções anteriores foi se quer pensada pelo fórum, o que resultou em um mal-uso do termo, trazendo consigo uma carga enorme de preconceito e homofobia, por mais que não tenha sido a intenção do diretor.

A polêmica me fez lembrar do primeiro casamento gay das histórias em quadrinhos (HQs), protagonizado pelo mutante Estrela Polar e o seu namorado Kyle. Não, eles não escolheram Pernambuco como a viagem da lua de mel; o que aconteceu foi que a situação me instigou para o lado capitalista e/ou social da situação: as histórias em quadrinhos estão do lado dos grupos LGBT e lutam pela causa, ou apenas têm um interesse mercadológico em aumentar suas vendas? Os estados realmente querem esse tipo de turismo pela diversidade e liberdade de expressão, ou só querem o dinheiro que eles tem a oferecer?

clip_image002Astonishing X-Men #51

No que diz respeito aos quadrinhos, a resposta é clara: eles se preocupam mais com a causa do que com as vendas – por mais que o número de vendas seja o objetivo principal da empresa –, tanto que o próprio mutante que protagonizou o primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo nas HQ`s também foi o primeiro personagem americano famoso a se assumir da editora Marvel Comics. Isso aconteceu quando ter personagens homossexuais não era tão comum e nem tão comumente explorado como nos dias de hoje. Ele foi criado lá em 1979, por John Byrne e Chris Claremont, e teve sua primeira aparição em Uncanny X-Men #120. Quando Byrne o criou, ele já planejava "tornar” o personagem gay, porém, foi só em 1992 que ele se assumiu publicamente, na 106ª edição da revista Alpha Flight, que contava as aventuras de um grupo de heróis canadenses do qual ele fazia parte. Entretanto, durante anos Jean-Paul Beaubier nunca foi visto aos beijos com outro homem: os roteiristas pareciam fazer igual a Globo, dizer abertamente sobre o fato, abordar o assunto, mas não se aprofundar no carinho e no relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. Foi só depois de 30 anos, no relançamento da série, que Estrelar Polar protagonizou seu primeiro beijo com Kyle, seu namorado e atual marido.

Por mais que os tempos tenham mudado, e as pessoas se tornado mais abertas à opção sexual (se é que isso é uma opção) de cada um, ainda existem grupos que lutam a favor de suas crenças e opiniões, como é o caso de um movimento cristão americano intitulado "One Million Moms", que tem como objetivo controlar, reprimir ou condenar o conteúdo que a mídia e os veículos de comunicação apresentam aos seus filhos. Essa mesma organização já organizou protestos virtuais contra as HQs do Archie, quando também houve um casamento gay nas suas edições, e até sugeriram um boicote ao programa de Ellen DeGeneres, quando ela se assumiu publicamente como lésbica, mas infelizmente pra alguns e felizmente para outros, todos os movimentos fracassaram.

O Brasil é um país onde o número de homossexuais ultrapassa cerca de 16 milhões de pessoas, e o turismo LGBT é uma oportunidade explorada por várias empresas do setor. O negócio dá tão certo, mas tão certo, que nos Estados Unidos esse tipo de turismo movimenta cerca de 50 BILHÕES de dólares anualmente.

Em terras tupiniquins, São Paulo e Rio de Janeiro são consideradas as capitais gays da América do Sul, devido às várias opções de entretenimento e lazer voltadas para esse público. Curiosamente, Recife é outra capital que vem se destacando como uma das principais escolhas dessa categoria no Brasil (beijos, Pernambuco!). O turismo LGBT é uma questão fundamental para o mercado turístico; este público procura locais específicos, pois poderão mostrar qualquer tipo de afetividade sem qualquer consequência ou represália.

Mas e aí turismo, qual é a tua, você é vilão ou mocinho?

Bom, como eu faço publicidade e não entendo quase nada sobre turismo e as informações aí de cima são resultados de uma pesquisa que eu fiz só pra esse post, fui me informar com um amigo meu que já é formado na área, e que tem a seguinte opinião sobre minha dúvida quanto a esse tipo de turismo gerar ou não uma segmentação:

“Turismo é segmentar, você segmenta pra atender aos desejos e anseios do público alvo, mas não acho que por esse motivo, esse tipo de turismo deva ser considerado vilão, o único tipo de "turismo" que a Organização Mundial do Turismo (OMT) considera nocivo, é o turismo sexual.  Aliás, como você acha que é planejada uma Parada Gay?” (Rafael Nunes)

Essa última frase abriu um rombo de luz na minha cabeça e fez com que eu visse tudo de uma forma mais clara. Se a Parada Gay, um tipo de protesto que visa combater um sentimento de vergonha vivido por muitos homossexuais, tem um objetivo turístico e cultural a favor da causa, porque o turismo LGBT haveria de ser vilão? A parada gay de São Paulo, conhecida por ser a maior do mundo, movimenta uma grande parte do orçamento no estado de São Paulo na parte de hotelaria, tanto quanto na parte cultural. Já a de Washington DC chegou a ter discurso da Lady Gaga e shows com Miley Cirus e Cyndi Lauper, o que inspirou que cantoras brasileiras fizessem o mesmo por aqui, como Preta Gil, Wanessa Camargo e Kelly Key

Apesar do lado social estar presente nos dois tópicos, não podemos negar que vivemos em um mundo capitalista, e que o lucro sempre será um dos objetivos principais de uma empresa, por mais bem intencionadas que ela seja. Acredito que tanto nos quadrinhos quanto no turismo, ambos tem a se beneficiar, de um lado um dá a visibilidade e a chance de expor e discutir sobre o assunto; do outro, essas empresas lucram com a oportunidade oferecida. Afinal, se o FFP-PV e um milhão de mães não os querem, os quadrinhos e o turismo com certeza já estão apaixonados.

clip_image002[6]Gaga discursando durante a Marcha Nacional pela Igualdade, realizada em Washington D.C., em 11 de Outubro de 2009, em apoio aos homossexuais.

Marlon Rosa escreve todos dias 04 e 16.

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