ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
The Americans sempre foi uma série ambivalente quanto às suas posições políticas. A verdade é que a obra de Joe Weisberg sempre foi muito mais sobre o efeito que a política provoca na vida íntima dos personagens, especialmente em uma era de tantas encenações e batalhas ideológicas quanto a Guerra Fria. Não dá pra dizer que The Americans seja anti-soviética, por exemplo, mas dá para dizer que era seja anti-bélica, mesmo que de sua forma extremamente sutil, brincando com os destinos e os predicamentos dos personagens para nos mostrar, pouco a pouco, o quão destruídos por esse conceito de guerra eles foram. É uma história poderosa, e que tira muito da sua potência da ambiguidade moral que aplica nos jogos de poder e nas reentrâncias de sua trama de espionagem, mas “Dimebag” leva essa virtude para outro nível – ao discutir inocência, culpabilidade e remorso, o episódio traz essa ambiguidade também para o plano íntimo.
O resultado é um episódio extremamente complexo que coloca os protagonistas em duas missões diferentes e, ao mesmo tempo, os reúne em torno de uma trama doméstica que diz muito sobre a natureza dos Jennings como pais e, claro, como soldados. Elizabeth reencontra Lisa (Karen Pittman, ótima), uma asset em desenvolvimento que pode se tornar valiosa, e empreende uma missão corajosa para infiltrar-se na vida íntima da moça, a fim de acelerar o processo de recrutamento; Phillip, por sua vez, é ordenado a seduzir a jovem Kimberly (Julia Garner, que esteve em As Vantagens de Ser Invísivel), filha de um dos agentes da CIA mais importantes no grupo do Afeganistão. Enquanto Lisa é a uma alcoólatra em recuperação que vive um casamento em frangalhos com um marido violento (ou pelo menos é isso que a série sugere, com a sua sutileza de sempre), Kimberly é menor de idade e Phillip se aproxima dela ao confeccionar novas identidades falsas para suas amigas poderem entrar nas casas noturnas.
“Dimebag” faz um jogo de culpado ou inocente com essas tramas, mostrando comportamentos que seriam naturalmente dados como anti-éticos em uma série mais simplista, mas que são colocados sob uma luz muito humana pela série. A resignação de Lisa, a precocidade de Kimberly e as intrusões e seduções operadas por Phillip e Elizabeth são examinadas das motivações aos fins pelo roteiro, que enche o episódio de simbologias para completar o pacote – o comercial à la Lolita na TV dos Jennings é só o mais óbvio deles.
O mesmo jogo acontece dentro da família, levando Elizabeth e Phillip a um confronto intenso sobre o futuro de Paige, numa cena interpretada com contenção brilhante por Keri Russell e Matthew Rhys. A dinâmica entre os dois parece ser o ponto alto da tensão do episódio, como tem sido nos últimos, mas Paige pega todos de surpresa ao anunciar que, como presente de aniversário, deseja permissão para ser batizada. Há severidade e animosidade nos rostos dos dois protagonistas quando o anúncio é feito, em pleno jantar de família – e fica claro para o espectador que há algo de egoísta nas interações de ambos com a filha, uma tensão que é elementarmente muito semelhante a de uma família normal, com os pais querendo controlar o futuro da filha mesmo que digam que ela deve tomar suas próprias decisões. Fazer desse conflito absolutamente nuclear o ponto alto de “Dimebag” é uma jogada genial como poucas que The Americans aplicou até hoje, porque fala alto ao próprio cerne da série, um eterno emaranhado de paralelos entre o íntimo e o social.
Notinhas adicionais:
- As subtramas não ficam atrás, inclusive, e se costuram bem com o tema do episódio: especialmente a interação de Nina com a companheira de cela, que ganha novas tintas quando a personagem de Annet Mahendru (em sua melhor atuação na série) é oferecida um acordo por uma pena mais branda se arrancar a verdade da moça, que se chama Evi. Assim, The Americans desenha um padrão circular para a história de Nina, sempre induzida a enganar e trair a confiança de alguém, não importa que lado escolha;
- Stan e Sandra protagonizam mais uma das cenas emocionalmente devastadoras que viraram sua especialidade na série, em mais um par de atuações extraordinárias de Noah Emmerich e Susan Misner – é bacana como a série faz eles se encontrarem repetidamente e trabalharem seus remorsos e tudo o que não foi dito durante o seu relacionamento.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo The Americans: 3x05 – Salang Pass (25/02)
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