4 de fev. de 2015

Sobre pais e filhos

chris_mccandless_1O verdadeiro Christopher McCandless

por Fabio Christofoli

“Fabio, vi um filme que o protagonista era muito parecido contigo, assim, nas ideias, sabe?”

Minha amiga estava falando sobre Na Natureza Selvagem, um filme que aos poucos ganhava forma como um sucesso cult. Eu já tinha visto um ou outro cartaz de um rapaz sentando sobre um ônibus abandonado, mas até esse comentário ele não estava na minha lista de prioridades – não que eu tenha uma lista de verdade.

Na primeira vez que assisti, me emocionei bastante (leia-se chorei). Por que de fato, as ideias de Christopher McCandless eram muito parecidas com as que eu tinha naquela idade (uns 23 anos?). Logo se tornou meu filme favorito, e até perdi as contas de quantas vezes eu já vi.

Assim como Christopher, eu tinha diversas opiniões formuladas sobre a sociedade, e me se sentia tão incompreendido a ponto de concluir que o único meio de limpeza espiritual era sumir na natureza. Não demorou muito para eu descobrir que mais pessoas se identificavam com esse pensamento e que McCandless era um mito moderno.

Mas em algum momento eu comecei a questionar isso. Não lembro quando, não lembro o motivo. Só me lembro de ter a sensação de que algo me incomodava. Quando finalmente li o livro que deu origem ao filme (o que pra mim é complicado, pois não acho um processo “natural”), eu concluí algo que me surpreendeu: Christopher era um idiota.

Calma! Não me apedreje! Não pensem que foi fácil escrever isso.

Na Natureza Selvagem segue sendo meu filme favorito e ainda admiro Christopher, mas agora o admiro por uma razão bem diferente da que eu admirei no começo. Entendi, e talvez eu esteja errado, que o maior feito dele não foi enfrentar dois anos de vida nômade e ter chegado ao Alasca. Sua maior conquista foi a sua humildade ao admitir que errou, e isso fica bem claro na frase simbólica de sua jornada “a felicidade só é real quando compartilhada”. E isso só foi dito no momento de desespero. Antes disso, ele foi um jovem guiado por um desejo cego de estar certo. Que caía num erro de jovens inteligentes, que adoram falar muito e ouvir pouco.

Claro que havia críticas contundentes, e a paixão e a poesia do discurso de Christopher são inspiradoras e devem ser ouvidas, mas com serenidade, pois ele estava bem longe de representar uma verdade. De forma geral, posso dizer que fugir dos seus pais e “abandonar” sua irmã foi um comportamento egoísta, que no final não era tão diferente daquele que ele tanto julgava.

Bom, mesmo chegado a essa conclusão, ainda faltava algo. E creio que a resposta estava em outra história, que acaba de ganhar um filme: Livre.

É impossível não traçar um paralelo entre os dois. Num primeiro momento resposta mais lógica é: olha, a versão feminina de Na Natureza Selvagem! E é compreensível, já que os dois filmes possuem elementos bem parecidos, principalmente o contato do ser humano com a natureza e a busca de uma resposta dentro dela. Mas essas duas histórias realmente falam sobre isso?

Bom, fazendo uma breve sinopse, podemos até crer que sim. Livre é baseado no livro Livre - A Jornada de Uma Mulher Em Busca do Recomeço, que conta a história de Cheryl Strayed, uma mulher atormentada por uma perda e erros do passado que resolveu encarar uma trilha de 4.200 Km, que inclui toda a costa oeste dos Estados Unidos, da fronteira com o México até o Canadá, conhecida como "Pacific Crest Trail" – e sem experiência alguma no esporte, algo que fica bem claro, logo que ela tenta colocar a mochila nas costas.

O curioso é que ao mesmo tempo que as duas histórias se parecem, elas não têm nada a ver. E ao mesmo tempo que não tem nada a ver, essa diferença é crucial para entender tanto uma quanto o outra. Complicado? Nem tanto.

Então já aviso uma coisa, não assista Livre pensando em ver um novo Na Natureza Selvagem. É um filme com outra proposta, com um ritmo mais lento, que aposta muito em pequenos detalhes. Não espere grandes momentos de aventura embalados por Eddie Vedder (apesar de considerar a trilha sonora de Livre MUITO boa também). O propósito principal não é esse.

Aliás, Livre deixa bem claro que sua proposta é falar sobre relacionamentos. A natureza está lá, bem representada com belos cenários e sendo importante para o contexto, mas a parte mais significativa da história se concentra no passado. Foi aí que percebi que Na Natureza Selvagem também tinha como base a relação entre pais e filhos – apesar de não deixar isso tão claro.

De certa forma, podemos dizer que Cheryl foi mais forte que Christopher. Se ele passou dois anos na natureza culpando seus pais e fugindo de um diálogo, ela foi para natureza buscar perdão próprio por diversos erros que cometeu na vida, principalmente após a morte da sua mãe, a quem tenta entender a todo o momento.

Diante disso, creio que a maior lição das duas histórias diz respeitos a filhos que não entendem seus pais. Muitas vezes exigimos muito dos nossos pais. Para muitos de nós, filhos, é inadmissível que os pais errem. E pais erram demais, pois são seres humanos com inseguranças e problemas próprios. Também sonham, também se frustram. É muito triste perceber que Cheryl e Christopher entenderam isso diante da morte, mas porque não usar a história deles para chegar às mesmas conclusões sem uma situação tão drástica?

Infelizmente, dificilmente Cheryl vai se tornar um mito como Christopher. Já vejo na internet pipocarem comentários raivosos dizendo que Livre não passa de uma “cópia mal feita” de Na Natureza Selvagem, muitas vezes feitos por pessoas que nem viram o filme ou que viram com uma expectativa errada. É uma pena, pois de certa forma essas pessoas deixaram de absorver as lições que essas duas grandes histórias e essas duas grandes pessoas deixaram para nós.

strayed1jpg-06ea303246651338A verdadeira Cheryl Strayed

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