ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
A cena de abertura de “EST Men”, e portanto a primeira dessa temporada de The Americans, certamente vai parecer incomum para quem acompanha a série desde o início. Vista com o cuidado e a atenção que merece, a série da FX é um estudo denso e eletrizante das maneiras como a vida íntima colide com a vida ideológica, em nenhum momento mais agudamente do que em “Echo” (review), que fechou a temporada passada. O que The Americans nunca foi, no entanto, foi uma série que mostra ao espectador os momentos mais reveladores dos personagens, preferindo envolvê-los em sombras e revelá-los de maneira mais sutil, através de olhares escapados, gestos impensados ou palavras ditas em um momento mais desesperado. Em grande parte, “EST Men” continua com essa tendência, mas ao mesmo tempo a sensação que o episódio deixa é que estamos mais próximos do que nunca desses personagens.
Como essa é The Americans, é claro que tudo na técnica e na narrativa acompanha essa nova atitude da série em relação a suas criaturas. O diretor Daniel Sackheim, que injetou subjetividades tão grandes em “Echo”, volta para ajudar a criar uma The Americans que não deixa de localizar seus personagens no mundo ao redor deles, um dos processos técnicos mais fundamentais da segunda temporada, mas trata também de sublinhar pequenos detalhes e pegar nuances das atuações de Keri Russell e Matthew Rhys que escapavam às lentes da série antes. Ao mesmo tempo, Joel Field e Joe Weisberg retornam ao roteiro para conduzir os personagens com aquele mesmo estilo de narrativa que está mais para um murmúrio baixo do que para um rugido, mas também tecem um episódio que observa os Jennings (e até o agente Beeman) em mais momentos solitários e reveladores do que nunca. Pode ser que seja só o fato da câmera ficar alguns segundos a mais focada na reação de Noah Emmerich quando Stan é dispensado de novo pela esposa, mas The Americans sempre construiu narrativas colossais a partir desses pequenos detalhes.
“EST Men” não tem uma storyline que o guie, e talvez por isso vá causar estranheza em alguns espectadores. O episódio é mais uma série de acontecimentos alinhados para nos mostrar algo sobre o momento em que os nossos protagonistas se encontram, a forma como eles se posicionam no espectro social em que circulam e o quão definidos pelo próprio passado eles são. A série reconhece que essa construção social baseada nas experiências anteriores de vida é uma das regras mais básicas da condição humana, mas não deixa de questioná-la, especialmente quando seus personagens lhe dão tantos motivos para isso. Elizabeth é a peça central do episódio não só porque Phillip esteve mais nos holofotes durante toda a segunda temporada, mas principalmente porque é ela que está mais presa nos mesmos hábitos, na mesma idealização do seu país de origem, nos mesmos procedimentos frios que aprendeu no treinamento da KGB.
Daí também vem o título do episódio, fazendo referência ao seminário de auto-ajuda que Stan e Phillip frequentam. O agente do FBI está lá para tentar entender o que é aquele programa que afastou Sandra dele, e chama o amigo para acompanhá-lo – o EST, é claro, foi um programa de auto-ajuda real que era tendência entre os anos 70 e 80 nos EUA, um curso intensivo baseado em vários pontos da filosofia zen que pregava, em suma, que as pessoas deveriam “experimentar” de verdade cada momento da vida, mesmo que esses momentos fossem parte de uma rotina modorrenta de trabalho, e que a partir disso a pessoa se sentiria mais livre para desfazer os hábitos que a tornavam infeliz e reformulá-los de acordo com a vontade.
Elizabeth não passa no teste dessa filosofia, o episódio deixa claro. Se formos tirar dicas da atuação de Keri Russell, ela não consegue nem mesmo ter certeza de que está se aproximando da filha para o bem da família ou como uma forma habitual de sondá-la para seu futuro como agente da KGB, da forma que o Centro ordenou. Agindo condicionadamente ao passado em que ela tanto se agarra, ela é incapaz de agir de acordo com o amor que sente pela própria família – o quão irônico é falar de “experimentar” de verdade a vida para um casal de espiões soviéticos que praticamente só conhecem uma vida de faz-de-conta? Phillip ultrapassa essa barreira da ilusão, da encenação, e se convence a experimentar de verdade o que construiu com Elizabeth, mas “EST Men”, cruel como The Americans sempre soube ser, sugere que o sentimento talvez não seja tão mútuo.
Notinhas adicionais:
- Frank Langella é um ator incrível e deveria ser escalado para mais (e melhores) papéis.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo The Americans: 3x02 – Baggage (04/02)
0 comentários:
Postar um comentário