14 de jan. de 2014

Review: Não só arte e pop se aproximam no mais recente álbum de Lady Gaga

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por Caio Coletti

Existe um ponto fundamental sobre Lady Gaga que parece ser definidor para a atitude de determinados públicos (ou integrantes dele, dependendo de como você quiser usar a palavra) em relação a ela: essa ítalo-americana de quase 28 anos está em constante busca por conexão. Seja na sua relação com os fãs, na forma como lida com suas aparições frente a imprensa ou na linguagem rebuscada que costuma usar para falar e promover seu próprio trabalho, Lady Gaga quer estreitar cada vez mais as barreiras entre os conceitos, quaisquer que sejam eles. “Separação” não é algo que parece lhe agradar, seja ela entre a estrela e seu público, a persona pública e a persona privada, a arte e o pop, a música e o visual, o artista e sua obra. Na mente de Gaga, isso tudo é uma coisa só, então talvez não seja correto chamá-la de “completa”, um adjetivo que muitos jornalistas usaram na falta de algum outro para definir o processo da moça. A questão não é que ela saiba fazer tudo junto, mas que ela não vê motivo para fazê-los separados.

Polêmico como foi, e como tudo que ela faz por definição é, ARTPOP pouco mais é do que alguns passos a mais nessa direção, mas isso não significa que ele deva ser tido em pouca estima. Pelo contrário, significa até que muito trabalho foi posto na idealização de cada detalhe desse empreendimento, e que esse trabalho precisa ser respeitado. No mini-review do álbum postado recentemente na nossa lista de 15 melhores álbuns e singles do semestre, o colaborador d’O Anagrama Ilson Junior frisou que o ARTPOP é “uma experiência musical de extrema importância para qualquer fã de música pop”, e poucas vezes o termo megalomaníaco “experiência musical” foi usado com tanta justiça. Embora não nos mesmos níveis que o Beyoncé, obviamente, o disco de Gaga é extremamente sinestésico, e nos coloca naquela posição familiar de atrelar estímulos visuais relacionados a promoção do álbum com a música e as atitudes da cantora nos últimos tempos.

A intenção da mente que a criou é tão importante para a música e a estética quanto a forma do seu resultado final, e é possível contemplar essas intenções se prestarmos atenção em alguns detalhes: no encarte do álbum, por exemplo, a própria Lady Gaga aparece nua, porém em poses estatuescas que remetem a capa, essa uma escultura do célebre e polêmico artista moderno Jeff Koons. Em certo trecho de “Applause”, o primeiro single, ela canta: “One second I’m a Koons/ then suddenly the Koons is me” (“Num segundo sou um Kooons/ então de repente o Koons sou eu”), provocando a ambiguidade entre a identidade do artista e da obra, e principalmente indicando para o caminho de pensamento em que, de certa forma, todos nós nos fazemos arte. Desde o Born This Way a cantora é fascinada por esse conceito da personalidade como construção artística, mas com ARTPOP, essa antropo-arte-morfização está completa (se me perdoarem o termo inventado). Gaga é a artista e a arte, e diz que também podemos ser. De certa forma, já somos.

Mais instâncias de Gaga apagando linhas entre conceitos tidos como opostos podem ser encontrados na fabulosa “G.U.Y.”, uma da muitas canções com teor sexual no começo do álbum. Com sua letra sobre poder e dominação invertendo preceitos sociais (“I don’t need to be on top/ To know I’m worth it” – “Não preciso estar por cima/ Para saber que valho a pena”, “Let me be the girl under you that makes you cry” – “Deixe eu ser a garota embaixo de você que te faz chorar”), a cantora usa a sexualidade como uma plataforma para borrar as fronteiras entre masculino e feminino e suas diversas ramificações na sociedade contemporânea. Nessa pequena canção pop com um refrão genialmente simples e uma produção que se integra a alguns dos principais hits do ano (“I Love It” vem a mente), Gaga constrói uma das mais brilhantes declarações sociais em forma de música dos últimos anos.

É justamente nesse poder de colocar o que bem entender dentro de suas músicas que a cantora se apóia, e deixa bem claro na faixa-título, “ARTPOP”. Com seus sintetizadores sequenciais emprestados direto do dream pop, a crescente de cordas que acompanha a canção, o flitro de voz onipresente e a fluidez melódica de sempre, Gaga realiza um culto a tudo aquilo que “pode significar qualquer coisa” (“could mean anything”). Como o ponto de transição entre a primeira metade do álbum e a segunda, a canção é também ligeiramente perturbadora com sua adoração meio dopada ao aspecto Cavalo de Tróia da música pop. É a primeira de muitas sutis relações de amor e ódio que a cantora explora na segunda fatia do disco, incluindo a com o mundo fashion – a inóqua, irônica e cruel “Donatella” versus a gostosinha, upbeat e utópica “Fashion!” – e com os narcóticos – “Mary Jane Holland” e seu jovial show-off drogado versus “Dope” e sua amarga realização de oportunidades desperdiçadas.

Lá no começo do ARTPOP, na cosmopolita e experimental “Aura” com seu dedilhar de violão e seu dubstep estranhamente melódico nos versos, Gaga primeiro mata sua criação anterior – “I killed my former and left her in the trunk on Highway 10” (“Eu matei minha ex e a deixei no porta-malas na Highway 10”) – e depois incita: “Do you wanna see me naked, lover?/ Do you wanna peek underneath the cover?/ Do you wanna see the girl who lives behind the aura?” (“Você quer me ver nua, amante?/ Você quer espiar embaixo da cobertura?/ Você quer ver a garota por trás da aura?”). Em muitos aspectos, é examente isso, uma viagem pela “garota que vive atrás da aura” da celebridade, que o ARTPOP nos entrega. Muito sobre essa pessoa tem a ver com amor, sexualidade e libido, sim, e poucos álbuns são mais carregados nesse assunto do que o ARTPOP, mas uma parte ainda maior dele tem a ver com uma artista que está em constante procura. O “aplauso” que Gaga busca é aquele reconhecendo, mesmo que sem saber, o sucesso de seu empreendimento focado em fazer mais próximos aqueles conceitos que, por algum motivo, nos acostumados a ver separados. E é impossível negar que essa incansável expedição sempre a leva para lugares extremamente interessantes.

✮✮✮✮ (4/5)

298

ARTPOP
Lançamento: 11 de Novembro de 2013
Produção: Lady Gaga, Paul “DJ White Shadow” Blair, Zedd, Madeon, Nick Monson, Rick Rubin, Giorgio Tuinfort, Dino Zisis, Infected Mushroom, will.i.am. David Guetta
Duração: 59m04s

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