por Caio Coletti
Poucas histórias no cinema contemporâneo tem a coragem de serem trágicas da forma que é Ain’t Them Bodies Saints (no Brasil, História de Amor no Texas). Para um filme que tem sido na mesma medida amado e criticado graças a sua abordagem dispersa e propulsiva da narrativa, que deixa grandes espaços de reflexão e beleza estética entre os focos de ação, o segundo longa-metragem de David Lowery é uma história intensamente sufocante. O destino marcado e irrefutável dos amantes Ruth e Bob (Rooney Mara e Casey Affleck) chama a atenção para o mundo pequeno e mesquinho desses personagens, e o quanto seus sonhos são tão fúteis e irreais quanto qualquer um dos nossos.
O roteiro, também de Lowery, deixa muito para a imaginação do espectador. Não sabemos exatamente quais atividades criminosas levam Bob a ser preso logo no começo do filme, tomando toda a culpa para si a fim de que Ruth possa ter o bebê que está esperando fora da prisão. Quatro anos depois, Bob escapa, e é responsabilidade do policial Patrick (Ben Foster), atingido por um tiro na emboscada armada contra o casal, encontrá-lo. Ao mesmo tempo, Patrick se aproxima cada vez mais de Ruth e da agora crescida filha Sylvie (as gêmeas Kennadie e Jacklynn Smith), atualmente vivendo em uma casa bancada por Skerritt (Keth Carradine), espécie de chefão local do crime que, nos tempos áureos, liderou as atividades levadas a cabo por Ruth e Bob.
As duas referências essenciais para entender Ain’t Them Bodies Saints são as sagas criminosas do Oeste americano dirigidas por Robert Altman na década de 70 (boa parte delas estreladas por Carradine) e os filmes do bissexto e celebrado cineasta americano Terrence Malick. Esses pólos aparentemente opostos se encontram no trabalho de Lowery, comandando fotografia, design de produção, trilha-sonora e narrativa a fim de produzir uma versão idílica e sensorial de uma história aparentemente simples, mas com ramificações emocionais extremamente complexas. Bradford Young, um dos diretores de fotografia queridinhos do mundo indie, poetiza em imagens essa narrativa de caráter quase elegíaco, e Daniel Hart insere palmas e percussões na trilha para conferir ritmo a um filme que, sem esse trabalho, não teria nenhum.
O elenco é parte fundamental da tragédia conduzida por Lowery, e os três atores principais mostram-se a altura do desafio. O destaque óbvio é Ben Foster, um dos atores mais subestimados de Hollywood hoje em dia, que preenche seu Patrick com uma alma e uma motivação tão genuinamente boa e livre de julgamentos que é um choque com o mundo de confusão moral de Ain’t Them Bodies Saints. Não a toa, sua ligação com Ruth é um dos aspectos mais tocantes do filme. Por falar nela, Rooney Mara baseia toda a sua atuação em uma linguagem corporal rígida e muitas vezes fragilizada, uma constante oposição entre fraquezas e forças que a fazem um ser humano fascinante. E o irmão mais novo de Ben Affleck, Casey, é a escolha perfeita para o papel de Bob, com sua habilidade de ser inescrutável e ameaçador sem perder a essência do amor extremamente puro que guia o personagem.
Ain’t Them Bodies Saints é uma perfeita plataforma para Lowery, um diretor de curtas-metragens muito celebrado, como um dos artistas mais únicos da sua geração. Sua forma de enxergar a narrativa é bastante antitética ao que se dita hoje na cartilha do bom cinema americano, e mesmo assim, com as pequenas sutilezas que aparecem pelo caminho, ele monta, por pura força de acumulação, uma das histórias de amor e destino mais pungentes dos últimos tempos. Nos últimos segundos do filme, um de muitos momentos em que a edição e montagem (palmas para Craig McKay e Jane Rizzo pelo trabalho) contribuem para a história, é quase impossível não sentir a ferroada amarga de um futuro que simplesmente não podemos saber como será.
**** (4/5)
História de Amor no Texas (Ain’t Them Bodies Saints, EUA, 2013)
Direção e roteiro: David Lowery
Elenco: Casey Affleck, Rooney Mara, Ben Foster, Keith Carradine
96 minutos
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