por Caio Coletti
Lady Gaga foi visitar o Musem of Modern Art de Nova York em 2010 para presenciar a retrospectiva de Marina Abramovic retratada nesse documentário The Artist is Present. Embora o corte dos diretores Matthew Akers e Jeff Dupre deixe esse momento de fora (provavelmente porque Gaga escolheu não “se sentar com Marina”, antecipando o frisson que isso iria causar), a presença da cantora, compositora, instrumentista e – porque não? – artista pop de performance na exposição mostra a importância e a profundidade do trabalho de Marina, seu método, na arte contemporânea. E mostra também que o conceito de personalidade e construção própria como forma de arte, a utilização do corpo como instrumento para ela, vem há muito tempo procurando ser aceito.
E o ponto que The Artist is Present mais ativamente tenta e consegue provar é que, em muitos sentidos, há uma pureza na arte de performance em que o desafio conceitual, a confrontação com o desconfortável, se mistura pura e simplesmente com a vulnerabilidade da presença. A peça central do documentário, e seus momentos mais tocantes e fortes, acontecem no retrato dos três meses da retrospectiva, em que Marina performou uma nova peça: durante as seis horas de abertura do museu, por três meses seguidos, a artista sérvia esteve sentada imóvel em uma cadeira, enquanto uma fila de pessoas se formava para a oportunidade de sentar-se a frente dela e encará-la nos olhos. A carreira de Abramovic fala por si quando o filme resolve contá-la (e sua história com o artista Ulay, de quem foi parceira por vários anos, é obviamente tocante), mas é no imediato, bem ao estilo de Marina, que o documentário encontra sua força.
Formado diretor de fotografia, Matthew Akers retrata esses momentos de forma poderosa através de sua própria arte, em incomodamente longos e reveladores close-ups tanto de Marina quanto, principalmente, de quem se senta a frente dela. E voice-overs explicam o efeito que essa peça tem nas pessoas, como se fosse necessária qualquer explicação além da força magnética da artista e da indecifrável transformação que a performance causa ao seu redor: conforme o tempo passa, a imobilidade da artista passa a “incomodar” a noção fugidia de tempo que temos no mundo atual. Como num quadro de Dali, os relógios derretem e os segundos se esparramam nos olhos cansados mas sempre intensos da artista. E ali, encarando o tempo como um peso sobre os ombros de outro ser humano, nossas defesas caem (a do público, a do espectador, a de todo mundo), e a conexão realizada com o olhar é mais significativa do que muitas seladas com infinitas palavras.
Numa outra dimensão, porém, o que The Artist is Present enquadra em suas imagens é um processo de “auto-retrato”, como descreve o curador do MoMA, Klaus Biesenbach, em certo momento do filme. A diferença é que o “auto-retrato” de Marina, como despida de defesas e atuações pela câmera de Akers e Dupre, é pintado através de outros. Ela se dispõe, ali, sentada imóvel, como um instrumento e um reflexo de cada um que senta-se a sua frente. Eternamente disponível, incomodamente vulnerável. O famoso discurso, aplicado a diversos artistas, de uma infância vivida com pouca atenção fraternal e a “necessidade de ser amado pelo público”, encontra em Marina o canal perfeito. Para ser amada, ela ama, e não é só Akers o responsável pelo efeito último do filme: é fácil se apaixonar por Marina Abramovic. Apaixonar-se por ela, de alguma forma, é apaixonar-se por si mesmo.
***** (5/5)
Marina Abramovic: The Artist is Present (EUA, 2012)
Direção: Matthew Akers, Jeff Dupre
Elenco: Marina Abramovic, Ulay, Klaus Biesenbach
106 minutos
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