ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
1x09 – Harvey Dent
Poucas séries são tão dedicadas à construção do mundo ficcional que habitam quanto Gotham. O leitor pode argumentar que era de se esperar, visto o próprio título da série, mas isso não diminui a importância do trabalho que os roteiristas realizaram nessa primeira fatia da temporada, nos mostrando os meandros e as naturezas de Gotham City, e o que nela move os personagens que a povoam. A essa altura, se aproximando do seu primeiro fall finale, a série da FOX respira com vitalidade impressionante pela complexidade e audácia que o seu retrato da metrópole mais famosa dos quadrinhos trouxe para a televisão americana. Gotham é notavelmente dark para o ambiente em que é produzida e o alcance potencial que tem, e poucas vezes isso ficou mais claro que em “Harvey Dent”.
Simbólico que seja essa o episódio, é claro, em que conhecemos o jovem promotor que é figura mais que carimbada do universo de Gotham. Interpretado por um histriônico Nicholas D’Agosto (conhecido dos fãs de Masters of Sex, que estão familiarizados com as suas limitações como ator), o futuro Duas-Caras é uma presença imediatamente impressionante em tela, porque representa a forma mais insidiosa de corrupção que poderia se infiltrar em qualquer cidadão de Gotham: aquela que aflora pelo desejo fulguroso de justiça. Garantidamente que o roteiro pesa a mão nos diálogos e na caracterização, e o ator não ajuda – mas há algo no Harvey de Gotham que mantem o espírito do personagem, e o torna um espelho interessante de Gordon.
O outro ponto principal de “Harvey Dent”, nas mãos do roteirista Ken Woodruff (1x04, “Arkham” – review), é a estrutura social da metrópole que dá nome à série. Há algo de cruel na forma como o episódio retrata a interação entre Bruce e Selina, por exemplo, embora Woodruff não esqueça de dar aos diálogos entre eles um tempero agridoce. Esse é o nascimento de um casal complicado que estamos vendo, e é interessante colocar o sempre focado David Mazouz em frente à vivaz Camren Bicondova – não só os dois soltam faíscas juntos, como puxam a mente do espectador, e a de Bruce, para a realidade que existe além dos muros da Mansão Wayne. Gotham vem tratando a evolução do seu herói como um núcleo separado do cerne da trama, e “Harvey Dent” deixa isso claro (para realçar a divisão social de Gotham) ao mesmo tempo que trata de trazê-la de volta ao nível terreno.
O caso da semana compreende um fugitivo da prisão de Gotham (Leslie Odom Jr, de Smash e Person of Interest), conhecido como um especialista em bombas, e a operação de guerra de máfias que parece estar por trás da sua fuga. Gotham não tem tempo para perder com histórias descartáveis para a evolução da trama, então descobrimos que não só Fish está por trás do estratagema todo, buscando fragilizar ainda mais Falcone, como a história do personagem de Odom Jr. serve para levar adiante a storyline do Asilo Arkham, que parece ser uma queridinha do roteirista Woodruff. Contando a história que conta, Gotham é uma série que estava fadada a jogar muito com expectativas, mas até que está indo adiante com notável rapidez – e transformou a construção das fundações de uma das histórias mais famosas do mundo em uma narrativa excelente por seus próprios méritos.
Notinhas adicionais:
- Nicholas D’Agosto, really? Por hora até que o moço funciona nos moldes que Gotham coloca para o personagem, mas se a série tem a ambição de se demorar mais em Dent (e esperamos que tenha!) a coisa vai ficar feia.
- Palmas para a diretora Karen Gaviola (The Blacklist, Criminal Minds) pela câmera elegante, a fotografia linda das cenas na Mansão Wayne, e a adição de sombras e dramaticidade nos momentos certos. “Harvey Dent” é um pouco uma bagunça de tons, mas a moça faz um trabalho hercúleo (e competente) em equilibrá-los.
✰✰✰✰ (4/5)
1x10 – Lovecraft
A sensibilidade de Gotham com os seus personagens é um caso para se analisar de perto. Embora as virtudes da série da FOX sejam inúmeras quando estamos falando de encenação, construção de mundo e cerne temático conectado com todas as outras (boas) encarnações do Batman no cinema e na TV, todo esse trabalho bem feito veio a grandes custos para o desenvolvimento emocional da história. “Lovecraft” é o primeiro episódio (e, não por coincidência, também o fall finale da trama) que tenta nos envolver de verdade com os relacionamentos entre os personagens, e é notável o quanto o trabalho desenvolvido até aqui em pequenas doses durante os episódios dessa complexa e bem-pensada trama rende frutos em vários momentos. “Lovecraft” é muito bom em mostrar o que esses personagens significam uns para os outros, e a partir desse processo cria um interessante fechamento para a primeira meia-temporada de Gotham.
A trama é colocada em movimento quando assassinos profissionais são enviados à Mansão Wayne na busca por Selina, a já alardeada testemunha que pode conectar Dick Lovecraft ao assassinato do pais de Bruce. Apesar da atuação heroica de Alfred, o bilionário e a garota de rua precisam fugir para as ruas para evitar serem pegos pela equipe comandada por Diaz (Lesley-Ann Brandt, Spartacus) – e então a caçada começa. “Lovecraft” é um episódio com poucas implicações práticas na sua trama central, com a honrosa exceção de nos trazer a noção de uma força maior invisível manipulando todas as marionetes de Gotham, e também de provocar o racha entre Gordon e o prefeito James (Richard Kind, em sua melhor atuação na temporada), o que por sua vez leva o nosso protagonista a ser transferido da polícia para a guarda do Asilo Arkham, uma perspectiva empolgante para a segunda metade da temporada.
Por falar no personagem de Ben McKenzie, ele está pegando fogo em “Lovecraft” de uma forma que não víamos desde “Penguin’s Umbrella” (review) – Gordon volta a ser o centro da trama aqui, e o roteiro pega dicas da atuação furiosa de McKenzie para transformá-lo em um transgressor perigoso e pronto para explodir a qualquer momento. O acerto é tanto nesse retrato do futuro comissário da GCPD que até o Harvey Dent de Nicholas D’Agosto aparece mais amansado, e muito mais crível também. McKenzie é a segunda melhor atuação do episódio apenas porque Sean Pertwee eterniza seu Alfred em meio a todos os retratos do mordomo dos Wayne, trabalhando a destreza física mas principalmente o tough love britânico que torna a sua relação com Bruce a conexão de personagens mais tocante de Gotham até agora. Em muitos sentidos, “Lovecraft” é o produto desses dois atores.
Enquanto a guerra de gangues se desenrola com o ritmo característico da série no pano de fundo, e as histórias de vida de personagens conhecidos vão sendo mostradas de forma delicada em flashes intermitentes (esse episódio marca o retorno de Ivy!), Gotham trata de se fortalecer como narrativa e obra própria, mostrando que tem mais a dizer sobre esses personagens do que tudo aquilo que já foi dito. É ao estabelecer essa visão própria com mais assertividade que a série pode deixar de ser uma boa surpresa para se tornar uma ótima história.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Gotham volta depois do holiday break, em Janeiro.
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