15 de nov. de 2014

Review: “Starred Up” cria um astro, mas cria também algo mais raro – empatia

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por Caio Coletti

O “filme de prisão” é um daqueles sub-gêneros cinematográficos que evoluíram com o passar das décadas para abarcar uma série de regras mais ou menos rígidas. A obra que marcou para sempre o gênero foi Um Sonho de Liberdade, feito em 1994 por Frank Darabont, adaptando uma história do escritor de mistério Stephen King. Aquele é um grande filme, é impossível negar – o poder das passagens idealistas e da reflexão social que a trama faz torna Um Sonho de Liberdade uma experiência nova a cada vez que é assistido. Por todo bem que um bom filme faz, no entanto, é difícil não notar que sua popularidade é capaz de influenciar as (muitas) mentes pequenas de Hollywood a copiar a fórmula ao invés de criar algo novo. O grande trunfo de Starred Up, logo, é que ele não quer ser Um Sonho de Liberdade. De fato, ele não poderia ligar menos para as “regras” ditadas pelo filme de Darabont.

Para começar, esse não é um filme sobre cárcere vs liberdade. O diretor David Mackenzie, um dos mais talentosos de sua geração (a obra-prima Sentidos do Amor é testemunha), toma um tempo incomum em seu filme para observar o cotidiano dos personagens que o roteirista estreante Jonathan Asser criou. Na forma de sutis instrumentos de plot, passamos a conhecer intimamente a estrutura de poder da cadeia, as contradições, gírias e comportamentos típicos da vida lá dentro, até a organização das celas de cada prisioneiro. Starred Up quer nos familiarizar com tudo isso porque é essencialmente um testemunho de humanidade, não uma história redentora sobre abusos policiais e fugas mirabolantes.

O estilo instintivo de coordenar a encenação, característico de Mackenzie, por vezes causa problemas na hora da edição – mas isso é questão de ter um editor de confiança que faça o trabalho com esmero. Em todos os outros sentidos, esse britânico de 48 anos comanda o filme com a ponta dos dedos, observando seus atores de forma muito natural e explorando o cenário extensivamente, trabalho que é inestimável na imersão do espectador. Nos sentimos acompanhando de verdade o protagonista Eric (Jack O’Connell, o guerreiro mais novo de 300: A Ascenção de um Império), recém-transferido de uma prisão juvenil para uma comum. Nesse novo cárcere ele encontra o pai, Neville (Ben Mendelsohn, O Homem da Máfia), e é colocado relutantemente em um grupo de terapia experimental, comandado por Oliver (o superlativo Rupert Friend, o príncipe de A Jovem Rainha Vitória).

O’Connell é definitivamente um nome para se observar nos próximos anos. Aos 24 anos, o moço esteve na adorada série britânica Skins, e está no caminho para o estrelato (é o protagonista de Invencível, próxima investida de Angelina Jolie na direção) – ele pode agradecer ao diretor Mackenzie por isso, porque seu Eric é certamente o papel que provou que o jovem espartano ruivo de 300 é uma força da natureza quando encontra o papel certo. O’Connell coloca a dose certa de displicência no personagem, ao mesmo tempo conseguindo transmitir, mesmo que por baixo de uma tonelada de violência, o quão vulnerável esse jovem protagonista verdadeiramente é. O personagem foi escrito para ter 19 anos, e O’Connell absolutamente nos convence que ele se localiza nessa idade de não se encontrar em meio aos conceitos e preconceitos que todas as fontes possíveis colocaram na sua cabeça por toda a adolescência. Eric não é um clichê, mas é humano, é deve grande parte dessa humanidade a quem o interpreta.

Starred Up não precisa de fogos de artifício e música orquestral para tocar seu espectador a ponto de fazê-lo questionar-se quanto à situação do sistema penitenciário na atualidade e o quanto ele realmente é capaz de reabilitar aqueles que são encarcerados. A história de humanização do filme não precisa ser piegas, e quando você para pra pensar, Starred Up é um filme extremamente sutil capaz de provocar emoções extremamente duradouras. Não dá saídas fáceis, não cava um túnel para escapar da situação que retratou durante toda a sua encenação – ousa nos manter atrás das grades com os protagonistas, para que vejamos, para o horror de qualquer espectador desavisado, o quão igualmente humanos somos.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

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Starred Up (Inglaterra, 2013)
Direção: David Mackenzie
Roteiro: Jonathan Asser
Elenco: Jack O’Connell, Ben Mendelsohn, Rupert Friend, Peter Ferdinando, Anthony Welsh
106 minutos

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