ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
3x02 – Run
The Newsroom é (e, acrescente-se, sempre foi) a série que precisava ser. Há algo de romântico na forma como Aaron Sorkin trata a atividade de seus personagens, a nobreza do ato de prover informações e o descomunal peso da ética que é exigida deles. Em “Run”, segunda entrada da terceira e última temporada da série da HBO, ele nos (re)apresenta a um mundo onde as consequências de cada ato pesam sobre a cabeça dos nossos protagonistas, e os levam a agir de maneiras que são absolutamente particulares deles – e ao mesmo tempo dizem muito sobre a profissão que eles praticam. Não há algo de anti-heroico nessa visão que Sorkin tem do jornalismo, pelo contrário: há muito de retidão moral, e o reconhecimento que nem sempre a natureza humana garante que esses personagens vão agir da forma que lhes é esperado.
Assim, “Run” é uma coleção espetacular de falhas jornalísticas que se acumulam no clímax mais concretamente (em oposição à discursivamente) intenso da série até o momento. Sorkin nos chama a ver esses passos em falso sob um novo olhar, que leva em conta tanto o cenário maior da moral pela qual Will e cia. deveriam ser guiados, quanto a pequenez e a humanidade de cada um deles. A besteira descomunal cometida por Neal (um Dev Patel mais vivaz do que nunca) se torna um ato de heroísmo jornalístico no esperto jogo de expectativas do script do episódio, conforme as consequências legais dos seus atos são pesadas contra a importância social do que ele descobriu. The Newsroom brinca de reverter nossos conceitos, e mostra que a habilidade de ver para além de si mesmo é a prerrogativa mais importante de um jornalista.
Salpicadas em pequenas doses enquanto essa trama central se desenrola, as outras storylines ilustram com precisão o quanto o rol de personagens de Sorkin é um inteligente mosaico de comportamentos. Sloan e Don travam diálogos cáusticos em um buffet sobre o fato do moço ter usado informação privilegiada da namorada para conseguir um boost nos lucros de seus investimentos na Bolsa de Valores. A bem da verdade, boa parte das divertidas cenas entre os dois se torna sobre o fato de que ambos não estão exatamente confortáveis em admitir que estão em um relacionamento. É notável como o diálogo de Sorkin confia na química entre Thomas Sadoski e Olivia Munn para mostrar as expectativas e medos desses personagens, e o quanto elas são causadoras colaterais de todos os comportamentos deles – em suma, 80% dos roteiristas de Hollywood podem aprender muito com Sorkin sobre construção de personagem.
Enquanto isso, Maggie (e este que vos fala continua amando a atuação de Allison Pill como a personagem, não importa o que todos os outros críticos digam) está presa em uma verdadeira fábula moral no seu trem de volta de Boston – ao entreouvir um oficial da EPA, agência do governo americano responsável pela preservação do meio ambiente, falando ao telefone sobre a falta de fundos e apoio, Maggie é confrontada com uma decisão fundamentalmente ética sobre usar ou não essa informação. Não machuca ter Jimmi Simpson (House of Cards) como um convenientemente colocado professor universitário de direito dividindo a cena com a moça, mas é bonito vê-la tomar uma decisão bastante autônoma que nega a prática furtiva do jornalismo, e reafirma o seu papel social de abertura de diálogo com a opinião pública.
O episódio se completa com a discussão entre Reese, Charlie e os jovens gêmeos Lansing (interpretados por Kat Dennings e Chris Smith, em performances absolutamente pontuais) sobre a operação que ameaça a integridade da ACN como emissora e empresa; e com o conto escuso sobre a demissão de Hallie da newsroom, que coloca muitas dúvidas sobre as intenções por trás das ações da moça. “Run” é complexo e incompleto como toda boa peça de ficção está fadada a ser, mas é uma reflexão muito válida em relação à reponsabilidade e honestidade jornalísticas, valores pelos quais The Newsroom sempre prezou – que Sorkin tenha escutado seus críticos e se tornado um pouco mais sutil com seus objetivos é um bônus, e traz profundidade à elaboração moral da série com a evolução gradual dos personagens.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
3x03 – Main Justice
“Main Justice”, como tem sido com cada episódio dessa derradeira temporada de The Newsroom, é um épico íntimo de disputa de poder. Aaron Sorkin está estruturando sua história numa sequência espetacular de acontecimentos: as coisas explodem na cara dos nossos protagonistas e, a cada dobra do sua trama labiríntica, eles são surpreendidos por mais uma prova de que eles não estão no controle. O roteirista anda recebendo muitas críticas positivas para essa nova temporada por retratar os membros da equipe da ACN sob uma luz mais honesta do que o restante da série fez, e de fato essa virtude brilha em “Main Justice”. Will, Mac, Charlie, Rebecca, Jim e Maggie são indivíduos magníficos em seu próprio mérito, mas há algo de muito realista na forma como o exercício da profissão os coloca em conflito direto com forças poderosas e dilemas inescapáveis. Nada em The Newsroom é simples, e de fato não deveria ser.
Depois da espetacular fuga de Neal na semana passada, os protagonistas se livram da operação de busca e apreensão do FBI com um stunt brilhante que demonstra o poder do jornalismo como “o quinto poder”. Essa não é uma história de Davi e Golias, porque a imprensa e seu alcance público não são uma força a ser subestimada em The Newsroom – e Sorkin se assegura de que a batalha entre os jornalistas e os oficiais do governo seja de igual para a igual, principalmente em termos discursivos. É fácil ver em Will o narcisista de direita tentando defender o próprio ego contra todas as relatividades morais do novo século, mas é ao ser verdadeira com esse retrato do personagem que a série da HBO consegue se permitir investi-lo de tanto poder e retidão. Jeff Daniels domina a maioria das cenas em que a negociação com o FBI é carregada, e é difícil não reconhecer a extraordinária força com que os diálogos lhe investem.
Talvez a grande qualidade do terceiro ano de The Newsroom seja, então, a aguda consciência que Sorkin adquiriu de suas próprias ideias e do quanto elas são (ou não são) válidas. Sumiu da série aquele maniqueísmo em relação aos princípios e liderança de Will, mas não desapareceu a certeza de que mesmo o tipo mais moderno de jornalismo precisa estar ancorado em determinados preceitos de ética e moral. The Newsroom deixou um pouco de ser uma narrativa quase-ludista (ou talvez apenas sadosista?) para ser um importante espaço de discussão sobre os limites e as complexidades do fazer jornalístico em pleno século XXI. Além de, é claro, ter se tornado melhor ficção pelo caminho.
Notas adicionais:
- Enquanto isso, nas subtramas: a reaproximação profissional entre Maggie e Jim já dá pistas sobre o futuro do casal mais aguardado da série – além de render diálogos bem bacanas, que exploram a recém-descoberta confiança da personagem de Alison Pill; por falar em Jim, a relação dele com Hallie parece estar indo para o ralo, e o mais legal é que Sorkin faz com que a degeneração do casal tenha algo a acrescentar para a história – é muito bom ver que The Newsroom aprendeu como derivar todas as suas elaborações pessoais do tema da série: jornalismo.
- Ah, é, o Toofer de 30 Rock aparece na pele de um novo chefe dos Recursos Humanos, de olho no relacionamento de Sloan e Don, e o episódio tira boas piadas dos dois tentando negar o envolvimento.
- Só mais três horas de The Newsroom para acabar =(
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo The Newsroom: 3x04 – Contempt (30/11)
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