por Caio Coletti
(Twitter – Tumblr)
Eleito duas vezes como “o pior filme jamais feito”, Glen ou Glenda veio no ano de 1953, quando o primeiro caso de mudança de sexo a receber grande cobertura da mídia, o de George/Christine Jorgensen, chamou a atenção do público. A manchete mostrada no filme é: “Mudança de sexo choca país”, e foi mais ou menos esse o tratamento que Christine, operada na Dinamarca, recebeu da imprensa. O companheiro da moça, um estatístico nova-iorquino, foi demitido do trabalho após sua ligação ser descoberta, e o casal nunca foi permitido ao casamento, pois a certidão de nascimento de Christine ainda constava como do sexo masculino. Estimulado pela publicidade relacionada a esse caso, o produtor George Weiss queria um filme sobre mudança de sexo, e acabou entregando a missão à Edward D. Wood Jr, o Ed Wood, conhecido hoje como “o pior diretor de todos os tempos”, mas na época um aspirante de currículo modesto. Cross-dresser de longa data, o moço dirigiu, escreveu e estrelou essa história… sobre travestis.
Glen ou Glenda é um filme cheio de preconceitos. Mas você não pode esperar um filme LGBT ditado pelos ideais do movimento no século XXI, estamos falando de 1953. O movimento LGBT nem mesmo existia, e é verdade que o filme em grande parte encara o cross-dressing e a mudança de sexo ou como uma curiosidade científica bizarra ou como um distúrbio. Em certo ponto, a narração parece querer ser muito clara sobre o protagonista, Glen (o próprio Wood): “Glen não é um homossexual. Ele é um travesti, mas não é um homossexual”. Ao mesmo tempo, o segundo caso apresentado pelo filme mostra um homem que prefere assumir sua identidade feminina, troca de sexo e, segundo o narrador, vive feliz com essa escolha. Apenas a apresentação de tal premissa era muito provavelmente uma afronta a visão predominante dos leitores que entraram em contato com a história de Christine Jorgensen. Por baixo do tratamento de filme de terror B, aqui está uma história querendo mostrar que a visão do “consumidor de mídia” as vezes é incompleta e não se importa com o bem estar dos sujeitos sobre os quais se está lendo. Isso, é claro, à moda de Ed Wood.
Sim, Glen ou Glenda é um desastre, a começar pela narrativa. Wood adiciona dois narradores a sua história: o mais abstrato cientista interpretado por Bela Lugosi (o Conde Drácula clássico dos anos 30, resgatado pelo diretor da pobreza e do vício em drogas) e o Dr. Alton (Timothy Farrell), e em meio a essas duas vertentes, mais a encenação das duas histórias contadas pelo médico, se perde entre cenas dispensáveis e, especialmente, na longa sequência de delírio do protagonista que, a bem da verdade, não tem razão nenhuma de existir – a não ser, talvez, a aparição de uma divertida encarnação do Diabo. A edição cheia de falhas e a trilha-sonora exagerada são outros erros da produção, mas nao dá pra negar o charme involuntário de uma produção que é uma sequencia tão impressionante de equívocos que chega a ser divertida.
Eu não estou tentando dizer que Ed Wood era um diretor injustiçado, mas talvez esteja querendo dizer que era um ser humano subestimado. Seu esforço e sua paixão incondicional pelo cinema são um início para começar a entender porque sua obra, mesmo que reconhecidamente ruim, ainda diverte e fascina muita gente. Seus filmes não são cheios de sofisticação, e com certeza tem uma coleção de erros nada invejável. Eu não estou dizendo que vale a pena vê-los se você está atrás de um bom filme. Mas talvez eles valham, especialmente esse, se você quiser entrar em contato com um homem sem recurso, sem talento e sem apoio de ninguém, que persistiu por décadas em fazer aquilo que ele realmente amava: filmes. Mesmo que fossem os piores da história.
** (2/5)
Glen ou Glenda (Glen or Glenda, EUA, 1953)
Direção e roteiro: Edward D. Wood Jr
Elenco: Edward D. Wood Jr, Bela Lugosi, Lyle Talbot, Dolores Fuller, Timothy Farrell.
68 minutos
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