19 de nov. de 2012

Review: Christina Aguilera é a flor inquebrável em “Lotus”.

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por Caio Coletti
(TwitterTumblr)

Quando ela abre a boca, seu coração inteiro sai para fora. É o que Christina Aguilera afirma no refrão de “Sing For Me”, uma power ballad com elementos encantadores de gospel, e não é difícil de acreditar nela. Em meio aos discretos corais, encimados por batida sintetizada e piano eventual, ela deixa a alma sangrar nessa demonstração vocal impressionante que nos lembra quão poucas cantoras pop tem o poder de misturar faro musical e uma voz tão completa quanto a dela. Lotus é o sétimo álbum de estúdio da cantora desde sua estreia em 1999, e o primeiro desde o fracasso de Bionic, em 2010.

Desde então, ela passou por um divórcio, pela reinvenção como jurada do The Voice USA e por uma alvejada de críticas por sua forma física um tanto, assim digamos, instável. A resposta a tudo isso chega logo em “Lotus Intro”, a faixa de abertura do álbum: “O lótus inquebrável dentro de mim/Eu agora liberto”. O novo manifesto da americana é como o de uma fênix, que ressurge das cinzas e nos lembra de como pode ser um pássaro realmente encantador. Vide “Just a Fool”, dueto com o seu companheiro de The Voice Blake Shelton. A cantora mostra que sabe moldar sua voz a qualquer gênero, e entrega uma interpretação perfeita no refrão, uma bela harmonização nas partes cantadas em conjunto, e uma bridge verdadeiramente empolgante. Country de primeira.

Lotus mostra Christina na forma de muitas a um mesmo tempo. Descrita pela cantora como “Fighter 2.0” (em referência ao single da era Stripped), “Army of Me” possui o elemento raivoso de uma canção de Kelly Clarkson, e ganha pontos pela produção voltada para o tecno (pense em Calvin Harris sem as limitações que o próprio impõe a seu som) e pela interpretação matadora da cantora. “Red Hot Kinda Love”  tem produção de Lucas Secon, hitmaker dos anos 90 que emplacou para si próprio o single “Lucas With The Lid Off”, e é baseada em truques de hip hop e doo-wop, com a percussão e os backing vocals sampleados comandando o andamento da música enquanto Christina mostra seu lado relaxado nos vocais impecáveis, passeando por uma canção que não cairia mal no repertório de Kylie Minogue.

O single “Your Body”, primeira colaboração de Christina com o mago do pop Max Martin (o homem por trás do começo da carreira de Britney e dos Backstreet Boys, justamente na época em que Aguilera cantava “Genie in a Bottle”) é uma celebração ao jeito mais fácil de esquecer alguém que passou por sua vida: arranjando outro alguém. “Eu vim aqui esta noite pra te tirar da cabeça/ Eu vou pegar o que encontrar”, canta uma nem um pouco sutil Christina no começo da canção, para em seguida se levantar em meio aos sintetizadores e ganhar o prêmio de sentença pop do ano com o refrão “tudo o que eu quero fazer é f*der seu corpo” (uma versão light da música diz “amar”, mas vamos ser sinceros e dizer que não é isso que ela queria cantar). Um clássico instantâneo.

O hino de pistas de dança do Lotus é “Let There Be Love”. Christina veste a carapuça de diva do eurodance e se mete no meio dos sintetizadores perfeitos do seu time de produtores, e da batida constante que desparece no refrão, destacando a performance vocal da cantora.  Já a parceria de Christina com Sia, que rendeu algumas das faixas mais subestimadas do Bionic (vide “You Lost Me”), não deixa a peteca cair nessa nova colaboração. “Blank Page” é uma balada ferida como “Hurt”, do Back to Basics, e não é novidade para ninguém como Christina é capaz de soar espetacularmente bem na vulnerabilidade. A doçura com que ela entrega versos como “let our hearts stop and beat as one together” (provavelmente a frase melódica mais bela do álbum) e a amargura de outros como “how do I say I’m sorry?” são comoventes.

“Heartbroken and beaten/ Knocked down and mistreated/ Still I rise undefeated/ I will not let you bring me down”, canta Christina em “Best of Me”, o exorcismo final do qual a cantora precisava para todo o péssimo periodo que passou desde o lançamento do Bionic. Lotus é tematicamente parecido com Unbroken, album de Demi Lovato do ano passado, guardando as devidas proporções: Christina se afirma como a flor de lótus, que passa pelas intempéries e sobrevive tão bela quanto um dia foi. Este pode não ser o melhor que a cantora tem para dar – sua discografia anterior prova isso –, mas sob a percussão marcial de “Best Of Me”, é impossível negar o poder de sua voz e a legitimidade de seu lugar no Olimpo das estrelas pop de mais uma década.

**** (4/5)

Lotus
Lançamento: 09 de Novembro de 2012.
Selo: RCA.
Produção: Alex Da Kid, Chris Braide, Busbee, Mike Del Rio, Jayson DeZuzio, Dem Jointz, Jason Gilbert, Jamie Hartman, Aeon Manhattan, Max Martin, Shellback, Supa Dups, Tracklacers.
Duração: 47m30s.

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Notas (glossário):

Power-ballad:
É a canção que tem estrutura e ritmação de balada (como a clássica "And I Am Telling You I'm Not Going"), mas é acompanhada de instrumental pop e percussão forte. Um excelente exemplo de power-ballad é o cover de Jordin Sparks para "Don't Let it Go to Your Head", de Fefe Dobson.

Doo-wop:
Um tipo de música soul/R&B baseado na harmonia vocal entre os integrantes do que costumavam ser grupos de cinco ou seis vocalistas, o doo-wop foi popular durante as décadas de 50 e 60. Ouça "The Glory of Love", clássico do The Five Keys.

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