“Beauty is a lie”. Se vocês me perdoarem por começar esse artigo com uma citação que não é de nenhum filósofo ou poeta Iluminista de séculos atrás, eu posso até explicar. As quatro palavrinhas ali foram o mote da artista pop Lady Gaga entre algumas performances de seu último álbum, Born This Way, ele mesmo todo impregnado de uma mensagem de auto-aceitação e empoderamento do ouvinte para tomar as rédeas da própria vida. Mas não é bem isso que vem ao caso. “A beleza é uma mentira” não é, para Gaga, uma forma de diminuir a beleza: é uma forma de exaltar a mentira. E, mais uma vez no campo das más interpretações, ela não fala, de forma nenhuma, de maquiagem, e muito menos, é claro, de Photoshop. Ela fala de mentir para nós mesmos.
A primeira verdade é que ninguém é perfeito, e todo mundo, eu espero, tem muita consciência disso. Costuma ser muito mais fácil listar os próprios defeitos do que as qualidades, isso quando a pessoa sequer consegue listar as qualidades. É mais fácil apontar o que há de errado no espelho do que qulquer coisa que haja de certo. E aqui ainda falo de espelho físico, mas também de espelho mental: para nós mesmos, somos muito mais falhos por dentro, nas nossas neuroses e defeitos, do que qualquer coisa. Mas é então que a frase de Gaga encontra-se naquela categoria rara de motes inspiracionais obviamente impossíveis de serem alcançados (“Carpe Diem”, alguém?), mas para serem vistos como objetivo: devemos mentir para nós mesmos, nos vermos mais bonitos do que somos, menos falhos do que somos.
A mitologia nos avisa sobre o perigo de exagerar nesse mote, aliás. A história de Narciso, que era elogiado por todos por sua beleza mas nunca havia mirado seu reflexo, e quando o fez acabou afogado num espelho d’água, virou até origem do adjetivo “narcisista”. Idolatrar a própria beleza pode levar o sujeito a um comportamento egoísta insuportável, de fato, mas tudo nessa vida é equilíbrio. Gaga nos diz para mentir, para encontrar nossa forma de nos achar bonitos a nossa maneira, pois essa é a única forma de realmente nos tornarmos bonitos, aos olhos de quem nos importa. E nos diz mais, fazendo-se de exemplo: externemos nossa personalidade, intensifiquemos nosso olhar, não nos livremos tão fácil da nossa forma de enxergar o mundo, porque essa é a forma mais fácil de driblar a beleza padronizada e provar o ponto que, afinal, de alguma forma todos somos bonitos. Personalidade é bonito. Estilo é bonito. Estar vivo, ter força de espírito, é bonito.
Agora eu volto a pergunta do começo do meu texto, lá no título, e vocês já devem ter percebido como eu vou tentar respondê-la. Não tenho medo de acabar caindo no clichê, porque às vezes eles estão certos, afinal. E tem mais: não pensem que sou capaz de cumprir, todos os dias, o que eu proponho aqui; mas eu me comprometo a tentar. Eu me comprometo a tentar, quando me olhar no espelho, tomar as rédeas do que eu achar ali de ruim, e trazer do que eu tenho dentro de mim a forma de mentir para tudo aquilo. Eu prometo tentar, com meu olhar, distorcer o que eu ali vejo, colocar uma encenação para funcionar (mas uma que mostre o que eu realmente sou). Eu prometo tentar, e tentar incansavelmente, ser eu mesmo a produzir os meus espelhos.
E nós todos também deveriamos prometer, talvez. Porque se a beleza é uma mentira, porque não contá-la a si mesmo todos os dias?
“Eu nunca fiz cirurgia plástica e há muitas estrelas pop por aí que fizeram. Eu acho que promover insegurança na forma de cirurgia plástica é muito mais prejudicial do que se expressar artisticamente através de algo relacionado a modificação corporal”
(Lady Gaga, sobre cirurgia plástica, suas tatuagens e as próteses de “chifres” que usou por um tempo na promoção do último álbum)
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