23 de abr. de 2015

The Americans 3x12/13: I Am Abassin Zadran/March 8, 1983 [Season Finale]

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ATENÇÃO: esses reviews contêm spoilers!

por Caio Coletti

3x12 – I Am Abassin Zadran

Se The Americans não fosse The Americans, a cena final de “I Am Abassin Zadran”, o penúltimo capítulo de uma temporada particularmente importante para a cronologia da história, seria totalmente diferente. Nas mãos habilidosas do diretor Christopher Misiano (Resurrection) e na abordagem estoica do roteiro de Peter Ackerman (3x04, “Dimebag” – review) e Stuart Zicherman (3x03, “Open House” – review), no entanto, o impacto do momento em que Phillip tira sua “fantasia” de Clark pela primeira vez para Martha é muito maior do que seria em outro contexto. A atuação expressiva da maravilhosa Alison Wright é parte importante desse efeito, mas mais ainda é a construção de “I Am Abassin Zadran” como um agoniante retrato das incertezas dos personagens da série, especialmente aqueles que cercam os protagonistas, e de como suas identidades são processos em formação. O choque de Martha, e a destruição sumária do personagem com o qual Phillip se apresentava habilidosamente para ela, é só mais um pedaço dessa construção.

Em certos momentos, o episódio se estrutura muito mais do ponto de vista dos coadjuvantes do que do casal protagonista. Apesar da ausência de Sandra Beeman e Nina, todos os outros recorrentes da temporada são explorados pelo roteiro, que lida principalmente com o doloroso processo de aceitação pelo qual Paige tem de passar para reconstruir sua identidade, uma vez que chega a conclusão de que seu passado familiar era provavelmente construído sobre uma fundação de mentiras. A jovem Holly Taylor está verdadeiramente afiada nas cenas em que interage com Keri Russell e Phillip Rhys, deixando os dois atores mais experientes comandarem o andamento da encenação enquanto se concentra na expressão desse estranhamento e essa raiva à flor da pele que Paige, compreensivelmente, está sentindo. A série também não perde o rumo da metáfora que mencionamos alguns reviews atrás, no sentido que essa storyline reflete em muitos sentidos a forma como descobrimos, em certo ponto na vida, que nossos pais não são as pessoas que pensamos que fossem, na nossa ingenuidade pueril.

Em pequenas doses, como fez durante toda a temporada, The Americans dá a dica de que a história estrelada por Lisa é significativamente uma história sobre tomar controle da própria identidade, e não deixar com que os outros (no caso, o marido da personagem, Maurice) lhe digam quem você é. É uma faca de dois gumes essa com a qual The Americans brinca, mas os roteiristas sabem que é – em nenhum momento perdem de vista o fato de que Elizabeth também entrou na vida de sua asset para manipulá-la. Por fim, o episódio usa uma construção simplista para mostrar que nem o todo-poderoso Arkady é formado só por determinações e certezas, e traz Margo Martindale de volta para uma maravilhosa cena em que ela contracena com Frank Langella. A química entre os veteranos atores é previsivelmente maravilhosa, mas mais bacana ainda é ver a série mergulhar mais fundo na psique desse personagem manipulador e, ao mesmo tempo, extremamente sensível, que nos apresentou.

O Gabriel de Langella não é só essa figura esquiva e perceptiva que monta uma fachada para seus agentes de campo e, no final das contas, só está interessado em cumprir os objetivos do Centro. Tanto ele quanto a implacável Claudia são soldados que enterram suas dúvidas mais essenciais sobre o trabalho de realizam por cima de uma camada endurecida de experiência, de quem aprendeu a não se fazer as perguntas que realmente cutucam o íntimo e a moralidade. The Americans se recusa a vilanizar esses dois personagens tanto quanto se recusa a vilanizar o Mujahideen que dá nome ao seu episódio, retratando sua ambiguidade moral com a mesma ótica cristalina, dura e comprometida com a qual encara todos os seus personagens. Num episódio intitulado “I Am Abassin Zadran”, é notável como The Americans parece querer nos mostrar o quão pouco sabemos de quem verdadeiramente somos.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

THE AMERICANS -- "March 8, 1983" Episode 313 (Airs Wednesday, April 22, 10:00 PM e/p) Pictured: (l-r) Matthew Rhys as Philip Jennings, Holly Taylor as Paige Jennings, Keidrich Sellati as Henry Jennings, Keri Russell as Elizabeth Jennings. CR: Patrick Harbon/FX

3x13 – March 8, 1983

Em 08 de Março de 1983, o dia que aparece no título do season finale do terceiro ano de The Americans, o presidente americano Ronald Reagan deu o discurso mais polêmico de seus mandatos: se dirigindo aos frequentadores de uma Igreja, o ex-ator falou com veemência sobre como os argumentos contra a Guerra Fria esbarravam na ignorância dos princípios morais de bem e mal. Na visão de Reagan, a União Soviética era a própria representação das forças malignas no planeta, e o dever dos Estados Unidos, como nação temente a Deus (há muita ênfase, no discurso, no caráter ateu do regime comunista) e em busca da “verdadeira paz” (e não da ilusão de uma paz desarmada, nas palavras do próprio presidente), combater esse regime vil e bárbaro do outro lado do mundo. É curioso ler o discurso (vem também) hoje em dia e perceber quanta contradição existe nele, e como o conceito de liberdade, que o então presidente dizia abundante na América e rarefeito na União Soviética, na verdade só era aniquilado por valores e imposições diferentes nas duas nações.

“March 8, 1983” também entende isso muito bem, e não é por acaso que o episódio se estrutura como uma análise inteligentíssima da forma como todos nós buscamos pequenos espaços de liberdade em meio a um mundo (seja capitalista ou comunista) que não nos dá tanta. Talvez justamente por isso, o episódio também não é escrito como um season finale tradicionalmente seria, mesmo para os padrões de The Americans. Compará-lo com os finales das duas temporadas anteriores é constatar que ele é muito menos dado a conclusões e que amarra muito menos tramas em um todo coeso com os 12 episódios anteriores. Isso não significa, no entanto, que ele não seja notável em sua forma mais sutil – “March 8, 1983” é capaz de olhar para os temas da temporada que o precedeu e nos trazer uma nova visão sobre eles, culminando em um único ato que pode e vai virar de cabeça para baixo o mundo dos personagens a partir do quarto ano.

A terceira temporada de The Americans falou constante e eloquentemente sobre a influência que o passado exerce em nossas vidas, a forma como somos moldados por hábitos e comportamentos antigos, pela influência de nossos pais e do ambiente (geográfico ou cultural) em que fomos criados. No roteiro dos showrunners Joe Weisberg e Joel Fields, Elizabeth é colocada frente a frente com esse passado na forma de duas pequenas cenas que resumem de forma cruel, mas absurdamente eficiente, o encontro dela (e de Paige) com sua mãe doente. Keri Russell é a peça-chave aqui, obviamente, oferecendo para esse momento tão frágil da personagem um desempenho devastador, mudando a linguagem corporal que estamos acostumados a ver de Elizabeth e enchendo de remorso o rosto impassível no qual aprendemos a procurar meticulosamente traços de emoções. É doloroso ver nossa protagonista entrar em contato e, ao mesmo tempo, ter que se despedir desse passado que tanto a moldou – mas The Americans não tem rodeios, e sabe que a grande tragédia desse conceito abstrato (“o passado”) é que o tempo nos obriga a nos desprender dele.

É terrivelmente eficiente a forma como a série conecta esse tema à jornada de Phillip (Matthew Rhys entrega sua melhor atuação da temporada nesse finale), levando-o de volta ao salão de reuniões do seminário de auto-ajuda que frequentou, primeiramente, com Stan, e confrontando-o com Gabriel quanto a forma com a qual a “liberdade” que ele busca é essencialmente egoísta. “March 8, 1983” é um dos episódios de The Americans que são mais duros com as falhas de Phillip, quase sempre postas em segundo plano, mas é também é um dos que melhor entendem o personagem e sua eterna busca por se livrar das amarras das ordens da KGB e do turbilhão da Guerra Fria. A liberdade que Phillip busca, no final das contas, é uma liberdade de si mesmo, daquilo que está mais arraigado na sua identidade e na sua vida – há algo de ingênuo, de quase infantil, nesse desejo. The Americans não está pronto para glorificá-lo, tanto que coloca o irrepreensível Frank Langella para desferir duas palavras impiedosas para o personagem: “Grow up!”.

Para o Agente Beeman, que passou a temporada lutando com o próprio conceito de liberdade, as consequências são as mais concretas. O personagem de Noah Emmerich é uma tremenda contradição, temendo a liberação que o fim do seu casamento trouxe ao mesmo tempo em que não se comprometia completamente a ele, se irritando com a burocracia do FBI e agindo fora dela em busca de objetivos essencialmente egoístas. Na cabeça de Stan, é incompreensível que a instituição para a qual trabalha não se encarregue de desfazer por ele os erros que levaram ao maior remorso da sua vida (a prisão de Nina). “March 8, 1983” debocha um pouco dos conceitos de liberdade e opressão, e do argumento pró-guerra, do presidente Reagan, mas é impossível notar que o episódio também prescreve a seus personagens uma bela dose de realidade moral. Durante toda a duração do episódio, a impressão que fica é que The Americans decidiu que estava na hora dos seus protagonistas encararem que precisarão lidar, eles mesmos, com as consequências de seus atos. Mesmos que eles não tenham muita escolha quando recebem a ordem para perpetuá-los – o mundo é cruel desse jeito.

Finalizando com um tremendo cliffhanger (Paige contando ao Pastor Tim sobre a verdadeira nacionalidade dos seus pais), o terceiro ano de The Americans fecha trabalhos com um episódio narrativamente desafiador, deixando várias pontas soltas e ignorando as convenções televisivas estabelecidas para um season finale. Ao mesmo tempo, fica a impressão que “March 8, 1983” não é só mais um grande episódio de uma grande série, e sim a compleição, um pouco mais discreta do que estamos acostumados a ver, de um ciclo narrativo para o início de outro. Pode ser que seus personagens ainda tenham muito o que aprender, mas como narrativa The Americans já é maduro o bastante para finalizar sua temporada com o quieto brilhantismo com o qual a carregou de ponta a ponta.

✰✰✰✰✰ (5/5)

THE AMERICANS -- "March 8, 1983" Episode 313 (Airs Wednesday, April 22, 10:00 PM e/p) Pictured: Noah Emmerich as Stan Beeman. CR: Patrick Harbon/FX

The Americans está confirmada para quarta temporada!

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