7 de abr. de 2015

The Americans 3x09/10: Do Mail Robots Dream of Electric Sheep?/Stingers

THE AMERICANS -- "Do Mail Robots Dream of Electric Sheep" Episode 309 (Airs Wednesday, March 25, 10:00 PM e/p) Pictured: (L-R) Keri Russell as Elizabeth Jennings, Lois Smith as Betty. CR: Jeffrey Neira/FX

ATENÇÃO: esse review contem spoilers!

por Caio Coletti

3x09 – Do Mail Robots Dream of Electric Sheep?

Em certo ponto bem no finalzinho de “Do Mail Robots Dream of Electric Sheep?” (genialmente intitulado, a propósito, em referência ao livro de Phillip K. Dick que gerou Blade Runner, aquele clássico filme de 1982), Phillip e Gabriel dividem uma conversa essencial para a progressão emocional e narrativa da série, e que começa com o personagem do genial Frank Langella destrinchando a etimologia da palavra “wedlock”, um jeito antiquado de dizer “casamento” em inglês. Segundo o personagem, a palavra vem do norueguês, e significa, de forma elementar, “a batalha perpétua” – Gabriel ainda observa que a palavra “love” tem uma origem completamente diferente, o que destaca o quão antitéticos esses conceitos podem ser. Chegando perto do final da temporada, o jogo que The Americans joga com seu espectador é bem mais inteligente do que aquele que Gabriel joga com seus agentes de campo, especialmente com Phillip. Nesse nono episódio, a trama da FX espertamente contesta o que aprendemos sobre esses personagens e, ao fazê-lo, toca nos próprios conceitos que a definem como narrativa.

Seja na sutileza com a qual retrata o conflito entre os protagonistas, seja na mão mais pesada que aplica ao contestar os atos dessas pessoas em prol de uma causa que já quase não é mais delas, o roteiro de Joshua Brand (que assinou o episódio anterior, “Divestment” – review) acerta em cheio ao se estruturar em cenas curtas e bastante diretas, que destacam os acontecimentos da trama ao mesmo tempo em que enriquecem as falas dos personagens com significado, deixando na mão dos atores e da direção a responsabilidade de investir as emoções básicas do episódio de nuances coerentes com a mensagem e o histórico de The Americans. É claro que o diretor Stephen Williams (Lost, Agent Carter) não decepciona nesse sentido, apostando em tons frios e observação clínica para retirar as expressões mais mínimas e as delicadezas mais escondidas das atuações, especialmente a magistral performance cedida por Keri Russell.

É em “Do Mail Robots Dream of Electric Sheep?” que culmina todo o processo da temporada de se infiltrar na intimidade de Elizabeth e na sua forma de pensar, e The Americans encontra uma improvável válvula de escape para a personagem: o encontro com Betty (Lois Smith em atuação tocante), uma idosa contadora que está no lugar errado e na hora errada enquanto Phillip e Elizabeth tentam infiltrar um grampo no mail robot do título. Enquanto o restante da temporada, e em grande parte todos esses três anos de série, trataram de endurecer a personagem de Russell em uma assassina brutalmente eficiente cujos momentos de vulnerabilidade eram abafados por uma corajosa crença na ideologia que defende, esse episódio coloca sobre os ombros da atriz a reponsabilidade de retratar uma Elizabeth cujas dúvidas e inseguranças aparecem muito mais do que estamos acostumados a ver. É cruel a forma como Betty perece nas mãos da agente soviética, e só esse processo faz desse o episódio mais difícil de se assistir da temporada, mas o silêncio estoico de Russell, deixando que toda a profunda dor existencial acumulada em Elizabeth transpareça só pelos olhos, é parte integral da tortura psicológica que a série imprime em seu espectador.

Mais uma vez, é claro, The Americans está expressando um sentimento anti-bélico muito mais do que um sentimento anti-soviético, apontando o dedo para seus protagonistas ao mesmo tempo que nos deixa observar aflitos o quanto de humanidade existe neles. Seja na expressão do sentimento de proteção que Phillip nutre pela família, na complicada relação de meias-verdades que ele vive com a esposa, ou na dinâmica inesperada que o casamento dele com Martha assume, o personagem de Matthew Rhys também não sai impune de “Do Mail Robots Dream of Electric Sheep?”. De forma muito similar ao livro do qual empresta o título de seu episódio, The Americans é uma profunda meditação das tremendas inumanidades das quais somos capazes, e ao mesmo tempo das coisas mais essenciais que nos fazem humanos.

✰✰✰✰✰ (5/5)

the-americans

3x10 – Stingers

Há algo de estranhamente familiar na forma como “Stingers”, o décimo e fundamental episódio do terceiro ano de The Americans, é encenado. E em uma série que é dada a encher de tensão cada troca de diálogos e interação de personagens, mesmo seguindo o seu ritmo particular (e lento) de desenvolvimento de trama, isso é quietamente perturbador. A direção de Larysa Kondracki (A Informante) não atinge esse efeito por acaso, captando o espírito do roteiro e traduzindo-o em uma mise-en-scene muito mais confortável, digamos assim, do que estamos acostumados a acompanhar na série. A consequência disso é que os momentos mais fundamentais de “Stingers” dosam suas emoções com precisão de conta-gotas, inserindo uma sensibilidade doméstica que marcou muito o começo de The Americans e andava sumida nos últimos tempos. Curioso para um episódio batizado em homenagem a uma das armas de mão mais poderosas do universo bélico, mas que também remete ao verbo “sting” (“picar”) – exatamente como a dicotomia do seu título, “Stingers” implode o universo de The Americans de dentro para fora, mas aplica esse golpe com a sutileza do ferrão de um inseto.

Joel Fields (3x02, “Baggage” – review) conhece o universo da série o bastante para observar o início de sua decadência de perto, remetendo ao conto metafórico sobre as dificuldades do casamento e da paternidade que The Americans um dia foi para retratar um dos desenvolvimentos mais esperados e antecipados da trama durante todos esses três anos. A cena excepcionalmente silenciosa e notavelmente opressiva em que Elizabeth e Phillip finalmente revelam para a filha mais velha, Paige, o que realmente são é tudo o que qualquer fã conhecedor do espírito da série poderia esperar, e mais um pouco. Grande parte de “Stingers” consiste em nos retirar do ponto de vista com o qual normalmente observamos a trama, e ver a forma como o casal Jenning age nesse momento através dos olhos de Paige é uma experiência espetacular. O sentimento que transborda dos olhos de Keri Russell e Matthew Rhys é primariamente culpa, e tanto o trabalho de câmera quanto o roteiro pintam esse retrato com delicadeza ímpar, amarrando a revelação em uma cena surpreendentemente devastadora dos dois espiões soviéticos se vendo surpresos com o desencanto da filha que criaram.

Há algo de especial em “Stingers”, no sentido que revela uma dimensão humana de The Americans que vai além das mensagens anti-bélicas e da discussão sobre o quanto o nosso passado determina nossos hábitos e atitudes. Desarmando de forma genial a batalha que antecipou durante toda a temporada entre Phillip e Elizabeth, o roteiro faz cair a realidade sobre esses dois protagonistas e tira deles o controle absoluto sobre os aspectos de suas vidas que eles se acostumaram a ter, vivendo num mundo em que boa parte dos relacionamentos interpessoais borra as linhas entre teatro e verdade. Embora funcione em tantos outros níveis e com tantos outros significados, o cerne de The Americans é e sempre será a vida íntima desses personagens (e não só dos Jenning, como também do Agente Beeman, que precisa enfrentar mais dificuldades com o divórcio nesse episódio, e dos muitos coadjuvantes que a série desenvolveu especialmente nessa terceira temporada).

A série de Joe Weisberg é absolutamente fascinada por cada uma dessas criaturas que desfilam em tela, expondo fragilidades e representando ideais tão distintos, complexos e humanos que é impossível que não se choquem. É impossível, para qualquer espectador atento, não se fascinar também.

Notinhas adicionais:

  • YES! The Americans foi renovada pela FX para o quarto ano de sua trajetória. A Mãe Russia está em festa (e nós d’O Anagrama também).

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Próximo The Americans: 3x11 – One Day in the Life of Anton Baklanov (08/04)

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