13 de dez. de 2014

Review: “Boyhood” é um dos feitos mais extraordinários do cinema (e da narrativa)

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por Caio Coletti

Boyhood não cabe em uma descrição. Esse é um daqueles filmes que precisam ser vistos porque as sensações que ele passa são tão surpreendentes, tão sutis, tão diferentes de tudo o que você já viveu em uma sala de cinema (e, talvez por isso, tão semelhantes as que você viveu na vida real), que deixar de vê-lo seria um crime. Vá para o cinema, use seu serviço de torrent, faça o que for preciso. Você não pode passar sem essa experiência, mas fique avisado: quando os primeiros segundos de Boyhood começarem na tela, dê ao filme tudo o que você tem. Não reaja a ele de maneira automática, não o julgue pelos parâmetros frios de quem espera ser eletrizado pelo incansável ímpeto narrativo e pelo milhão de acontecimentos absurdos em tela. Quando as luzes do cinema apagarem, respire fundo e se livre de toda essa expectativa – Richard Linklater fez do seu filme uma experiência transformadora, mas ele precisa que você se permita essa transformação.

Ele precisa que você se encante com a experiência de vida de Mason, e que veja o extraordinário no fundo dos olhos da personagem de Patricia Arquette, em uma atuação majestosamente sensível, e despida de qualquer ego, como a mãe do protagonista. Boyhood exige que você encontre o espetacular no rotineiro dos anos que passam – sabe como o tempo prega essa peça em que nada parece acontecer, mas quando olhamos para trás nos espantamos com o mundo de coisas que aconteceram? O filme de Linklater é completamente fiel a esse princípio. Ele quer que você se apaixone pelo carisma a toda prova de Ethan Hawke na pele do pai de Mason, mesmo que ele não seja o homem mais responsável, ou mais confiável, do mundo. Do seu jeito um pouco inapto, o personagem de Hawke encontra uma sabedoria imensa, ao mesmo tempo em que se mostra tão desorientado pelos solavancos da vida quanto o filho, em processo de amadurecimento.

Assistir à performance de Ellar Coltrane é algo semelhante a abrir uma cápsula do tempo, como muitos outros críticos apontaram. O protagonista foi contratado aos 7 anos de idade por Linklater, que se comprometeu a moldar seu filme de acordo com o que o ator se sentisse mais confortável e relacionasse melhor com a própria vida. Sorte do diretor, portanto, que Coltrane cresceu para se tornar um jovem com extraordinário poder magnético, que ele foi capaz de vestir o personagem por completo a partir de um certo momento, encarnando a introspecção e cada sensibilidade de Mason. É fácil ver como ator e personagem se confundem, e é uma experiência quase documental que Linklater filma com uma câmera pouquíssimo intrusiva – talvez a melhor decisão do diretor. Ele nos faz observar o tempo que passa e a experiência desses personagens sem de fato mergulhar neles, sem lançar mão de recursos subjetivos e ultra-sensíveis, deixando que a história faça o trabalho de nos envolver nela mesma.

A verdade é que todos nós estamos em crescimento, e é isso que Boyhood retrata. Talvez a missão mais difícil que ele peça de seu espectador seja a de olhar para essa conclusão, para essa observação de que todos nós somos obras inacabadas e navios errantes (a cena final da personagem de Arquette é simbólica em relação a isso, além de emocionalmente brutal), e encontrar a beleza nisso. Linklater nos diz, em seu roteiro que quebra todas as regras da narrativa convencional em favor de uma abordagem muito mais naturalista dos acontecimentos (como não poderia deixar de ser em um filme feito no decorrer de 11 anos), que nossa eterna busca por propósito é fútil, mas é também o que nos traz os momentos mais excepcionais que vamos presenciar. Nos diz que somos meros peõezinhos do tempo, nos agarrando aos amores que encontramos, e aos que por sorte ganhamos pelo caminho – e mostra que dentro dessa percepção existe uma liberdade absurda, que nós mal conseguimos imaginar.

Após uma troca de olhares de soslaio, Boyhood resume a sua colossal jornada cinematográfica em silêncio. É como se, depois de quase três horas de filme, ele já tivesse nos mostrado o bastante. Linklater não precisa de uma palavra final, porque reconhece que não existem palavras finais. Nessa aproximação quase assustadora com a realidade é que ele cria um dos feitos mais extraordinários que o cinema já alcançou como mídia, e como meio de contar histórias. De fato, Boyhood contou a maior história que poderia ser contada – a de todos nós.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Boyhood: Da Infância à Juventude (Boyhood, EUA, 2014)
Direção e roteiro: Richard Linklater
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater
162 minutos

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