27 de jun. de 2014

Review: “Ultraviolence” é o álbum perfeito para a nossa geração

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por Caio Coletti

Oscar Wilde uma vez escreveu que “a aversão do século XIX ao Realismo é a cólera de Calibã por ver seu rosto num espelho”. O que o escritor de O Retrato de Dorian Gray queria dizer é que nem sempre odiamos alguma coisa simplesmente porque ela vai contra os nossos princípios – às vezes, a odiamos porque ela vai de encontro a eles, e não queremos admitir. Irritar-se com os simbolismos de Ultraviolence, novo álbum de Lana Del Rey, é não se dar conta que vivemos em um mundo onde o que ela diz é muito real.

Lana dá voz a mulheres (no plural sim, porque sua personagem é simbólica de muitas outras que passeiam por suas músicas) que escondem sua força por trás da fragilidade. Existe uma crueldade que aflora na segunda metade do disco, especialmente em “Money, Power, Glory” e “Sad Girl”, que parece ser frustração mal direcionada por todas as opressões que ela mesma sofreu em outros pontos de sua história. É claro que Lizzy Grant, a artista por trás de Lana, também regozija nesses momentos, antecipando críticas certas a sua persona (“Fucked My Way Up to the Top”, embora talvez a canção menos memorável do disco, é marcantemente ácida) e colocando em pratos limpos quem ela é e porque ela faz o que faz.

Na essencial “Brooklyn Baby”, ela canta: “They judge me like a picture book/ By the colors like they forgot how to read” (“Eles me julgam como um livro de imagens/ Pelas cores, como se desaprendido a ler”). Não à toa, a canção foi chamada pela revista Time de “a música mais milennial já escrita”, se referindo ao nome dado à geração que teve o final da infância e toda a adolescência no século XXI. As agruras de Del Rey são idênticas as do público que muitas vezes a maltrata, e é por isso que a cantora reuniu tantos fãs quanto detratores.

Assim como boa parte do álbum, “Brooklyn Baby” ganha punch graças a produção de Dan Auerbach, metade do duo Black Keys. A interferência do moço traz ao Ultraviolence uma atmosfera mais crua, que troca as batidas hip hop e a produção exagerada do Born to Die por uma abordagem bem direta do clima que Lana quer passar para o ouvinte. Em “West Coast”, o primeiro single, o sintetizador intermitente e a guitarra que irrompe no final causam a sensação de transe relacionada ao clima sempre ensolarado a atmosfera sonhadoramente ignorante de Los Angeles.

“Pretty When You Cry” é uma balada discretamente marcada pela batida constante, que ganha um solo remanescente de Guns N’ Roses perto do final. “Ultraviolence” e “Sad Girl” têm intervenções de harpa que as tornam mais delicadas, enquanto o refrão de “Money, Power, Glory” explode em apoteose melódica. “Old Money” é uma canção de ninar melancólica sobre o envelhecimento, e Lana deixa sua voz mais áspera em alguns versos, como que reconhecendo o quanto a solidão faz parte do seu presente e do seu futuro. É preciso dizer que, nesse disco, ela deixa sua voz explorar caminhos que simplesmente não poderiam passar pela superprodução sufocante de Born to Die. Quem ouve o soprano de “Shades of Cool” nunca mais a vê da mesma forma como intérprete.

Amar o Ultraviolence superficialmente, no entanto, é tanto armadilha quanto odiá-lo superficialmente. Aceitar as maquinações temáticas de Del Rey pelo simples charme de sua elaboração musical retrô, suas alegorias românticas destrutivas e sua figura lasciva é perder o ponto. Complexo como é, o álbum é ao mesmo tempo uma celebração e uma crítica a toda a superficialidade de uma geração, e à forma como somos incrivelmente capazes de tirar profundidade dessa superficialidade. É um paradoxo, e não é a toa – o nosso mundo também é. A sensação de ouvir o Ultraviolence é essencialmente a de amar alguém que lhe abusa de todas as formas possíveis, mas também lhe ama de volta. A vida tem dessas coisas. She hit us, and it felt like a kiss.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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Ultraviolence
Lançamento:
16 de Junho de 2014
Gravadora: Interscope/Polydor
Produção: Dan Auerbach, Lana Del Rey, Paul Epworth, Lee Foster, Daniel Heath, Greg Kurstin, Rick Nowels, Blake Stranathan
Duração: 51m24s

1 comentários:

clp disse...

Ótima review! acho que captou bem a essência do disco e conseguiu explanar bem o que eu também acho sobre o mesmo.