8 de jun. de 2014

Review: Duas visões de “Malévola”, o subversivo “filme de vilã” da Disney

MALEFICENT-poster

ATENÇÃO: esses reviews contem spoilers!

“Malévola” e uma reflexão sobre pontos de vista na narrativa cinematográfica

por Caio Coletti

Ensina o manual de roteiro mais cultuado do mundo, o Story de Robert McKee, que ao nos depararmos com uma história que queremos contar, as possibilidades são vastas. Cabe a nós, criadores, selecionar apenas um dos “fios condutores” individuais que, juntos, formam o tear da história, e apresentar esse mundo rico e sem fronteiras através da percepção (limitada,sim) dessa narrativa singular. Há aqueles que preferem uma perspectiva maior, e por isso selecionam o “fio condutor” de um narrador externo, distanciado, observando a história se desenrolar em todas as direções possíveis. O perigo dessa escolha, apesar da amplitude que ela concede ao produto final, é que o filme, se mal conduzido, sai-se emocionalmente distante. E por mais tendencioso que seja no seu retrato do ponto de vista da personagem-título, Malévola em nenhum momento pode ser acusado de frio.

Para receber a história assinada por Linda Woolverton (O Rei Leão) de braços abertos, portanto, o espectador deve tratar Malévola não só como a enésima encarnação da história d’A Bela Adormecida, dessa vez desenvolvida dentro dos mesmos estúdios Disney que criaram o clássico da animação de 1959 – o filme é também uma criatura própria. E, como tal, é também provido de intenção e uma busca incessante por provar seu ponto. Quando o estúdio do Mickey contou pela primeira vez a história da Princesa Aurora, estava na verdade contando a história das três fadas benevolentes e atrapalhadas que foram incumbidas pelo Rei Stefan de cuidar de sua filha até o amaldiçoado aniversário de 16 anos. A Bela Adormecida é irremediavelmente moldado pela inocência dessas personagens, pela visão exuberante da natureza e do romantismo – a animação é o que é porque escolhe seguir o “fio narrativo” de Fauna, Flora e Primavera.

O mundo criado pelos técnicos de efeitos especiais e registrado pelo diretor Robert Stromberg (ele mesmo um ex-profissional da área, apenas estreando no comando de um filme) é uma boa dica para quem quer pegar o espírito de Malévola. Mesmo com suas criaturas adoráveis e suas fadas aladas e luminescentes, Stromberg e sua equipe não deixam de conceder certa tensão entre nossas percepções estéticas e a natureza perenemente misteriosa desses elementos mágicos. Na condição de espectadores do filme, somos obrigados a contemplar um mundo irremediavelmente selvagem e, mesmo que diante de nossos olhos e filmado em detalhes luxuriosos (e em 3D!), eternamente desconhecido. Malévola não quer que nos tornemos familiares a toda essa magia, porque a inquietação que mora em seus detalhes é parte integrante do clima do filme.

A premissa de contar a história a partir da visão da vilã da animação original, adicionando detalhes como a razão pela qual Malévola perdeu as asas, seu relacionamento conflituoso com o rei Stefan (Sharlto Copley em atuação incrível como de costume), e a afeição que cresce entre ela e Aurora durante a infância da menina, torna o filme em uma fábula estranha, um conto de fadas com o coração sombrio – ou seria um filme noir com um coração romântico? Essa contradição casa bem com a recente tendência da Disney de modernizar suas visões e fazer jus a suas personagens femininas, cada vez menos dependentes do amor conjugal. Tanto Frozen quanto Malévola são histórias de romance fraternal, de conexão familiar construída através de anos de convivência, que joga para a escanteio as noções de “amor-à-primeira-vista” e “Príncipe Encantado” que a Disney perpetuou por décadas a fio.

É claro que essa transformação de Malévola de uma vilã implacável e sem motivos para uma mulher machucada que vê na princesa que amaldiçoou uma protegida improvável, e no servo Diaval um amigo para todas as horas, só é vendida porque Angelina Jolie está no comando. Fabulosa quando precisa perpetuar sua maldição, mas também cheia de garra na hora de tornar a personagem uma figura tridimensional e compreensível, com o lado provocador convivendo em paz com instintos maternais, Jolie consegue a proeza de ser um poço de cinismo que nos convence completamente do quanto quer passar a acreditar. Nunca um filme foi tão apropriadamente intitulado com o nome de seu protagonista. Malévola respira e ofega, diverte e emociona, vive e morre pela formidável fada encarnada por Jolie. E isso garante o encantamento do filme melhor do que qualquer outra coisa.

✰✰✰✰ (4/5)

“Malévola” ganha pontos no conceito e na atuação de Jolie, mas o roteiro não convence

por Gabryel Previtale

Well well... O que falar de um filme tão subversivo e adorável ao mesmo tempo como Malévola? A rainha do mal, diva e maligna foi reconfigurada pelos estúdios Disney. Em um filme que transforma a antagonista em heroína, desvilanizando Malévola e dando razões para seu despeito e maldição. Embora muito fã da história original e das Princesas Disney, o filme possui pontos interessantes e fortes, e outros falhos e a mim em especial, frustrantes.

Angelina Jolie está linda e perfeita em todos os ângulos, jeitos, formas, morta, viva, voando, girando... Se ela fosse a única personagem no filme (se fosse possível) eu assistiria sem grandes problemas pelos 97 minutos, que correspondem a duração do filme. Embora Jolie use nariz prostético, bochechas prostéticas, lentes de contato e chifres, ela consegue demonstrar emoções e reações formidáveis a personagem e ao mesmo tempo exibir sua beleza ímpar. Destaque para a cena do batizado: o sotaque da atriz, o modo como olha e reage aos outros personagens, a sutileza na fala e no olhar, são sem sombra de dúvidas a Malévola personificada. Aurora, interpretada pela Ellen Fanning, foi boa e cabível, carismática e alegre (sem ser "enjoativa") como a princesa do desenho original.

Um ponto estético que me incomodou foi o figurino, não as roupas em si que estão bem legais, mas a cronologia da roupa da personagem principal. Ela começa o filme com um vestido em um tom escuro de marrom, depois ele "enegrece" os tecidos devido a sua nova maldade interior, depois ela vira uma espécie de "Dominatrix" no batizado de Aurora, cheia de couro etc. Passado isso ela vai alternando entre um marrom mais claro do que era no começo do filme, e termina em outro tom. Tudo bem que isso não é algo que todo mundo se importa, enfim, está lindo o figurino, mas a mim não fez muito sentido essa oscilação de humores e maldade, indo e vindo desconforme os acontecimentos do longa.

A direção mais artística e preocupada com fotografia do que o normal são pontos bem legais e caprichados, todos sabem que o diretor Robert Stromberg é tradicionalmente designer de produção, e trabalhou nas versões mais recentes de Alice no País das Maravilhas e Oz: Mágico e Poderoso, que se assemelham nas criações de mundo mágicos mostrado em Malévola. Embora as criaturas fantásticsa não tenham apresentado muito carisma, eu gostei e pra mim deu certo.

As fadas, momento complicado. O que são aquelas fadas miniaturas feitas sob animação 3D? Bizarríssimo. Quando em forma humana, menos pior. Foi muito legal ver que uma das fadas é a Umbridge do Harry Potter! Sim, a Imelda Stauton ♥ E a mim foi a salvação dessas fadas tortas, desculpem, mas não rolou. Talvez seja porque eu gostava muito das fadas originais do desenho, ou vai ver porque o filme é infantil, para as crianças deve ter funcionado as piadas e o carisma das mesmas, que são mostradas também bem superficialmente.

Tem trilha sonora durante o filme inteiro praticamente, trilha de suspense, de ação, quem for sensível vai sair incomodado do cinema, em uma cena que a Malévola levitava os soldados no ar e girava, a trilha acompanhou os movimentos e ficou perfeita, mas assim, de tão saturado de música e trilha, quase não percebi quando cabível. Fiquei triste que a música performada pela Lana Del Rey para promover o filme, não apareceu durante o longa.

Sobre o roteiro, achei muito óbvio e com alguns buracos, no meio do filme eu já sabia qual seria o final. Li muita gente falando que o filme tem um roteiro inovador e feminista, outros falando que o filme propaga o ódio ao sexo masculino nas crianças e etc. Não vou comentar sobre as ideologias que o filme pode transmitir ou não. Eu só acho não há necessidade de sexualizar os filmes da Disney e tornar eles feministas ou não, querer comparar a cena da perda das asas com estupro (????), não tem essa necessidade. Contos de fadas formam a mente das crianças? Talvez, mas não é um filme que vai fazer isso, embora seja louvável a Disney estar se aventurando em roteiros mais arriscados ultimamente, com personagens femininas fortes e independentes.

Acho que um filme pode ser feminista e ter um roteiro bom, o que não é o caso. Por exemplo, tem horas que a Malévola pode realizar grandes magias e transformar as coisas, tem horas que ela entra no castelo como uma pessoa normal, faz tudo meio sem poderes e depois do nada pode fazer uma grande magia, têm horas que ela consegue e horas que ela não faz e isso não é explicado, é meio arbitrário e sem sentido, mas é um filme infantil então a gente releva e entende. Se eu esperei por um beijo lésbico entre Malévola e Aurora? Talvez. Mentira né gente.

O filme é muito bonito visualmente, com um roteiro meia boca, tem gente que assim como eu achava que a graça da Malévola estava justamente na maldade e que o trailer faz você pensar que o filme traria isso, mas no geral é interessante e merece ser assistido. Pelo fato de ser diferente e inovador, algo que sai da zona de conforto da Disney, já vale a nossa ida ao cinema.

✰✰✰ (3/5)

Disney's "MALEFICENT"

Maleficent (Angelina Jolie)

Photo Credit: Film Frame

©Disney 2014

Malévola (Maleficent, EUA/Inglaterra, 2014)
Direção: Robert Stromberg
Roteiro: Linda Woolverton
Elenco: Angelina Jolie, Elle Fanning, Sharlto Copley, Lesley Manville, Imelda Staunton, Juno Temple, Sam Riley, Brenton Thwaites
97 minutos

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