Por Caio Coletti
Ela fizera de tudo para chegar onde estava. O sorriso impecável, o andar insinuante e rígido na mesma medida, a proporção perfeita do corpo que havia custado uma vida de prazeres. Ela escolhera o sacrifício, e agora ali estava a sua recompensa. Brilhando em prateado e refletida em seus olhos secretamente ávidos, a coroa subiu milímetro por milímetro, em câmera lenta e flutuando como por mágica (ela jamais poderia ter olhos para a senhora de feição e sorriso plásticos que há algum custo tentava alcançar sua cabeça), até o lugar onde pertencia.
Ela sentiu o metal entrar pelo seu cabelo e tocar de leve o couro cabeludo. E pronto. Sua visão era borrada, surreal, difusa. E de repente ela se sentia como o alpinista que acaba de atingir o topo do Everest. A platéia deveria estar aplaudindo, mas seu rugido era pra ela como o do vento frio que tocava a pele fina e a mente cansada de quem topou o desafio e foi até o fim. Cada rosto que sorria para ela era uma parte daquela imensa, interminável paisagem que se estendia tão longe.
Longe. O mundo todo era longe demais para ela. Onde queria, no topo do mundo que tomara como seu, de repente ela só pensava em voltar. Ou o cachorro não traz de volta a bola depois de correr buscá-la? Ela sentia falta, tanto e de tanta coisa. E o pior não eram as saudades do que o tempo tinha levado. Isso é da vida. Mas ela sentia falta do que ela mesma escolhera deixar para trás. Do que negligenciara e de quem tratara errado porque estava ocupada demais tentando ser perfeita. Mas só pode ser perfeito o que não é vivente, e só pode ser amado o que o é. Eis a ironia da sua pequena tragédia: a miss, a vencedora, a admirável, sentia falta... de amor.
Ela não desfez o sorriso. Não desmediu as palavras. Não parou nem por um segundo para pensar no quão cansada estava. Ela não podia simplesmente parar. Se o fizesse, desmoronaria. Se olhasse para o abismo na beira do qual caminhava, se encarasse a altura do Everest ao qual subira, ela sabia que bastava um segundo para que simplesmente pulasse. Então ela seguia em frente, sem nem dar atenção a pergunta que lhe martelava a cabeça: “para onde?”.
“Nenhum objeto é tão lindo que, sob certa perspectiva, não se torne feio”
(Oscar Wilde, escritor irlandês)
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