17 de ago. de 2015

Review: “Wayward Pines” sustenta 10 episódios de mistério e ficção científica sem truques baratos

CIugt9uUMAAnSkI

por Caio Coletti

Não há nada de errado com reviravoltas de narrativa ou “finais-surpresa” – eles são um recurso do roteirista como qualquer outro e, exatamente da mesma forma, eles precisam ser usados quando a história pede por eles. O “segredo” que O Sexto Sentido esconde do espectador (pra citar um dos casos mais famosos do estilo) faz do filme uma análise mais completa e interessante dos personagens e temas que ele representa, e o mesmo vale para outras obras como Psicose, O Nevoeiro e até o controverso A Vila, que não seria um estudo tão contundente da hipocrisia da sociedade contemporânea sem sua revelação final. O problema é que, assim como acontece com várias outras “tendências” de Hollywood, o final-surpresa virou um clichê cansado, que muitas vezes parece estar lá apenas por obrigação mercadológica, destoando ou futilizando os esforços anteriores da narrativa em um grande momento “WOW” que não oferece muito mais do que adrenalina passageira. Wayward Pines tinha tudo para ser uma história exatamente assim, e confesso que, pessoalmente, fiquei com um pé atrás até os últimos minutos do finale – erro meu, porque a minissérie da FOX se mostrou um animal raro na atualidade: uma narrativa na qual o espectador pode confiar.

Isso não significa que a trama se prive de pegar-nos desprevenidos às vezes. A história tirada de dois livros assinados por Blake Crouch e conduzida por Chad Hodge (The Playboy Club) é uma ficção científica mirabolante e surpreendente, sim, mas de uma forma honesta e cuidadosa que simplesmente saiu de moda no storytelling atual. Interessante que a série seja produzida pelo mesmo M. Night Shyamalan que deu à luz tanto a O Sexto Sentido quanto a A Vila – apesar de não estar envolvido no processo de roteirização (ele dirige o primeiro episódio), é bacana ver o nome de Shyamalan atrelado a um projeto que dialogue tanto com um dos melhores elementos dos filmes espetaculares que fez no começo da carreira, especialmente quando a maioria do público considera que o brilho do diretor indiano se apagou faz tempo (de fato, seus filmes mais recentes variam de esquecíveis a péssimos). Muito mais do que bebe da fonte de Shyamalan, no entanto, Wayward Pines absorve outras influências: há algo de Lost e algo de Twin Peaks, é claro, mas há também uma intenção de entretenimento na série, e um mecanismo de narrativa, que a fazem se assemelhar a um longo e particularmente fascinante episódio da clássica série de antologia Além da Imaginação. Wayward Pines é meio soft-Phillip K. Dick (Blade Runner) e meio young adult-distópico.

O protagonista é o agente do FBI Ethan Burke (Matt Dillon, segurando bem o papel menos interessante da trama), o estereótipo do “herói americano”, completo com problemas no casamento, um filho adolescente e um caso extra-conjugal recente para “humanizá-lo”. Depois de sofrer um acidente de carro na estrada a caminho de Wayward Pines, onde iria investigar o desaparecimento da colega de trabalho e ex-amante em questão, Kate Hewson (Carla Gugino), Ethan acorda em uma cidade utópica-creepy que vive sob uma sombra de medo, onde pessoas que se lembram de um passado diferente são obrigadas a ficar dentro dos limites do município e viverem vidas designadas a elas. O roteiro não faz muitos favores ao seu personagem principal, tornando-o “gostável” para o espectador mas não trabalhando muito para expandí-lo a partir daí, mas em compensação cria coadjuvantes coloridos, complexos e fascinantes – e Wayward Pines tem um elenco à altura para representá-los.

Devido principalmente à natureza dupla de seus personagens (que se lembram de um passado e são obrigados a agir de acordo com outro), os atores mais experientes e gabaritados da série se deliciam com um prato cheio de emoções, tons e arcos de evolução. A começar pela própria Gugino, que cria uma Kate palpavelmente cautelosa, mas também tremendamente incomodada com as disposições das coisas em Wayward Pines – uma rebelde quase frígida, mas não desumana. O sempre espetacular Toby Jones traz a minúcia de sempre para a composição do Dr. Jenkins, o médico local e dono de mais respostas e mistérios do que inicialmente parece. Na evolução da trama da série, ele e Melissa Leo são os dois atores que recebem mais material para trabalhar a profundidade de seus personagens – perto do final, Dr. Jenkins e Nurse Pam como os conhecemos no início pulp da série se tornaram uma das duplas mais interessantes e trágicas dos últimos anos da televisão, especialmente porque ambos os atores seguram o centro e a composição desses personagens com unhas e dentes mesmo nos momentos mais turbulentos da narrativa. Num mundo justo, ambos seriam figuras certas no Emmy do ano que vem.

Com um finale (1x10 – “Cycle”) que é realmente o ápice da narrativa – algo mais raro do que parece hoje em dia –, e que trilha um caminho especialmente direto ao envolver o espectador puramente através da expectativa e da angústia, Wayward Pines é uma refrescante aula de storytelling, em que as reviravoltas narrativas se integram muito organicamente ao que já sabemos e o que ainda precisamos saber dos personagens e do mundo ao redor deles. A constatação irônica e a reflexão cruel que faz da natureza humana em seus minutinhos finais só torna a minissérie da FOX um programa mais obrigatório – uma estimulante história sobre conflito de gerações, um estudo importante da batalha de egos que compõe a nossa sociedade e a obsessão por controle que muitos de nós desenvolvemos ao nos depararmos com um mundo que não obedece a todos os nossos caprichos. Pelo menos esse ano, 10 horas de televisão poucas vezes foram tão divertidas, interessantes e recompensadoras quanto em Wayward Pines.

✰✰✰✰ (4/5)

WAYWARD PINES:  Pictured L-R:   Siobhan Fallon Hogan, Matt Dillon and Melissa Leo.  WAYWARD PINES is set to premiere Thursday, May 14 (9:00-10:00 PM ET/PT) on FOX.  ©2015 Fox Broadcasting Co.  Cr: Ed Araquel/FOX.

Wayward Pines (EUA, 2015)
Direção: Zal Batmanglij, Tim Hunter, Nimród Antal, James Foley, Steve Shill, M. Night Shyamalan, Charlotte Sieling, Jeff T. Thomas
Roteiro: Chad Hodge, Matt Duffer, Ross Duffer, Rob Fresco, Bill Hooper, Patrick Aison, Brett Conrad, Sang Kyu Kim, Steven Levenson, baseados nos livros de Blake Crouch
Elenco: Matt Dillon, Carla Gugino, Shannyn Sossamon, Toby Jones, Charlie Tahan, Melissa Leo, Reed Diamond, Hope Davis, Siobhan Fallon, Terrence Howard, Juliette Lewis, Justin Kirk
10 episódios

0 comentários: