23 de ago. de 2015

Review: A TV alemã se destaca com a brilhante “Deutschland 83”

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por Caio Coletti

Há quem diga que a era de ouro da produção televisiva já acabou, se concentrando entre o final da década de 90 e o começo dos anos 2000, e dando seus últimos respiros nos anos seguintes à decisiva greve dos roteiristas de 2007/2008. É impossível ignorar, no entanto, que a expansão do público (em grande parte obtido nessa mesma época, é verdade) abriu espaço para que a produção de televisão de qualidade, seja essa qualidade ajustada ao padrão das emissoras a cabo americanas ou não, atravessasse gêneros, estilos e, mais recentemente, fronteiras internacionais. Não basta mais se manter atualizado na vastidão de boas séries americanas para se considerar por dentro daquilo que é feito de bom em termos de televisão na nossa época – a canadense Orphan Black, a francesa Les Revenants e um leque amplo de produções britânicas formam apenas as referências internacionais mais básicas do momento. A Alemanha entrou nessa dança com Deutschland 83, thriller de espionagem com ambientação durante a Guerra Fria que foi comprado pelo SundanceTV para exibição em terras americanas e, consequentemente, conquistou o mundo.

As críticas rasgadamente elogiosas refletem o trabalho esperto dos developers Anna e Jorg Winger, que tecem os oito episódios dessa temporada de estreia com o cuidado de fazê-la uma história bastante contida em si mesma, mas que ao mesmo tempo deixa abertura para uma continuação caso ela aconteça. Fugindo um pouco da gravidade e seriedade de The Americans, uma outra série genial (de forma diferente) sobre o mesmo período histórico, Deutschland 83 é um tomo de amadurecimento que costura habilidosamente as lealdades e humores oscilantes de seus personagens com o contexto histórico, capturando com precisão a pluralidade e a essencial perplexidade com as quais seus protagonistas encarnam esse mundo em constante mutação e estado nervoso de alerta no qual estão crescendo. Fazendo uso delicioso da trilha-sonora composta de sucessos e lados-B dos anos 70/80 e com uma direção direta e elegante que é típica da forma alemã de fazer ficção, Deutschland 83 é uma história tensa e por vezes violenta, mas carregada com certa leveza dramática que a faz fácil de assistir – e, por isso, ainda mais envolvente.

A trama começa com uma premissa simples: o jovem soldado da Alemanha oriental comunista Martin (Jonas Nay, excelente) é recrutado contra a vontade pelo serviço secreto do país para infiltrar-se sob uma identidade falsa em um quartel do exército da Alemanha ocidental capitalista. Ele deixa para trás a mãe doente (Carina N. Wiese) e a namorada grávida (Sonja Gerhardt), provando das delícias do modo de vida capitalista enquanto realiza missões arriscadas que envolvem se aproximar do poderoso general do quartel (Ulrich Noethen) e de seu filho com ideias pacifistas (o ótimo Ludwig Trepte). O elenco jovem brilha mais que os veteranos em Deutschland 83, em grande parte porque a série cuidadosamente se estrutura ao redor deles, das suas tribulações e do turbilhão de ideias e emoções que passam por essas mentes ainda em processo de formação, especialmente quando deparadas com o mundo complexo e polarizado da Guerra Fria. Nay e Trepte funcionam muito bem em cena juntos, e ainda melhor quando confrontados com os personagens das gerações anteriores – a conflituosa relação entre o jovem Alex Edel (Trepte) e seu pai general é um dos elementos mais marcantes e frutíferos de Deutschland 83.

De certa forma, todos os jovens dessa produção alemã estão lutando para deixarem de ser como seus pais, saibam eles disso ou não. A narrativa da série até resvala em outros temas, gastando bastante tempo para nos explicar a política da quase-guerra entre comunistas e capitalistas e fazendo um retrato ácido das impulsividades que muitas vezes governavam esse mundo à beira do precipício, mas seu centro sempre está na jornada de crescimento de Martin, Alex, Yvonne (Lisa Tomaschewsky) e coadjuvantes sortidos. Quando precisa fazer cenas de ação (e elas são poucas, mas todas invariavelmente empolgantes), a série conduzida pelo casal Winger confia na perícia quase cruel dos diretores Edward Berger e Samira Radsi – eles arquivam trabalhos espetaculares em todos os episódios, especialmente em “Brave Guy” (1x02) e “Able Archer” (1x08), respectivamente.

Tirando do caminho a rede complicada de metáforas e significações que caracteriza a maioria das grandes séries americanas, Deutschland 83 conta a sua história com ímpeto, confiança e alguma coragem, deixando finais abertos que não depõem contra a série mesmo que ela não ganhe uma segunda temporada. Pelo menos nesse compromisso ferrenho com sua própria narrativa e sua própria visão, Deutschland 83 tem bastante a ensinar para muitos títulos celebrados da televisão ianque.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)

deutschland-83

Detuschland 83 (Alemanha, 2015)
Direção: Edward Berger, Samira Radsi
Roteiro: Anna Winger, Jorg Winger
Elenco: Jonas Nay, Ludwig Trepte, Ultich Noethen, Sonja Gerhardt, Maria Schrader, Sylverster Groth, Alexander Breyer, Lisa Tomaschewsky, Carine N. Wiese
8 episódios

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