11 de ago. de 2015

Review: “Divertida Mente” é o melhor Pixar em anos, e um dos melhores filmes de 2015

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por Caio Coletti

Há uma infinidade de razões pelas quais a Pixar é a força dominadora do seu nicho do mercado há quase duas décadas, mas talvez a maior delas seja o fato de que a produtora um dia comandada por John Lasseter (ocupado, agora, com a Disney Animation) não se limita a fazer boas animações. Dessas, Hollywood está cheia, para os gostos mais excêntricos (Festa no Céu, Os Boxtrolls) até os mais convencionais (Cada um na Sua Casa, Meu Malvado Favorito) – e não há nada de errado com nenhuma dessas criações. O que a Pixar faz, no entanto, é mais cinema que todas elas. É mais realização visual, mais cuidado com a narrativa, mais entrelaçamento dessas duas coisas em um todo coerente em que cada elemento possui um significado e nada se qualifica como “gordura extra” para agradar o público infantil (nos filmes da Pixar, por exemplo, o “alívio cômico” da história raramente serve apenas para essa finalidade, muitas vezes se provando o verdadeiro coração da trama – vide Procurando Nemo). É clichê dizer que a companhia-parente da Disney triunfa porque faz filmes que os pais podem curtir tanto quanto seus filhos, mas é bacana pensar que o porquê de ser assim reside na capacidade da Pixar de perceber que uma boa história, contada de forma criativa, interessante e cinemática, não tem faixa etária.

Divertida Mente é um bem-vindo retorno dessa Pixar confiante de si mesma que parecia meio perdida por aí desde Up, lá em 2009. Não por coincidência, o novo filme divide com a história de Carl Fredricksen e companhia um diretor (Pete Docter, que também assinou Monstros S.A.), que faz o mesmo trabalho incansavelmente inventivo aqui que marcou suas outras investidas nos filmes da empresa. Cada ideia em Divertida Mente é integralmente realizada e explorada em tela, um verdadeiro feito para um filme que, com 94 minutos de metragem, precisa nos apresentar um mundo completamente novo, construído para refletir teorias psicanalíticas sobre o funcionamento real da nossa mente. A capacidade de dar à luz a uma representação visual que é instintivamente compreensível ao mesmo tempo que tremendamente complexa é uma das muitas hercúleas vitórias que Divertida Mente, mesmo com sua duração diminuta, consegue arquivar. Num mundo justo, a mão firme e a sabedoria visual de Docter o renderiam uma indicação ao Oscar no ano que vem pelo trabalho de direção – mas todos nós sabemos que não é bem assim.

A trama do filme acompanha Joy (voz de Amy Poehler no original), a representação da alegria dentro da mente de Riley (Kaitlyn Dias), uma pré-adolescente que se muda com os pais da idílica vida no Meio-Oeste americano para uma vizinhança suja em San Francisco. Por 11 anos, Joy tem comandado os procedimentos dentro da cabeça da menina, criando memórias felizes e fundamentos saudáveis e simples para a personalidade dela – com as emoções conturbadas da mudança, no entanto, e os conflitos financeiros dos pais (Diane Lane e Kyle MacLachlan), a coisa começa a mudar de figura. Depois de um desentendimento com Sadness (Phyllis Smith, escolha perfeita), representante da tristeza na mente da menina, Joy e a antagônica companheira vão parar por acidente fora da sala de controle, e precisam fazer seu caminho de volta juntas. Enquanto isso, Fear (o Medo, feito por Bill Hader), Disgust (“Nojinho”, com a voz de Mindy Kaling) e Anger (Raiva, encarnado por Lewis Black) ficam no comando – o que só resulta em verdadeiras catástrofes. O coração do filme está na interação entre Joy e Sadness, e na jornada que dividem entre si e com o abandonado amigo imaginário de infância de Riley, Bing Bong (Richard Kind), que faz às vezes de personagem coadjuvante heróico/trágico da história.

Em seu cerne, Divertida Mente é uma história dolorosamente honesta sobre amadurecimento, como foram as melhores partes de Toy Story 3, mas não precisa apelar para o saudosismo e a nostalgia do espectador, que havia acompanhado Woody e cia. desde a infância do seu dono Andy, para emocionar. As mudanças que  vão acontecendo alegoricamente dentro da cabeça de Riley vão parecer familiares para qualquer um que já passou pelo final da infância e a transição para a adolescência, incluindo a realização amarga (mas ultimamente bela) de que o mundo não é tão cor-de-rosa quanto achamos que ia ser, e que nossos pais são tão falhos e humanos quanto nós. DIvertida Mente até brinca um pouco com isso, nos levando por pequenos instantes, e sem demagogia moral, para dentro das mentes dos adultos da história, cujo funcionamento é bem diferente daquele que vemos no de Riley. O filme ainda ensina, no que sem dúvida é uma das mensagens mais positivas em filmes infantis em um bom tempo, que a tristeza é tão valiosa para a nossa formação quanto a alegria – e que a mistura das duas, uma constante na complicada vida adulta, pode produzir algo ainda mais valioso.

Em uma cena particularmente pontual, Joy é incapaz de animar, mesmo com seu infinito otimismo, o chateado Bing Bong, que percebeu ter sido quase completamente esquecido por Riley. Sadness, por sua vez, ouve os pesares do personagem, age de forma compreensiva e permite que ele sinta integralmente a decepção e o gosto amargo daquela realização. Divertida Mente é um filme infantil que nos diz (e todos nós precisamos ouvir isso) que é ok estar triste, e que às vezes é preciso está-lo para ser verdadeiramente feliz – essa mistura de sensações agridoce é a matéria mais comum da vida de todo mundo, e é também uma maneira espetacular de contar uma história. A Pixar conseguiu de novo: ultrapassou as barreiras de gênero e entregou uma das melhores peças, live-action ou animação, de cinema do ano.

✰✰✰✰✰ (5/5)

insideout

Divertida Mente (Inside Out, EUA, 2015)
Direção: Pete Docter, Ronaldo Del Carmen
Roteiro: Meg LeFauve, Josh Cooley, Pete Docter
Elenco: Amy Poehler, Phyllis Smith, Richard Kind, Bill Hader, Lewis Black, Mindy Kaling, Kaitlyn Dias, Diane Lane, Kyle MacLachlan, Frank Oz
94 minutos

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