por Caio Coletti
(Twitter – Tumblr)
No Tumblr que usou por um curto período de tempo (este, para quem não conhece), Lady Gaga postou certa vez uma foto encabeçando a seguinte citação, presumidamente de autoria própria: “Na moda, você sabe que foi bem-sucedido quando há um elemento de inesperado. No pop, você sabe que foi bem-sucedido quando há um elemento de crime”. Trata-se de uma premissa interessante para se pensar, especialmente vinda de quem mais compreende, hoje em dia, a essência da arte pop.
Não é preciso radicalizar, para começo de conversa. Quando uma obra pop vem ao mundo, está destinada a superexposição midiática e social, e há muito mais coisas que a nossa sociedade qualifica como “crime” do que parece, a primeira vista. Sexo, por exemplo. Não é brincadeira. Mesmo 20 anos depois do Erotica, falar abertamente de sexo e, especialmente, com insinuações sadomasoquistas, ainda é um tabu. Ou há algum outro motivo (não-musical) para "S&M" existir?
O “elemento de crime” consiste em nada mais do que sutilmente explorar o que o âmbito social considera (aberta ou implicitamente) como ilícito. Não é preciso, sempre, atirar a trangressão na cara do público, embora isso também funcione muito bem, obrigado – que o diga a própria Gaga e seu brilhantemente polêmico "Alejandro", que lida com religião e homossexualidade em 8 minutos fabulosos. E não venham me dizer que não há elemento de crime nenhum aí: falar sem amarras de religião ainda é garantia de comprar briga com aqueles que querem que os princípios da sua sejam a lei universal, e a cultura de massa, por incrível que pareça, ainda não absorveu a homossexualidade (a “música gay” continua sendo, mesmo que cada vez menos, um nicho restrito e pouco pensado no mainstream).
Mas por quê toda essa discussão, afinal? Explico: este que vos fala foi recentemente ao cinema assistir Katy Perry: Part of Me, o filme que documenta a carreira da cantora e compositora americana e registra shows de sua turnê, California Dreams Tour. Vamos a alguns fatos: eu não sou o maior fã de Katy Perry que você vai encontrar por aí, e eu saí da sessão de Part of Me respeitando muito mais a moça como artista do que quando entrei.
Para começar, ela compõe. E não compõe mal. Em depoimento no filme, a própria Adele reconhece os feitos compositivos de Katy, e de fato é raro o faro que a cantora tem para refrões grudentos e potenciais hits, sem perder a pegada Alanis Morissette que, segundo a própria Katy conta, foi a inspiração inicial para sua carreira musical. Além de compor, apesar das críticas, a americana sabe cantar. Não brilhantemente, mas só lhe falta voz, mesmo, quando é para cantar “Firework”. Mas são poucas as vozes que não faltam quando o assunto é essa canção.
Por fim, o “elemento de crime” aparece algumas vezes no decorrer de Part of Me. Especialmente durante "Who Am I Living For?" (o link é para a música, uma vez que a performance do filme não está disponível no YouTube), vestida de preto e amarrada a cordas manipuladas por seus dançarinos. Katy insinua o bondage, técnica do universo do sado-masoquismo, ao mesmo tempo em que casa a performance com a letra. “Eu posso sentir uma fênix dentro de mim enquanto marcho sozinha ao som de outra batida”, ela canta, introduzindo mais conflito e tabu ao se mostrar presa pelas expectativas da sociedade, amarrada no jogo sádico da indústria.
E, claro, há "I Kissed a Girl", definitivamente uma das melhores canções pop do nosso século até agora. Katy entra numa vibe Madonna na performance, se arrastando e jogando cabelo pelo palco, enquanto canta que “beijou uma garota e gostou”. Para uma garota católica que gravou um álbum de gospel, há elemento de crime maior que esse? Considere-se, ao menos uma vez, cara Katy, extremamente bem-sucedida.
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