28 de jan. de 2016

Review: "Spotlight" é um tributo ao jornalismo, e um choque de realidade

 
por Caio Coletti

Perto do final de Spotlight, o editor-chefe do Boston Globe, interpretado por Liev Schreiber (Ray Donovan) está revisando o texto de uma matéria importante junto de seus colegas de trabalho. Enquanto lê, o personagem de Schreiber risca com uma caneta algumas palavras na folha – “O quê?”, lhe pergunta Walter Robbinson (Michael Keaton), um dos jornalistas responsáveis pela investigação que resultou na tal matéria; “Adjetivos”, responde o editor. A atuação de Schreiber, que sempre se mostrou excelente em entender seus personagens, é discreta e minimalista como no filme todo, compondo em tela um jornalista não só crível (afinal, ele foi baseado em um personagem real), mas facilmente identificável. Spotlight é obcecado por esses pequenos detalhes, esses minúsculos vícios e procedimentos que fazem do jornalista o que ele é, e do processo tudo aquilo que não se é alardeado por aí – intenso, mas em muitos momentos quase corriqueiro; que exige coragem e percepção aguda, mas também paciência, minúcia e suor. Em termos de tributo a essa atividade profissional, poucos filmes se comparam a Spotlight nos últimos anos.

O diretor e roteirista Tom McCarthy (O Visitante), com a ajuda do co-escritor Josh Singer (O Quinto Poder), reconstrói a investigação, feita entre 2001 e 2002, por um grupo especializado de jornalistas do Boston Globe, sobre os casos de pedofilia e abuso sexual dentro da Igreja, e especialmente dentro das paróquias da cidade tradicionalmlente católica em que se encontravam. Os resultados a que eles chegam são chocantes, mas Spotlight faz com que eles cheguem a custo de muito trabalho – esse é o tipo de filme em que a descoberta e exaustiva leitura de um registro de padres da Igreja católica e a descoberta de termos usados neles para denotar padres afastados por incidentes de abuso se torna um desenvolvimento de trama excitante. Temperado com cenas de seus protagonistas construindo uma base de confiança com as fontes mais importantes (especialmente o advogado armênio feito, com a maestria de sempre, por Stanley Tucci), e de nossos repórteres batendo de porta em porta fazendo perguntas delicadas a respeito de casos de abuso sexual, Spotlight é um procedural que poderia ser entediante, se não tivesse tanta paixão pela atividade que retrata, pelos personagens que constrói, e pela importância da informação que traz.


O filme de McCarthy é também um que leva muito a sério as consequências dos acontecimentos que retrata. O roteiro não alivia a angústia contida na forma como cada um dos nossos protagonistas, religiosos ou não, vêem sua fé ou falta de fé afundar frente aos fatos que estão descobrindo, e através deles nos deixa na boca o gosto amargo que também ficou, com certeza, em boa parte da comunidade católica ao descobrir o que sua Igreja escondia. O fato da investigação contida em Spotlight conter dados espantosos até hoje, 14 anos depois da reportagem original ser publicada, só sublinha o quanto a luta desses jornalistas e de cada um daqueles que eles entrevistaram para apurar seus fatos precisou continuar muito depois do resultado final ganhar as páginas do Boston Globe. Spotlight não nos dá muito insight na vida pessoal dos seus protagonistas, mas faz o bastante para mostrar que seus status de jornalistas não ficam só no espaço da redação do jornal, e que em muitos sentidos aquela missão que eles abraçam no trabalho lhes define para muito além dele.

McCarthy também escapa de glorificar seus protagonistas ou colocá-los em um pedestal. Com uma revelação pertinho do final do filme, Spotlight é bem aberto ao definir a atividade jornalística como um “passeio no escuro”, e seus praticantes como seres humanos passíveis de falhas, hipocrisias e falhas e caráter, como todos nós. É por essa humanidade que o filme, e especialmente o seu elenco, brilha tanto e com tal realismo – a performance detalhista e geniosa de Keaton como o chefe do time de repórteres investigativos que faz a matéria desenha um arco de personagem mais claro; mas o destaque provavelmente é a impressionante atuação de Mark Ruffalo, incorporando os maneirismos e o crescente exasperamento de seu personagem com bravura e comprometimento. O restante do elenco brilha com a harmonia de um time, em papeis grandes ou pequenos – McAdams, indicada ao Oscar pelo trabalho, não é um destaque especial do filme, mas cumpre sua função nele com brilhantismo.

Spotlilght é preciso em seu retrato da cidade de Boston como uma comunidade fechada em que a proteção à Igreja Católica (e da Igreja Católica) significa muito, e da hipocrisia de tantos que simplesmente e fazem vista grossa, enquanto cumprindo as obrigações do seu trabalho, para aquilo que está acontecendo bem a sua frente. É devastador em sua abordagem do significado da religiosidade, e das cicatrizes que a quebra dessa fé e o abuso físico podem deixar nas pessoas. É realista, profissional e hercúleo em seu comprometimento com o procedimento jornalístico. E é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes filmes de 2015 – uma grande história, dessa importância, sendo contada com tamanha competência, sempre vai ter um lugar garantido em qualquer lista de melhores do ano.

✰✰✰✰✰ (5/5)


Spotlight: Segredos Revelados (Spotlight, EUA, 2015)
Direção: Tom McCarthy
Roteiro: Josh Singer, Tom McCarthy
Elenco: Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams, Liev Schreiber, John Slattery, Brian d’Arcy James, Stanley Tucci, Paul Guilfoyle, Billy Crudup
128 minutos

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