24 de jan. de 2016

Review: "Brooklyn" é um belo retrato da imigração, e uma peça de cinema ainda maior que sua estrela


por Caio Coletti

É fácil subestimar Brooklyn. Seja por sua história açucarada, repleta de romance; pela protagonista inicialmente inocente, advinda de uma cidadezinha no meio do nada (ou melhor, da Irlanda); ou pela visão utópica que mantem da América, uma terra de oportunidades como sempre é comercializado que ela seja. Há no filme do diretor John Crowley (Rapaz A), no entanto, uma profundidade, um discurso, uma importância e, mais marcantemente, uma sensibilidade extraordinária. Brooklyn adapta o premiado livro de Colm Tóibín sobre uma garota irlandesa que vai à Nova York nos anos 50 para encontrar oportunidades que inexistem para ela na cidadezinha natal, onde deixa a mãe e a irmã mais velha, esta última a patrocinadora da viagem. No ato de voltar no tempo e olhar para a experiência de Eilis, nossa heroína, como imigrante, Brooklyn provém comentário essencial sobre a forma como cada um de nós trata (e como eles, os americanos, tratam) aqueles que vem de além da fronteira.

Muitas resenhas neutralizam esse lado do filme de Crowley argumentando que Brooklyn é o relato da experiência de uma imigrante branca, europeia e cristã chegando à América, em oposição aos imigrantes árabes, do Oriente Médio e muçulmanos que tantos países da Europa e do mundo todo tem barrado ou acolhido hoje em dia. No entanto, o efeito dessas diferenças, que não devem ser ignoradas, é só sublinhar e reforçar a intenção e a profundidade do comentário social – porque para Eilis a América é uma terra onde sonhos podem se realizar, e para essas centenas de milhares imigrantes orientais (e mexicanos, diga-se de passagem) não? Brooklyn resgata uma época e uma circunstância em que Nova York, e os EUA, serviram o mote de acolhimento e oportunidade que sempre fez parte do seu orgulho e de sua identidade nacional, recebendo jovens e imbuindo-os do espírito de confiança em si mesmos que vem de agarrar seus objetivos sozinho. Quer nos lembrar da beleza desse ideal de forma completa, com os espinhos e as belas pétalas que nascem dele, e faz isso lindamente.

Nisso, o trabalho de adaptação de Nick Hornby se mostra excelente. Ele mesmo um novelista, tendo escrito os livros que geraram Alta Fidelidade e Um Grande Garoto, Hornby recentemente tem se dedicado a levar o trabalho de outros artesãos da palavra para a tela.  Aqui, ele transforma a prosa de Tóibín em uma narrativa encantadora se de acompanhar, mantendo o diálogo afiado, surpreendendo o espectador emocionalmente a cada esquina, e desenhando a jornada da personagem principal com maestria, mesmo que sem muitos floreios de poesia. Em muitos momentos, a história e o carisma de Eilis como personagem falam por si só, e Hornby é sábio o bastante para deixar que isso aconteça – o resultado é uma bela narrativa que lida encantadoramente com a interação entre as mulheres, sem vilanizar nenhuma delas ou desenhar rivalidades mesquinhas, além de uma angustiantemente bela reprodução dos sentimentos e das particularidades de encontrar e construir uma vida longe de casa. Em certa cena, Eilis escreve numa carta para a irmã, assim que as coisas começam a parecer melhores para ela em Nova York: “Before, by body was here, but my heart was in Ireland. Now, it’s halfway across the ocean”.


Para sustentar essa confiança que Brooklyn ostenta na própria história e na própria protagonista, Eilis precisava mesmo de uma atriz como Saoirse Ronan. Superlativa em todos os sentidos, a jovem estrela que ganhou a primeira indicação ao Oscar aos 14 anos por Desejo e Reparação (e a segunda agora, por esse filme) ganha a simpatia do espectador imediatamente, mas não sacrifica o trabalho de personagem para isso, aproveitando que o diretor Crowley lhe dá espaço para trabalhar (vários takes estendidos apenas observam a expressão no rosto de Eilis) para entregar uma atuação vivaz e alerta, sempre em contato com o mais trágico e o mais belo na história que está contando. Um dos momentos mais notáveis do começo do filme, e talvez a cena mais fundamental em nos envolver na história de Brooklyn, acontece quando Eilis, ainda na Irlanda, vai para um último baile com sua melhor amiga, Nancy, que logo consegue o par que almejava para dançar. Assim que a amiga se afasta com a nova conquista, passamos um tempo com Eilis, com a câmera concentrada em seu rosto – Saoirse a faz dardejar os olhos pela sala, considerar tudo ali que lhe soa como insuficiente ou desconfortável, e mesmo assim a esmagadora noção do quanto ela vai sentir falta de tudo aquilo. Nós, espectadores, simplesmente assistimos, por alguns segundos, um personagem pensar (não interagir, ou conversar, ou monologar, mas pensar), e nas mãos de Ronan isso se torna um espetáculo arrepiante.

Temperado por um trabalho belíssimo de trilha-sonora de Michael Brook (As Vantagens de Ser Invisível), que destaca com elegância os toques emocionais do filme, sem sentir vergonha ou fugir do apelo deles, Brooklyn é um romance encantador, um drama familiar e de amadurecimento ainda mais espetacular, e um lembrete agridoce e clássico da proposta do sonho americano – por consequência, é também uma contestação sutil do porquê ele não funciona para todo mundo. É um filme cuja fé na narrativa é charmosamente antiquada, mas cujo ponto de vista é refrescantemente moderno. E é um pedaço de cinema de tirar o fôlego, completo em sua ambição, em sua execução e no impacto que causa no espectador.

✰✰✰✰✰ (4,5/5)



Brooklyn (Irlanda/Inglaterra/Canadá, 2015)
Direção: John Crowley
Roteiro: Nick Hornby, baseado na novela de Colm Tóibín
Elenco: Saoirse Ronan, Emory Cohen, Domhnall Gleeson, Jim Broadbent, Julie Walters, Fiona Glascott
111 minutos

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