10 de jan. de 2016

Por que precisamos de mais premiações como o Globo de Ouro?


por Caio Coletti

Este que vos fala passou bem longe de acertar as previsões para o Globo de Ouro de ontem (domingo, 10). Como dá para ver nessa matéria, que publiquei em outro site para o qual colaboro, eu dava Carol como o filme vencedor na categoria dramática, A Grande Aposta como o dono da estatueta em comédia, e uma série de outros equívocos. Hoje em dia, como qualquer pessoa que acompanha de perto o mundo do cinema pode dizer a vocês, caros leitores, nós não fazemos mais apostas com base no que gostamos mais, ou no que achamos que é mais digno de vitória. Nós fazemos apostas baseados nas críticas de terceiros sobre os filmes (os formadores de opinião, os trend-setters), e especialmente com base na qualidade “acadêmica” de uma obra, o que implica uma série de preconceitos quanto ao gênero do filme/série, quanto a determinados recursos de linguagem usados por ele, quanto à história que conta e aos nomes que tem atrelados a si. Não nos culpe – gato escaldado tem medo de água fria, e a previsibilidade das preferências e comportamentos dos votantes de grandes prêmios nos deixou cínicos.

Nesse contexto, dizer que o Globo de Ouro é uma premiação imprevisível deveria mesmo ser visto como algo ruim? Comportamento imprevisível para um prêmio de perfil elevado dentro da temporada de premiações da forma como a conhecemos hoje é indicar obras de nichos e gêneros que fogem do drama acadêmico, do eventual épico de guerra, da comédia “classuda” e “inteligente”. Comportamento imprevisível é reconhecer talento e excelência em lugares que não são tradicionalmente antros de talento e excelência, como serviços de streaming que não são o Netflix, por exemplo; ou mesmo a The CW, amada pelo público adolescente mas notoriamente ignorada pelos Primetime Emmys. Daí não se presume indicar, apenas por indicar, coisas ruins – presume-se, no entanto, contemplar o volume de produção cinematográfica e televisiva atual de forma mais completa e interessante do que os prêmios mais tradicionalistas, como o Oscar e o Emmy notavelmente são, conseguem.


Em resumo: nós precisamos de mais premiações como o Globo de Ouro. Precisamos de mais premiações que coloquem sobre os holofotes uma protagonista jovem e latina como Gina Rodriguez, que venceu o prêmio de Melhor Atriz em Série de TV – Comédia/Musical no ano passado por Jane the Virgin e foi novamente indicada esse ano (no Emmy, nada). Elogiada quase universalmente pela crítica por sua atuação, Gina é o símbolo do renascimento da The CW como um local de comédias espertas e produções de gênero (ficção científica, ação, super-heróis, dramas históricos) interessantes. Na cerimônia de ontem a noite, a vencedora na categoria em que Gina Rodriguez triunfou no ano passado foi Rachel Bloom, que protagoniza Crazy Ex-Girlfriend, uma muito celebrada comédia musical do canal. É um bicampeonato para a The CW, e é o triunfo de uma série estreante – criada, escrita e protagonizada por uma comediante de apenas 29 anos. É uma escolha vital, que incentiva inovação, experimentação e produção fora dos padrões na TV, e é um prêmio que o Emmy jamais daria (e provavelmente não dará, quando a hora chegar mais para o meio do ano).

Precisamos de mais premiações que indiquem uma performance espetacular como a de Eva Green em Penny Dreadful, independente do fato da série escrita por John Logan (Skyfall) ser uma produção de nicho muito específico, que lida com tramas sobrenaturais, horror e kitsch sem um pingo da ironia velada de American Horror Story, por exemplo. Precisamos de mais premiações que apurem os ouvidos para além de um sotaque criticado e não liguem para ver uma performance com legendas como Narcos e seu protagonista, o brasileiro Wagner Moura. Não contar com a inclusão do ator nacional nos indicados ao Emmy talvez seja uma boa ideia – as tendências xenofóbicas das grandes premiações do circuito (Emmy, Oscar, Grammy) sempre ficaram muito claras. Não dá para dizer que o Globo de Ouro é um panorama perfeito para a produção televisiva ou cinematográfica mundial, visto que ainda vive nele aquela eterna contradição de se declarar um dos maiores prêmios de cinema do mundo e contemplar, em esmagadora maioria, apenas produções americanas. Mas dá para dizer, tranquilamente, que ele pinta um retrato mais completo do que os dois “peixes grandes” da temporada.

Para que eu não seja acusado de manter os exemplos só no mundo da televisão, ficam aqui alguns outros: a indicação de Mad Max: Estrada da Fúria e seu diretor, George Miller, quebrando o histórico preconceito que as premiações “de prestígio” tem com filmes grandes (financeiramente) e filmes de ação; a vitória do épico O Regresso sobre o drama acadêmico Carol, mesmo que talvez não seja a mais merecida, contempla um cinema mais raramente visto e ouvido pelas premiações; a vitória de Perdido em Marte, uma ficção científica, numa das principais categorias, e a indicação de comédias mais francas e rasgadas, como A Espiã que Sabia de Menos e Descompensada, para as grandes disputas; Taraji P. Henson levando o prêmio pela atuação em Empire, uma série celebrada que ficou a ver navios no Emmy por sua abordagem mais “novelesca” ao drama dos personagens – a questão é que Empire funciona, é importante, e a atuação de Taraji é uma das tour de forces mais impressionantes da TV americana no momento.


Ainda teve a vitória de Mr. Robot e Christian Slater, uma série estreante que quebra convenções e se localiza em um gênero pouco visto nas premiações (thriller tecnológico), e um ator relegado ao esquecimento desde o final dos anos 90; o triunfo de Sylvester Stallone, aplaudido de pé pelo público, por sua atuação em Creed, um filme esportivo, pertencente a uma série que perdeu o “prestígio” ao se tornar popular, depois das indicações do primeiro filme ao Oscar; a indicação de Alicia Vikander pelo papel de uma andróide em Ex-Machina (é preciso explicar o quanto a ficção científica foi ignorada pelas premiações desde sempre?); e, por que não, o prêmio concedido à Lady Gaga que, e eu falo isso como jornalista, não como fã, não entrega a atuação mais convencionalmente premiável em AHS: Hotel, mas encontra uma sintonia com a atmosfera e a proposta da série de Ryan Murphy que poucos atores conseguem encontrar, e entende sua personagem através de uma sensibilidade teatral que dá frutos em tela. Sua Condessa não é uma performance digna de Meryl Streep, mas é um bom trabalho, e como tal, deveria sim ter sido reconhecido – com a vitória, como foi, ou mesmo só com a indicação.

Nós precisamos de mais premiações com o Globo de Ouro. E não é que queremos, ou que poderíamos ter – nós precisamos, desesperadamente. Não é uma festa perfeita, e as polêmicas do merecimento de uma ou outra categoria sempre vão pairar no ar, mas é a única das grandes cerimônias da temporada de premiações que realmente se esforça para reconhecer que qualidade não vem dentro de uma caixinha, nem sob medida. Que excelência não existe dentro de só um molde, e que talento significa transbordar as exigências mesquinhas de uma categoria “oscarizável” ou “acadêmica” e criar arte que obedece apenas e somente às próprias regras. Só no Globo de Ouro temos o gostinho de reconhecer que existem grandes performances e grande valor no terror, na comédia, na ficção científica, na ação, na produção feita para o público jovem (adolescentes e pós-adolescentes), até nos blockbusters de Hollywood, veja só! Como quase tudo no nosso mundo, aliás, nós precisamos de uma temporada de premiações com menos preconceito, em todos os sentidos – e a única que está no caminho certo para isso, por enquanto, é o Globo de Ouro.

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