22 de jan. de 2016

10+ filmes que Sundance 2016 vai ver (e você também deveria)

 
por Caio Coletti

Todos os anos, lá pelo mês de Maio, nós aqui d’O Anagrama puxamos um pouco o saco do Festival de Cannes, com o nosso postzinho anual de 10 filmes imperdível da seleção do festival francês. O que nos passou relativamente despercebido até agora é que existe outra festa do cinema que precisa ser notada e merece o mesmo tratamento. Sundance acontece desde 1978, em uma cidadezinha de Utah, no coração dos EUA – já é o maior festival de cinema independente americano, e a cada ano que passa a sua seleção de filmes de outros países e documentários ganha mais destaque. Acompanhar a seleção de Sundance é invariavelmente encontrar algumas pérolas indies sobre as quais falaremos o ano todo, e é a oportunidade de conhecer, também, talentos emergentes que podem estar borbulhando por baixo do radar de Hollywood. Em tempos de Oscar, é bom lembrar que existe (muito) mais cinema por aí do que o que a Academia escolhe reconhecer.



The Birth of a Nation (Nate Parker, EUA)

Nate Parker ganhou destaque na indústria como ator, em papéis coadjuvantes em Sem Escalas e Amor Fora da Lei, além do papel principal no drama romântico Nos Bastidores da Fama, elogiado filme da diretora Gina Prince-Bythewood (A Vida Secreta das Abelhas) de 2014. A estreia do moço na direção em The Birth of a Nation, no entanto, tem arrancado mais entusiasmo da crítica do que qualquer coisa que ele fez na frente das câmeras – “emprestando” o título do filme de D.W. Griffith de 1915, considerado um clássico inovador por sua contribuição para a técnica do cinema e da narrativa, mas amplamente condenado como uma história racista que transforma em heróis os integrantes da Ku Klux Klan, Parker dirige, escreve e protagoniza a história de um ex-escravo que, em 1831, tenta libertar outros cidadãos negros que estão submetidos à escravidão na Virginia, estado conservador dos EUA.

É uma história real, daquela que é considerada a rebelião de escravos mais bem-sucedida da história americana. No elenco, destacam-se Gabrielle Union (Being Mary Jane), Armie Hammer (O Cavaleiro Solitário), Penelope Ann Miller (O Artista) e Jackie Earle Haley (Watchmen).




Christine (Antonio Campos, EUA)

A história de Christine Chubbuck ficou conhecida mundialmente em 1974, quando ela desferiu um tiro na própria cabeça durante uma transmissão ao vivo do programa que comandava em uma pequena emissora da Flórida, nos EUA. Assolada pela depressão desde jovem, Christine tinha apenas 30 anos, e as muitas declarações de sua família e de seus colegas de trabalho desde então fizeram crer que a absoluta solidão afetiva, a dificuldade social e as pressões do trabalho a levaram ao ato. O filme Christine, dirigido por Antonio Campos (Simon Killer) e escrito por Craig Shilowich (Rio Congelado), foca na psique dessa personagem real perturbadora e engimática, além de sublinhar o papel da desmoralização do trabalho e dos esforços da repórter em fazer do Suncoast Digest, programa que apresentava, um pedaço sério e comprometido de jornalismo, enquanto a emissora pedia por histórias mais “suculentas” e “sangrentas” para atrair audiência.

Rebecca Hall, que já provou suas capacidades na minissérie Parade’s End e em Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen, aceitou o desafio de encarnar Christine; enquanto isso, Michael C. Hall (Dexter) co-estrela na pele do colega de trabalho, e uma paixão não-correspondida da jornalista, George Peter Ryan.




Goat (Andrew Neel, EUA)

Segundo filme de ficção do também documentarista Andrew Neel (Darkon), Goat é chamado, na descrição provida pelo próprio site do Festival de Sundance, de “parte neorrealismo, parte filme de horror” e “uma experiência cinematográfica tão importante quanto é brutal”. Apoiada na experiência do diretor com documentários, o filme se apóia firmemente no realismo para contar a história de um garoto de 19 anos (Ben Schnetzer, de Pride) que, depois de um ato de violência cometido contra ele, entra na faculdade e se alia a mesma “irmandade” de seu irmão mais velho, interpretado por ninguém menos que Nick Jonas. O que se segue é uma exploração dos aspectos mais violentos e brutais do que aprendemos a convencionar, na sociedade, como “a identidade masculina”. É um filme acusatório pela mera verdade que expõe, e parece ser uma experiência cinematográfica interessante.

No elenco também o jovem Danny Flaherty, que se destacou com um papel coadjuvante em The Americans. Um dos responsáveis pelo roteiro, por sua vez, é David Gordon Green, que já dirigiu filmes elogiados como Joe, além do recente Especialista em Crise.



As You Are (Miles Joris-Peyrafitte, EUA)

Filmes de amadurecimento com pré e pós-adolescente são um artigo tão frequente em Hollywood que é uma surpresa que eles não sejam um mote batido. Como As You Are prova, no entanto, há sempre novos e interessantes meios de se olhar para essa eternamente fascinante fase da nossa vida – passado durante os anos 90, o filme de estreia do diretor/roteirista Miles Joris-Peyrafitte foca em três amigos que se consideram outsiders na escola em que estudam. O filme nos conta a história dessa explosiva relação de amizade e afeição através do ponto de vista de cada um dos três protagonistas, construindo um quebra-cabeças de memórias através de seus depoimentos para uma investigação policial. Os atrês adolescentes são feitos pelos jovens talentos Owen Campbell (excelente na segunda temporada de The Americans), Charlie Heaton (Stranger Things) e Amandla Stenberg (Jogos Vorazes).

O filme, uma exploração em longa-metragem da premissa que já rendeu o curta As a Friend, do diretor Peyrafitte, ainda conta com performances coadjuvantes fortes de Scott Cohen (Allegiance) e Mary Stuart Masterson (Tomates Verdes Fritos).




Lovesong (So Yong Kim, EUA)

Uma das recentes queridinhas de Sundance, a diretora/roteirista asiático-americana So Yong Kim já está no seu terceiro filme selecionado pelo festival. Ou seja, é uma boa ideia prestar atenção à moça, de 48 anos, que já entrou por lá com In Between Days (2006) e For Ellen (2002) – a bola da vez é o drama Lovesong, a história de duas amigas que, quando saem para uma roadtrip improvisada juntas, descobrem uma nova dimensão de afeição no relacionamento entre elas. O problema é que uma delas não sabe lidar com esses novos sentimentos, e as duas acabam se afastando até 3 anos depois, quando uma delas está de casamento marcado. Riley Keough (Mad Max) entrega uma performance elogiada ao lado da co-protagonista Jena Malone (Sucker Punch), e o resumo provido pelo festival garante que, em Lovesong, “silêncio e olhares contam uma história mais completa do que diálogo explicito”.

O elenco, estrelado para os padrões de Sundance, inclui Brooklyn Decker (Battleship), Ryan Eggold (The Blacklist), Rosanna Arquette (Pulp Fiction), Amy Seimetz (Upstream Color) e até o diretor Cary Joji Fukunaga, conhecido por comandar a primeira temporada de True Detective.




Swiss Army Man (Dan Kwan, Daniel Scheinert, EUA)

Conhecidos pelos trabalhos em videoclipes, o duo formado por Dan Kwan e Daniel Scheinert (ou simplesmente “The Daniels”) marcaram muitos espectadores com obras como "Don't Stop", do Foster The People, e "Cry Like a Ghost", do Passion Pit. A estreia dos dois na direção e roteiro de um longa-metragem promete trazer a mesma carga de criatividade e energia dos clipes, contando a história improvável de um homem perdido em uma ilha deserta que, logo antes de perder as esperanças, vê um cadáver sendo carregado pelo mar para o litoral. Munido de seu novo “amigo” de uma série de recursos improváveis, a dupla parte em uma saga para levar o protagonista de volta para a mulher de seus sonhos.

No elenco tem Paul Dano (Pequena Miss Sunshine), Daniel Radcliffe (Harry Potter) e Mary Elizabeth Winstead (Scott Pilgrim), todos encarnando papeis que podem muito bem ser os mais improváveis de suas carreiras. A descrição do festival saúda o filme como “uma celebração das maravilhas e oportunidades oferecidas pelo cinema”.




Joshy (Jeff Baena, EUA)

Uma comédia dramática delicada e que não tem medo de cutucar o ego e a fragilidade masculina, Joshy chega à Sundance prometendo ser uma lufada de ar fresco em meio aos dramas mais pesados do festival. A história acompanha o personagem-título, cujo noivado termina bruscamente, dias antes da data em que o casamento estava marcado. Joshy resolve aproveitar a festa já marcada de despedida de solteiro mesmo assim, levando os poucos amigos que ainda se dispõem a ir com ele – o problema é que, concentrados em suas drogas e seus hook-ups, os tais amigos se recusam a endereçar o elefante branco que é a separação de Joshy, e conforme convidados desejáveis e não-desejáveis vão chegando e partindo, o protagonista vai ter que encontrar algum tipo de conclusão para essa etapa da sua vida.

Thomas Middleditch (Sillicon Valley) faz o protagonista, enquanto o elenco coadjuvante está lotado de talento cômico, como Adam Pally (Happy Endings), Nick Kroll (The League), Jenny Slate (Obvious Child), Lauren Graham (Gilmore Girls), Aubrey Plaza (Parks and Recreation), Joe Swanberg (O Último Sacramento), Alison Brie (Community) e Jake Johnson (New Girl).



Other People (Chris Kelly, EUA)

Um roteirista de longa data do Saturday Night Live e de séries como Broad City, Chris Kelly estreia na direção e roteirização de um longa-metragem com a história muito pessoal de um personagem que se parece muito com ele. David, o protagonista de Other People, é um escritor de comédia iniciante que se muda de Nova York de volta para sua cidade do interior dos EUA, a fim de ajudar a mãe, que está gravemente doente. Vindo do fim de um relacionamento, David se sente um peixe fora d’água, agora, com o seu pai ultra-conservador e suas irmãs mais novas – e, apesar da deterioração do estado da mãe, tenta convencer a todos (e a si mesmo) que está “indo tudo bem”. Nas palavras dos organizadores do festival, o filme de Kelly é especial porque captura a importância de pequenos momentos na dinâmica familiar, e todo o espectro de emoções que só um dia com a sua família pode trazer.

Jesse Plemons (Fargo) estrela, com Molly Shannon (Wet Hot American Summer) entregando uma performance celebrada como sua mãe, e Bradley Whitford (Trophy Wife), June Squibb (Alaska) e Paul Dooley (Insônia) completando o elenco.




Southside With You (Richard Tanne, EUA)

Southside With You é a crônica de uma tarde significativa de 1989, quando um estudante de direito de Harvard marcou um encontro com uma advogada da firma em que ambos trabalhavam. O nome dela era Michelle Robinson, e o dele Barack Obama – e apesar da pretensão para o “encontro” ter sido um evento de caridade no qual ambos deveriam comparecer pela empresa, logo fica claro que o fumante de voz suave que Michelle nunca notou na firma de advocacia está tentando impressioná-la. O épico primeiro encontro desses dois personagens significativos para a história americana é contado com habilidade e consciência pelo diretor de primeira viagem Richard Tanne, tomando muitas liberdade poéticas mas captando a essência dessas duas pessoas, iguais em poder, personalidade, ambição, intelecto e idealismo.

Tika Sumpter (The Haves and Have Nots) e Parker Sawyers (A Hora Mais Escura) estrelam em Southside With You, um filme importante para ponderar a significância desse e de tantos outros momentos para a história, principalmente agora que o segundo mandato de Obama está acabando.




Spa Night (Andrew Ahn, EUA)

O diretor Andrew Ahn estreia em longas-metragens com o promissor Spa Night, que coloca luz sobre uma comunidade pouco vista no cinema (a dos imigrantes coreanos nos EUA, especialmente em Los Angeles), e ainda os confronta com a cultura gay ocidental e as novas configurações familiares que se organizam no mundo todo. Na história, um jovem consegue trabalho em um spa para ajudar sua família, em crise financeira quando o restaurante do qual eram donos vai à falência – lá, ele descobre um submundo de sexo gay e possibilidades de relacionamentos novos que o assustam e o excitam ao mesmo tempo. Em casa, o pai machista não admite que a mãe, que conseguiu rapidamente um emprego como garçonete, seja a provedora de dinheiro para a família.

Joe Seo (Férias Frustradas) encara o difícil papel principal, enquanto Haerry Kim (Law & Order) interpreta a mãe. A descrição do festival diz que o diretor estreante Ahn, “assim como o seu protagonista, está à beira de um desenvolvimento incrível”.


Menções honrosas:

- White Girl (Elizabeth Wood, EUA): Uma garota branca e de classe privilegiada se apaixona, em meio à diversão regada a drogas das suas férias de verão, por um traficante de drogas porto-riquenho.

- Between Sea and Land (Carlos del Castillo, Colômbia): Um jovem com uma doença debilitante, preso em sua cama, sonha em visitar o mar, que se estende logo a frente de sua janela.

- Mi Amiga Del Parque (Ana Katz, Argentina/Uruguai): Uma jovem mãe se esforça para cuidar do filho recém-nascido enquanto o marido viaja a trabalho, encontrando no parque em que passei uma mãe solteira, de classe mais baixa, com a qual se conecta.

- The Lure (Agnieszka Smoczynska, Polônia): Uma família encontra duas sereias no litoral, que prometem não devorá-los. Elas se tornam vocalistas de uma nova banda no clube de dança local, mas a paixão de uma delas pelo baixista pode provocar consequências mortais.

- Sand Storm (Elite Zexer, Israel/França): Conflito de gerações em uma família muçulmana – enquanto prepara o casamento de seu marido com uma segunda esposa, Jalila descobre que sua filha mais velha, Suliman, está envolvida em um caso proibido com um garoto da universidade.

- Tallulah (Sian Heder, EUA): Uma moradora de rua (Ellen Page) “sequestra” o bebê de uma mãe negligente, e no desespero procura a única adulta responsável que conhece – sua ex-sogra (Alison Janney). Entrevista com a diretora aí embaixo.


Documentários:

- Audrie & Daisy (Bonnie Cohen, Jon Shenk, EUA): Duas garotas de idade escolar foram atacadas sexualmente por garotos que achavam ser seus amigos. Uma delas tirou a própria vida, e o filme acompanha a jornada da outra e sua descoberta sobre um caso tão semelhante ao seu.

- Author: The JT Leroy Story (Jeff Feuerzeig, EUA): Desmascarada em 2006, após 10 anos de atividade, Laura Albert publicou três celebradíssimos livros sob o pseudônimo JT Leroy – e enganou o público de tal forma, incluindo aparições públicas (conduzidas por uma atriz profissional) e amizades com grandes artistas e escritores, que seu caso até hoje caminha na linha tênue entre pseudônimo e fraude.

- Life, Animated (Roger Ross Williams, EUA): Aos três anos, Owen Suskind começou a aparesentar sinais de autismo – o único estímulo ao qual respondia eram os filmes da Disney. Um dia, seu pai perguntou a ele, com o boneco do papagaio Yago, de Aladdin, em mãos: “como é ser você?”. E Owen respondeu.

- Suited (Jason Benjamin, EUA): A empresa Bindle & Keep é uma alfaiataria inovadora – eles consideram a narrativa pessoal de cada um dos seus clientes para criar o terno perfeito, e não tem problemas em olhar para além dos gêneros binários.

- Holy Hell (Will Allen, EUA): Ao sair da faculdade, o jovem aspirante a cineasta Will Allen se juntou a um culto religioso – lá, filmou mais de 20 anos de acontecimentos chocantes e, mais tarde, da lenta deterioração e derrocada da seita. Entrevista com o diretor aí embaixo.


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