ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
Em inglês, “divestment” é um termo muito usado no meio financeiro, como a antítese de “investment”. Ou seja, o novo capítulo de The Americans é batizado em homenagem ao ato de vender ações para comprar outras, trocar de estratégia financeira e de empresa na qual se está apostando suas economias, por motivos mais fortes do que a simples vontade do indivíduo. Magistral como sempre, é claro que a série acertou em cheio na escolha de título: “Divestment”, o episódio, é um emaranhado de negociações, interrogatórios, reajustes de pensamento e comportamento em cada uma das situações das vidas dos Jenning e dos coadjuvantes, e na maioria das vezes essas mudanças veem de forma nem um pouco bem-vinda. Uma das melhores séries em mostrar as situações-limites em que o necessário se choca com o emocionalmente confortável, The Americans aumenta o volume para o máximo em “Divestment”, e o resultado é um episódio angustiante como poucos da série foram até agora.
A angústia dessa oitava entrada da temporada, no entanto, é muito mais existencial e psicológica do que física, embora uma cena em especial (a imolação do agente sul-africano, naturalmente) se encarregue de incomodar as entranhas do espectador. Começamos exatamente de onde o genial “Walter Taffet” (review) parou, acompanhando os Jenning e o aliado Ncgobo enquanto trazem seus reféns recém-capturados para uma safe house e iniciam o interrogatório. Quando Phillip percebe que o agente sul-africano não vai prover informações, ele e Elizabeth resolvem usar o influenciável estudante que este estava manipulando para cumprir sua missão. O resultado é a já citada cena gráfica de morte, à qual o estudante assiste atônito, logo antes de entregar a localização da bomba que seria usada no atentado planejado pelos sul-africanos numa faculdade com um núcleo anti-apartheid.
Essa jogada estratégica desconfortável dos Jenning é só a primeira entre muitas do episódio, e parece que as consequências emocionais de cada uma delas são mais agoniantes do que as anteriores. Na subtrama estrelada por Nina, observamos enquanto ela é remanejada para conviver com o cientista que os soviéticos extraditaram (ilegalmente, é claro) dos EUA – um personagem que não dava as caras desde o 2x11, “Stealth” (review). Em mais essa ponta solta retomada pela série, o mais interessante é observar o quanto a atuação de Annet Mahendru deixa transparecer o desconforto e a profunda culpa que assombram a personagem, mesmo quando mais essa missão que envolve ganhar a confiança de alguém para logo depois traí-lo lhe coloca em instalações mais “humanas” do que aquelas que enfrentou na prisão soviética.
“Divestment” parece querer nos dizer o tempo todo que nem sempre as decisões mais convenientes, as que nos levam aos lugares mais almejados, são as mais aconselháveis. O emocional despedaçado de Nina é um retrato sutil desse conceito perto do que a série anda fazendo com a personagem da fabulosa Alison Wright (Martha) – aqui, ela é entrevistada pelo temido Walter Taffet (Jefferson Mays está ótimo no papel), e desaba sob a pressão de um relacionamento em que aos poucos as rachaduras e mentiras vão querendo aparecer. Era óbvio desde o princípio que o arco de personagem que a série queria desenhar para Martha era trágico, mas nada poderia antecipar o tom amargo e ambíguo que o roteiro de Joshua Brand (também autor de “Stealth”) dá ao momento em que Phillip é obrigado a reajustar aspectos de sua mentira para a falsa esposa. O roteirista, em seu melhor momento no episódio, dá material farto para Matthew Rhys, que trata de borrar as linhas (até para o espectador!) entre o que é sincero e o que é encenação no discurso do personagem.
“Divestment” termina com um take simbólico: Phillip, travestido de Clarke, deitado na cama com Martha, ambos pretendendo dormir para acalmar os nervos do parceiro, e nenhum dos dois realmente pregando os olhos. The Americans quer nos dizer, e é difícil restar alguma dúvida depois desse final, que depois de todas as negociações, barganhas, encenações e retiradas de identidade, ninguém é capaz de encostar a cabeça no travesseiro em paz.
Notinhas adicionais:
- A direção de tons frios e precisos de Daniel Attias (The Wire, Resurrection) é um belo contraste com o trabalho quente e envolvido de Noah Emmerich por trás das câmeras no episódio passado. Essa diversidade de estilos mostra que The Americans pode funcionar e se equilibrar em linguagens bastante diferentes, e mesmo assim funcionar como narrativa.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo The Americans: 3x09 – Do Mail Robots Dream of Electric Sheep? (25/03)
0 comentários:
Postar um comentário