24 de mar. de 2015

Existe vida depois de Lange: 5 ótimos personagens de AHS que não foram feitos pela eterna superema

Jessica Lange 64th Annual Primetime Emmy Awards wnJdJgpwIxWl

por Caio Coletti

Jessica Lange é uma das grandes atrizes americanas vivas, e American Horror Story teve uma sorte que excede (e muito) todas as suas ambições e habilidades ao tê-la no elenco por quatro longos anos. Desde que Constance Langdon se tornou a grande estrela de Murder House, um tanto inesperadamente, foram três papéis principais em que Lady Lange exercitou variações de um mesmo arquétipo, e em que determinadas características surgiam de maneiras diferentes na interpretação cheia de nuances da atriz. Sister Jude Martin, Fiona Goode e Elsa Mars eram todas mulheres soberbas e egocêntricas, que carregavam consigo um cinismo que só nasce em alguém após muitas decepções e oportunidades desperdiçadas em prol (ou a despeito) da ambição faminta que todas elas apresentavam. Essa estadia de Lange em AHS serviu para trazer à televisão personagens femininas maltratadas pelo seu tempo, mas completamente incapazes de se darem por derrotadas. A atriz retratou personagens poderosas mesmo quando o mundo dizia que elas não poderiam sê-lo, e isso é absolutamente lindo.

Com a notícia da saída de Jessica da série, no entanto, é preciso dizer que American Horror Story pode, sim (se quiser), prosperar sem ela. É difícil acreditar na proficiência e talento dos roteiristas que criaram a bagunça total que foi Coven, é claro, mas pequenos exemplos espalhados por todas as temporadas da série mostram que a criação de Ryan Murphy é capaz de dar vida à indivíduos tridimensionais, interessantes e que, em sua potência dramática de peões em uma história de terror, tem muito a dizer sobre a condição humana. Os cinco melhores exemplos (e muitas menções honrosas) estão aí embaixo:

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Lana Winters, de Asylum
(Sarah Paulson)

“… but I’m no cookie”. Com uma introdução dessas, é claro que Lana Winters precisava estar no topo da nossa lista – a verdadeira estrela de American Horror Story: Asylum foi a repórter interpretada pela fabulosa Sarah Paulson, talvez a melhor atriz com menos reconhecimento entre os fãs da série. Desde a relação entre Lana e Sister Jude que AHS vem brincando com as personagens de Paulson e Lange um jogo empolgante de aproximação e distanciamento: há algo na quieta eficiência da primeira atriz que completa a brutal expressividade da segunda, e AHS se tornou uma série muito mais equilibrada e interessante por isso.

Em termos de construção de personagem, pouco do que a série da FX fez até hoje se equipara ao trabalho desenvolvido com Lana, no sentido de emprestar-lhe dimensões que dialogavam lindamente com o tema da série, do empoderamento feminino à discussão sobre as minorias e a forma como a mídia as trata. É de quebrar o coração as barbáries às quais Lana é submetida graças a sua orientação sexual, a sua sede de justiça e, principalmente, a sua ambição. Quando a personagem chega ao final de “Madness Ends”, episódio que fecha Asylum, é possível ver em cada pequena expressão de Paulson as cicatrizes que ficaram em Lana do seu tempo internada em Briarcliff, e de uma vida toda vivida na procura por subterfúgios para ser aceita na sociedade.

Por essas e por muitas outras, Lana Banana é a personagem que melhor representa o espírito de American Horror Story, sua filosofia niilista e macabra, e a resistência ferrenha que encontra em seus melhores personagens.

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Larry Harvey, de Murder House
(Dennis O’Hare)

Ausente de Asylum, criminalmente mal-utilizado em seu papel de Coven, e ofuscado por composições de personagens mais complexos que o seu em Freak Show, Dennis O’Hare é uma espécie de azarão na lista de qualquer fã de American Horror Story. Só nos resta desfazer essa injustiça e sublinhar o quanto sua performance como Larry Harvey, seu apaixonado personagem em Murder House, é excepcional. O’Hare é veterano da televisão americana, com papéis recorrentes em The Good Wife, True Blood, Brothers & Sisters é uma braçada de outras séries prestigiadas, mas encontrou seu momento de maior brilho ao lutar contra uma maquiagem debilitante (no sentido de atrapalhar a expressividade do rosto mesmo) na pele do homem que teve sua vida destruída pela paixão que nutre por Constance Langdon (Lange).

A presença física marcantemente calculada e a habilidade nata em transparecer emoções que O’Hare carrega em seu estilo de atuação caíram perfeitamente para o papel, um dos mais labirínticos, recheados de emoções conflitantes e desejos ardentes, de todas as temporadas da série. A devoção por Constance é o fator determinante na vida de Larry, e qualquer outro ator (sob o comando de quaisquer outros roteiristas) poderia se prender ao sentimentalismo e aos olhares apaixonados. Nas mãos de O’Hare, o amor que Larry nutre pela personagem de Lange é amargo, carregado de bagagem emocional, muito mais por costume – e circunstância, e teimosia até – do que por qualquer outra coisa. Em uma temporada em que um dos poucos temas mais claros da narrativa era o ruir de um relacionamento conjugal, Larry é um personagem simbólico das consequências trágicas de um amor impensado e doentio.

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Sister Mary Eunice McKee, de Asylum
(Lily Rabe)

Uma das críticas mais incisivas já perpetradas por American Horror Story se encarnou em uma só personagem, e portanto pesou sobre os ombros de só uma atriz: Lily Rabe, a brilhante intérprete da Sister Mary Eunice em Asylum. Ao apresentar essa personagem frágil, talvez até bondosa, que demonstrava medo e alguma ignorância quanto aos métodos empregados pelo local em que trabalha, e injetá-la com um poder tão dominante (o próprio demônio!) que lhe transforma completamente, Ryan Murphy e cia. querem discursar sobre a banalidade do mal, e o mais surpreendente é que eles fazem isso com uma contundência rara na televisão americana. Num dos muitos exemplos do porquê a narrativa de Asylum é tão poderosa, AHS usa o elemento sobrenatural, o clichê do gênero que dá título a série, para falar sobre um problema muito real e concreto da nossa sociedade (e da constituição humana de cada um de nós).

Sister Eunice é a personificação de uma liberação moral que ultrapassa o “You Don’t Own Me” que ela canta (lendária e espetacularmente) em sua cena mais célebre, e encontra uma ambiguidade muito bem vinda. A partir do momento em que é possuída, a personagem de Lily Rabe passa a ser melhor vista pela supervisora, a própria Sister Jude, e se encaixa melhor no funcionamento cruel de Briarcliff. Asylum, de forma muito coerente com a sua narrativa, se pergunta até que ponto nossos julgamentos humanos são baseados em concepções de época, e que barreiras essa nossa deficiência impõe ao tratamento justo daqueles que são diferentes do nosso conceito fechado de “certo” ou “errado”. Rabe se diverte muito interpretando a freira possuída, mas essa é mesmo a ideia: Eunice é um elemento de caos que vem para confundir todos os conceitos do espectador de Asylum, e é brutalmente eficiente nessa missão.

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Bette and Dot Tattler, de Freak Show
(Sarah Paulson)

É impossível escolher só uma das gêmeas siamesas interpretadas pela fabulosa Sarah Paulson em Freak Show (embora nosso coração esteja pra sempre com Dot), principalmente porque a storyline que envolve as duas é muito sobre a relação que elas dividem entre si. Durante os ótimos 13 episódios da quarta temporada da série, Paulson entregou uma tour de force de atuação, diferenciando de formas tão sutis e definitivas as duas personagens que o pequeno truque estético de fazê-las usar tiaras de cores diferentes se tornou supérfluo. Conforme a storyline foi evoluindo a partir do ponto inicial (o assassinato cometido pelas gêmeas de sua própria mãe, que as mantinha em cativeiro), a atriz revelou novas cores e novas nuances desse relacionamento ao mesmo tempo único e típico entre duas irmãs.

American Horror Story sempre teve um pé bem fincado no retrato das relações familiares, e Bette e Dot são a epítome desse tema. Absolutamente diferentes em termos de personalidade, uma separação que a série fez questão de fazer desde o primeiro capítulo, introduzindo a narração dupla dos diários de cada uma delas, as gêmeas passam uma boa parte da temporada encarando pontos distintos da cena (um toque especial da atriz), e a sensação é que elas estão forçando o corpo que dividem para direções distintas – tanto que, quando Dot sugere uma cirurgia que as separe (mesmo com risco de morte para uma delas), parece uma decisão natural. É aí que entra uma das jogadas mais delicadas e bem executadas que AHS já aplicou: com a ajuda inestimável de Paulson, a série usa essas duas personagens para mostrar que, às vezes, o elo que nos liga às outras pessoas é maior que a nossa vontade de sermos felizes sozinhos.

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Cordelia Foxx, de Coven
(Sarah Paulson)

Mesmo na completa bagunça de estratégias de choque falhas, storylines mal-desenvolvidas e grandes intérpretes abandonados ao relento de Coven houve espaço para pelo menos uma ótima construção de personagem além da Fiona Goode de Lange. Não deve ser surpresa que de novo é Sarah Paulson que aparece por aqui – Coven foi a primeira temporada em que AHS se aproveitou da dinâmica incrível entre suas duas atrizes principais, descoberta mais notavelmente em Asylum. Cordelia Foxx era um contraponto perfeito para Fiona, especialmente no sentido em que seu porte sereno era tão encenado quanto a postura agressiva da mãe. São poucos os momentos em que a temporada dá espaço para Sarah Paulson brilhar fora da interpretação controlada e perfeita que empresa à Cordelia, mas a atriz tira o melhor dessas cenas, colorindo um retrato muito completo de uma mulher em busca de si mesma, e naturalmente insegura por isso.

Paradoxalmente, a construção de roteiro errante de Coven fez bem para a personagem, que passou por inúmeras reviravoltas e transformações em meio à trama. Enquanto tudo o mais explodia em completa incoerência (às vezes divertida, às vezes exasperante), Cordelia se mantia como uma narrativa de fundo bem estruturada, que funcionava especialmente pelo esforço de Paulson em domar o roteiro e entregar a performance mais completa e detalhada possível dessa mulher fascinante. E “fascinante” é mesmo a palavra certa porque Cordelia esconde até o final da temporada pedaços de sua personalidade aos quais o espectador (e os outros personagens a sua volta) só tem acesso quando é conveniente para ela. Por trás de toda a insegurança de Cordelia, existe uma sabedoria nem sempre apreciada, exatamente do tipo que Coven precisava aplicar a todos os outros personagens de sua trama.

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Menções extras: Monsignor Timothy Howard (Joseph Fiennes), de Asylum; Dr. Arthur Arden (James Cromwell), de Asylum; Misty Day (Lily Rabe), de Coven; Jimmy Darling (Evan Peters), de Freak Show; Dandy Mott (Finn Wittrock), de Freak Show; Ethel Darling (Kathy Bates), de Freak Show; Gloria Mott (Frances Conroy), de Freak Show; Paul (Mat Fraser), de Freak Show.

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