ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
Já são incontáveis às vezes em que Gotham mostrou a importância de Oswald Cobblepot, o Pinguim, para sua construção narrativa. O momento de maior brilho do personagem continua sendo “Penguin’s Umbrella” (review), é claro, mas há muitas outras maneiras sutis nas quais ele demonstra sua posição fundamental no mundo explorado pela série – os roteiristas, com a ajuda considerável da interpretação de Robin Lord Taylor, o colocam como a representação maior da elaboração moral de Gotham, o ponto de convergência em direção ao qual quase todas as tramas se dirigem, e a força enganadora e escorregadia que define muitos andares e desandares no submundo da metrópole. “Everyone Has a Cobblepot” faz um ótimo uso dessa concepção do Pinguim, tão apropriada para a história e o ambiente de Gotham, e ainda encerra em si acontecimentos simbólicos para a jornada da trama.
Como costuma ser na maioria das vezes em que Gordon e cia resolvem investigar a corrupção da própria GCPD, dessa vez a trama policial não fica em segundo plano, muito menos parece distração para que possamos ver as subtramas progredindo. Após saber que o corrupto Arnold Flass acaba de ser absolvido das acusações pelas quais Gordon o havia encacerado, nosso herói descobre que a falcatrua vem do próprio Comissário Loeb (Peter Scolari, ótimo como sempre); pior, o depoimento que evitou o julgamento de Flass veio do próprio parceiro de Gordon, o Detetive Bullock, que confessa não ter tido escolha graças ao material acusatório que o Comissário guarda sobre ele e sobre a maioria dos policiais do distrito. Daí o título do episódio, espertamente simbólico, indicando que cada um daqueles detetives tem um caso mal-resolvido de ação realizada fora da lei, com a diferença que o crime que cometeram não “voltou dos mortos” para absolvê-los.
Conforme Gordon navega esses mares turvos, primeiro com a ajuda de Harvey Dent e depois com a assistência relutante do próprio Bullock, Gotham se embrenha no retrato de uma força policial extremamente comprometida no exercício de suas funções, tanto que até parece ter perdido o sentido de existir. A série brinca com o conceito de mostrar que todos tem suas vulnerabilidades, e faz um trabalho especialmente pulp(e especialmente tocante, também) quando chega a hora de descobrirmos a do próprio Loeb, que vem na forma da filha interpretada com panache por Nicholle Tom (conhecida dos fãs de The Nanny, se é que eles existem). O ponto maior, porém, é que cada um desses policiais está inserido num sistema que incentiva e quase obriga-os a adquirir essas vulnerabilidades, a perpetuar esses atos que os mantém na corda bamba o tempo todo, peões de xadrez em um jogo muito maior, fantoches para os interesses de quem joga. E o mais legal é que Gotham não se acanha em manchar também seu herói, retratando as imoralidades que lhe são exigidas em nome da busca pela justiça que arde atrás dos olhos de Ben McKenzie.
Esse é o melhor aspecto de “Everyone Has a Cobblepot” – a capacidade de relativizar as linhas entre bem e mal –, mesmo que esse episódio também abrigue a empolgante continuação das aventuras de Fish Mooney na misteriosa instalação médica/sádica na qual ela se meteu. O diretor Bill Eagles (Strike Back, Falling Skies) se diverte muito com os aspectos iconoclastas da história da personagem, desde o olho azul que ela ganha no começo do episódio até a bizarra cena em que um dos personagens secundários é mostrado com uma série de implantes corporais. Gotham acerta em cheio ao tornar essa parte do episódio a mais quadrinesca e imprevisível de sua temporada até agora, especialmente porque a atuação de Jada Pinkett Smith ajuda a construir uma identidade visual muito forte para essa personagem que a série construiu e manipulou tão bem. Se o Pinguim é o grande ponto de apoio de Gotham, Fish é seu elemento mais realizado em termos de diálogo com a linguagem visual e storytelling dos quadrinhos do Batman. Levando-se em conta que a personagem é uma invenção original dos roteiristas, é sinal de um trabalho muito bem feito.
O bacana em “Everyone Has a Cobblepot”, no final das contas, é ver que Gotham já consegue se sustentar como narrativa própria, mas não deixa de acenar para suas origens.
Notinhas adicionais:
- Colm Feore (Revolution, The Borgias) está perfeitamente creepy, e diabolicamente inteligente, como o Dr. Dulmacher, que os fãs da série estão especulando como o futuro Dollmaker, serial killer famoso dos quadrinhos que usava partes do corpo de suas vítimas para criar bonecas humanas – familiar?
✰✰✰✰✰ (5/5)
Próximo Gotham: 1x19 (13/04)
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