por Caio Coletti
Quando veio ao mundo em 2009, La Roux tinha tudo para ser apenas o primeiro de muitos artistas a embarcar no revival dos anos 80 capitaneado por Lady Gaga, que lançou seu seminal The Fame no ano anterior. Nada como uma boa surpresa, não é mesmo? Com uma vocalista da escola folk de Carole King e Nick Drake (seus ídolos de infância) e um produtor que espertamente resumiu todas as tendências do momento em uma coleção impecável de canções prontas para entrar no imaginário popular, La Roux acabou se tornando influência obrigatória tanto para as divas do mainstream (Katy Perry, Rihanna, etc) quanto para os atos que embarcaram na onda oitentista (e isso nós vemos até hoje, vide Betty Who e Tove Lo).
Cinco anos se passaram desde então, e meia década é tempo mais do que o suficiente para o mundo pop mudar. Aos poucos o público desapegou do revival da década de 80, seguindo o próximo passo lógico e abraçando todas as particularidades noventistas. Junto a esse processo, que criou fenômenos inesperados de vendas como Charli XCX e Iggy Azalea (entre inúmeros outros), ficou bem claro nos últimos anos que os jovens estavam prontos para abraçar cantores e bandas alternativos, que fugiam da onda eletrônica e se concentravam em referências diferentes. As ascensões de Lorde, fun. e Lana Del Rey são bons exemplos dessa tendência.
Por cima de tudo isso, ainda é preciso considerar que os últimos cinco anos foram também um pesadelo pessoal para a própria Elly Jackson, vocalista do La Roux. Primeiro foi o rompimento com o produtor Ben Langmaid, que teve o dedo em todas as faixas do álbum de estreia. Quando perguntada sobre a separação, Jackson é discreta, mas bastante clara: o produtor se recusou a considerar várias canções que ela havia composto, não concordou com a direção musical que a moça queria tomar, e a relação de amizade entre os dois esfriou. Já no meio da turnê que fez para promover o primeiro disco, a cantora passou por um momento ainda mais difícil quando a ansiedade pelo sucesso repentino e os ataques de pânico lhe roubaram a voz. Essa é uma das razões pela qual o famoso falsete da cantora está menos presente no novo álbum (mesmo curada, Jackson diz ter aprendido a usar a voz com mais cuidado – e garante que também se tornou uma pessoa menos errática e mais centrada).
Essas tribulações pessoais se refletem em Trouble in Paradise, que chegou às prateleiras em meados de Julho desse ano. Com letras complexas que transformam a inquietação de Jackson como artista em uma forma de advogar uma liberdade muito mais profunda do que a do impulsivo primeiro disco, a nova obra de La Roux mostra também que os últimos cinco anos não destreinaram o olho da artista para a cultura pop da sua geração. O que mais sobressai é o quase obsessivo cuidado com as texturas e timbres dos sintetizadores, os complexos arranjos se estendendo por várias faixas que ultrapassam os habituais 3:30/4 minutos da música pop. Trouble in Paradise é capaz de articular num mesmo instrumental as influências dos anos 90, a melodia própria da identidade de La Roux como artista, e elementos de outros gêneros em voga no momento, do dream-pop ao r&b.
“Uptight Downtown” abre os trabalhos lançando um olhar espantado e admirado sobre os protestos de Londres de 2011 (“How can all these people have so much to prove?”, se pergunta a incansável Elly Jakcson), e conta com um baixo funkeado que diz tudo sobre o disco: sexy, groovy e cheio de garra. Muitas das primeiras resenhas do álbum destacaram que a “descoberta do baixo” é talvez a grande conquista do álbum para a carreira da artista, e não é a toa – além da faixa de abertura, o instrumento é essencial para a épica “Silent Partner”, no qual é o principal ingrediente de uma instrumentação Hi-NRG (trata-se de um subgênero surgido no final dos anos 70, cujo paradigma é "Obsession", do Animotion). A canção lida com as principais questões de ansiedade vividas pela cantora, e parece ser engolida de um fôlego só pela linha de baixo rápida e pelas sobreposições de sintetizadores onipresentes nos 7 (!) minutos de duração.
A sensualidade fica para os momentos em que La Roux nos entrega sua visão sobre o revival dos anos 90. “Sexotheque”,de título inspirado por um clube de sexo visto pela cantora na Suíça, é uma envolvente combinação de sintetizadores com guitarras disco e batida caribenha, uma constante no disco em vários pequenos momentos pelas faixas, e uma tendência que aflora completamente em “Tropical Chancer”. Com um sample da diva jamaicana Grace Jones e guitarras que você provavelmente nunca esperaria encontrar em um disco do La Roux, a canção é a musicalização da vontade, expressa pela cantora em entrevista, de ser “sexy da forma que o sexy era antes de ser sujo”. Explorar o lado multicultural do pop dos anos 90, as baladinhas mid-tempo e o gosto meio desinibido pelo trash (pense em Paula Abdul com o esírito do Vengaboys, só de que um jeito sobrenatural em que essa mistura pareça sofisticada) foi uma jogada genial para sair do mais do mesmo dos teclados sequenciais e baladinhas soul. Sem contar que resume muito melhor o espírito da época – e d\ nostalgia que propulsiona seu revival.
A complexa “Cruel Sexuality”, talvez a faixa que melhor conjugue todas as influências do Troube in Paradise, nos introduz a outra grande influência do álbum, o dream-pop. Depois de bons três minutos de synthpop para acompanhar a divagação de Elly Jackson sobre as pressões da sociedade na nossa forma de amar (especialmente a maneira fugaz e líquida da geração que ela tão bem conhece), a canção entra em um interlúdio de sintetizadores nas alturas e melodias inspiradas na música orquestral. É a mesma elaboração de artistas como The Golden Filter e M83, na verdade um rótulo fácil para essa mistura de música ambiente e new wave que fez a cabeça de muitos neo-hipsters (se é que a cultura hipster merece um “neo-“ pra chamar de seu) por aí. A melhor encarnação dessa influência é a belíssima “Paradise is You”, que La Roux chama de “um mantra contra o pânico e a ansiedade disfarçado de canção de amor”, mas que faz hora extra como parte de um tema muito maior do álbum.
Trouble in Paradise é um instantâneo (como é da natureza do pop ser) de sua época, um sinal que Elly Jackson não ficou desligada do mundo de 2009 para cá, e um poderoso veículo de expressão para uma das artistas mais importantes da nossa geração. Importante porque consegue observar o comportamento daqueles cujo imaginário ela captura e transformá-lo em canções inquietas que expressam exatamente aquilo que esse público mais deseja: a liberação das pressões, rótulos, expectativas e “caixinhas” que a sociedade lhes impõe. Ouça de perto, e o pulsante single “Let me Down Gently” é um chamado para esse tipo de liberdade, que La Roux entende ainda melhor agora que experimentou alguns obstáculos a mais pelo caminho. “And I hope it’s sinking in/ Left behind in your perfect skin/ There’s a part of you that’s free/ And I know that there’s a place for me”.
Com ou sem seu parceiro de composição, essa visão absurdamente ampla e original de La Roux dá a ela um status mais do que honorário: o de historiadora da música pop do século XXI.
✰✰✰✰✰ (5/5)
Trouble in Paradise
Lançamento: 18 de Julho de 2014
Gravadora: Polydor
Produção: Elly Jackson, Ian Sherwin, Al Shux
41m27s
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