ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
Gotham nunca vai poder se apoiar somente nas suas próprias pernas. A nova série da FOX, capitaneada por Bruno Heller (The Mentalist), se ergue nos ombros de um gigante chamado Batman, indiscutivelmente o personagem mais popular da DC Comics, e matéria de mais 100 adaptações cinematográficas e televisivas, incluindo as animações. A mitologia que vem atrelada ao cavaleiro das trevas é a principal linha narrativa e fio condutor de Gotham, e não poderia ser de outro jeito quando a pretensão da série e traçar um retrato de como a cidade mais famosa dos quadrinhos se tornou a metrópole que abriga o Homem-Morcego e todos os vilões que já conhecemos. Só isso já faz de Gotham uma estreia imperdível, e um passeio de montanha-russa fantástico, mas o trabalho oferecido ao roteirista Heller vem com tantas vantagens quanto obstáculos.
Não é fácil construir um mundo convincente e interessante para povoar uma narrativa com destino já tão bem definido, nem acertar no ponto na construção de personagens, fugindo da previsibilidade e tentando envolver o espectador em uma história que ele já sabe como termina. Inserir elementos de surpresa nessa saborosa mas incompleta refeição não é trabalho para qualquer roteirista – para continuar a metáfora culinária, é como tentar preparar um prato principal a altura da sobremesa que todo mundo está esperando para comer. A saída que Heller encontrou para essa corrida de obstáculos foi apostar no drama inerente de cada personagem e assinalar que Gotham vai tomar seu tempo para transformá-los nas pessoas que conhecemos de tantas outras encarnações de Batman.
Com a mão pouco sutil de Danny Cannon (CSI) na direção, o resultado é uma Gotham de encenação estourada, que pega para si o departamento de polícia da metrópole e transforma-o no palco dos dramas e jogos mentais dos filmes neo-noir. Pense em Mob City, a extinta série da TNT, com um pouco menos de fé incondicional na climatização e um pouco mais de trabalho de personagem – não é uma perspectiva ruim, e traduz bem o sentimento que Gotham passa na maior parte dos seus 48 minutos de piloto. Isso casa perfeitamente com a construção de uma cidade que mistura duas visões: a de metrópole moderna que apareceu nos filmes de Christopher Nolan, e a de extravagância gótica que figurou nos de Tim Burton (e, vá lá, até nos de Joel Schumacher). A Gotham City da FOX é um amontoado de arranha-céus com personalidade própria, gárgulas saltando de todos os lados, poeira, fumaça e poluição. É uma paisagem caótica como precisa ser para essa narrativa em especial funcionar, e se tem algo que a câmera de Danny Cannon faz bem, é registrar o trabalho da direção de arte.
O começo da nossa narrativa é com o fatídico assassinato de Martha e Thomas Wayne, como sempre testemunhado pelo jovem Bruce (David Mazouz, de Touch, que grita por mais tempo de tela). Quem aparece para investigar o caso são os detetives Harvey Bullock (Donal Logue) e James Gordon (Ben McKenzie), esse sim o real protagonista do conto moral que Gotham quer contar. A partir do momento que o futuro comissário da cidade promete para o jovem Bruce que vai encontrar o assassino de seus pais, e acaba vasculhando a podridão do departamento de polícia de Gotham no processo, a série se estrutura como um programa policial regido pelas regras particulares do mundo de Batman, e também um drama moral que quer desenhar e apagar linhas entre bem e mal. O roteiro faz um bom trabalho em envolver o espectador nesse mundo e na missão nobre e delicada de Gordon, e sinaliza que Gotham tem sim uma boa história para contar – mais até: uma que se conecta diretamente com o significado das origens de cada um dos vilões (ainda jovens) que vemos em tela.
Sobre eles, aliás: o grande destaque do piloto é Robin Lord Taylor (Aprovados, A Outra Terra), que acerta na dose com sua construção levemente incômoda de Oswald Cobblepot, o futuro Pinguim; ele é o único que ganha um desenvolvimento mais notável nesse primeiro episódio, mas é de se esperar que a equipe de roteiristas dê o mesmo tratamento para os jovens Selina Kyle (a Mulher-Gato, feita por Camren Bicondova), Edward Nygma (o Charada, na pele assustadoramente esperta de Cory Michael Smith) e Ivy Pepper (a Hera Venenosa, encarnada pela jovem Clare Foley). O primeiro acerto com o vilão mais asqueroso da galeria dos inimigos do Batman sinaliza que, em termos de formação de personagens que já conhecemos, Gotham é afinadíssima. Enquanto eles crescem, inclusive, somos deixados com a mafiosa Fish Mooney como antagonista do nosso Detetive Gordon, e Jada Pinkett Smith se diverte à beça no papel – é mais do que o bastante para nos manter entretidos.
O protagonista Ben McKenzie é quem dá o tom para a série, no entanto. Sua interpretação de Gordon ainda precisa ajustar os ponteiros com o lado ultra-dramático da encenação, mas há uma intensidade no olhar do ator de The O.C. e Southland que compensa o eventual constrangimento em momentos mais truncados do roteiro. Em Gotham, o Detetive Gordon é um homem indiscutivelmente raivoso, com a mesma bússola moral que o tornou famoso como personagem, mas uma motivação diferente: sai de cena a busca incessante pela justiça, entra uma bem-vinda indignação e ultraje com o mundo ao seu redor. James Gordon chega transbordando justiça nessa Gotham City à beira do caos, e Ben McKenzie torna totalmente possível acreditar que ele tem a motivação e a audácia para limpar a sujeira sem a ajuda de um certo amigo de orelhas pontudas.
✰✰✰✰✰ (4,5/5)
Próximo Gotham: 1x02 – Selina Kyle (29/09)
0 comentários:
Postar um comentário