Escrever sem freio. Ainda me faz bem? Os dedos passeiam pelo teclado pensando no que se esconde no fundo da minha alma. Eu não estava em crise até pouco tempo. Eu estava feliz. Ouvia o que não me afetava, e sentia que era capaz de me relacionar com quem eu quisesse, da forma que eu quisesse. Mesmo que certos olhos, certos olhares e certos abraços tenham me faltado de alguma forma, eu tenho sido o que eu sou, e nada mais. Onde foi que eu me vi deslizando, de novo, para a suave e íngreme beira do penhasco? Onde foi que o passo dado foi mais do que eu podia agüentar e, mais, quando foi que minha cabeça começou a doer como dói agora, insistente, latejante, clamando por descanso enquanto meu pensamento voa pelas linhas, e sem que eu nem mesmo perceba, já tenho um parágrafo?
Isso tudo é besteira, dizer que o que escrevo aqui me define, me faz descobrir o que eu não sou, ou mesmo me ganha a ponto de construir toda uma parede em torno de mim mesmo, sem que ninguém possa se aproximar sem ler, ler e ler até não agüentar mais. Não sou essa fortaleza intransponível que posso parecer, ou pelo menos não quero ser. E se tudo for muito simples, no final? E se for só fechar os olhos, respirar fundo e pensar no melhor? Não pode ser tão difícil. Mas também não pode ser tão fácil. Parece que, escrevendo, me descrevo e me resolvo melhor do que simplesmente divagando. Aliás, eu minto: não me resolvo, porque sou impossível de resolver. Sou um eterno e incompleto quebra-cabeças, cada dia uma sentença, cada hora uma paixão, cada minuto um erro. Alguns ficam, outros vão. Todos ressoam.
Sou o amor, mesmo que não queira ser, mesmo que não demonstre nas horas certas. Não se trata de insistir nos meus erros, mas sim de percebê-los e corrigi-los sem me martirizar se um dia eles vierem a tona de novo. Talvez seja só quem eu sou, uma eterna crise de identidade, uma infindável busca pela verdade que nem mesmo existe na forma pura e imutável que eu busco. Eu só preciso aprender a não penalizar ninguém pela minha própria forma em mutação constante. Se algumas horas atrás eu tinha uma sentença, mas agora mesmo não tenho tanta certeza, porque deixar que alguém saiba? Não vai ser pra sempre, nada é. Basta registrar aqui, deixar marcado a ferro e fogo pra não ser apagado, a prova de que um dia houve o que hoje não mais há.
Enfim, a lição é só uma, e talvez eu não precisasse de tudo o que antecede essa afirmação para chegar onde cheguei (mas agora já está feito, não vou me privar da liberdade poética): espere. E digo isso a mim mesmo, para que não restem dúvidas. Espere, meu eu, para que seja definitivo, espere para que tudo faça sentido, ou pelo menos uma parte faça, e não saia por aí a quebrar corações e desfazer expectativas, porque uma verdade que sempre muda se torna uma mentira. Non-sense, anyway.
Deixe-me aqui, falando bobagens sobre uma pequena crise que nunca deveria ter existido, e vamos todos esperar pelo amanhã, que nos trará mais um definitivo, mais uma certeza que durará não mais do que o Sol que nasce de um lado e se põe do outro do horizonte, sem deixar traço algum a não ser a fraca reflexão do brilho da Lua.
“Aristóteles estuprou a razão. Ele implantou nas escolas de filosofia a dominante e atrativa noção de que pode haver uma discreta separação entre corpo e mente. E isso levou, previsivelmente, a ideias ilusórias como a de que o poder pode ser entendido sem aplicá-lo, ou que a alegria é completamente removível da infelicidade. Como se a paz pudesse existir na total ausência da guerra, ou como se a vida pudesse ser entendida sem a morte”
(Brian Hebert, “Duna”)
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