26 de mar. de 2010

Tim Burton – Doce monstruosidade

Perfil (nunk excl)Perfil Tim Burton 1

Tim Burton é um doce. Simpáticíssimo em entrevistas, um dos artistas mais despojados da terra do cinema atual, fala mansa, personalidade marcante, ele só arranja briga mesmo quando precisa defender sua visão do projeto que está tocando. Aí a vítima preferencial, é claro, são os executivos de terno que vivem querendo que o diretor “popularize” seu estilo. Claro, ele e os fãs sabem muito bem que tentar fazê-lo seria trair uma mitologia, um universo, que começou a ser criado vinte, trinta anos atrás, antes mesmo de Timothy William Burton encurtar o nome de batismo para se tornar um dos artistas mais celebrados, marcantes e completos do cinema moderno. Cineasta, ilustrador, poeta, pintor e fotógrafo, o californiano da cidade suburbana de Burbank foi um dos poucos no século XX que conseguiu conciliar estilo próprio e apelo universal. Não que tenha sido fácil, é claro, o que só faz de tal proeza (e do realizador dela) algo ainda mais notável.

Assumidamente um ousider na infância passada no ensolarado subúrbio californiano, o diretor cresceu absorvendo as estranhezas dos filmes de terror da celebrada produtora Hammer, e não demorou para desenvolver uma estranha identificação com monstros, tantas vezes mais humanos que nós mesmos, marcas registradas em sua filmografia. “Monstros são definitivamente minha paixão. Sempre gostei deles, mesmo quando criança. Me sentia próximo deles: nas margens da sociedade. Além do mais, sempre tive uma queda por outsiders, por aqueles que pensamos que são malignos e, no final, não o são de forma alguma”. Tudo bem, talvez Tim Burton seja mesmo um monstro, então. Por baixo de todo o revestimento de estranheza, referências sombrias e estilo dark, está um eterno romântico que se apaixonou perdidamente pelo menos duas vezes e que, quando resolveu colocar-se em um alter-ego cinematográfico, o fez com o doce, estranho e injustiçado protagonista título de Edward Mãos-de-Tesoura, até hoje seu filme mais pessoal (e também o melhor, se levar a opinião dos fãs em consideração). E, claro, o começo de uma lôngeva parceria com Johnny Depp, um ator tão talentoso, celebrado e estranho quanto o amigo diretor.

A verdade é que, pessoal ou não, Burton veio desenhando um crescente de maturidade em sua carreira. Dos encantadores devaneios em forma de stop-motion e poesia que formam Vincent, seu primeiro curta-metragem (uma homenagem deliciosa ao ídolo Vincent Price, que dubla o curta e ainda fez de Edward um de seus últimos filmes antes de morrer), até os delírios visuais e a mistura estranha entre morbidez e humor que o musical Sweeney Todd empreendeu dois anos atrás para encarntar público e crítica, consagrar a parceria Depp-Burton e conceder ao diretor sua primeira indicação ao Globo de Ouro de Melhor Direção, muitas águas rolaram. E Burton mostrou que sabe aprender tanto com mega-fracassos de ambição (e elenco) inflamados - Marte Ataca! – quanto com a aprovação simultânea de crítica e público, gosto que ele experimentou diversas vezes em sua carreira. Enfim, Burton se mostrou, acima de tudo um artista tão adaptável quanto inflexível em seu estilo de fazer filmes (e lidar com os problemas inerentes de tal atividade).

A expectativa agora é em torno do vindouro Alice no País das Maravilhas, visão do diretor sobre a obra de Lewis Caroll, imortalizada pela Disney em uma animação de 1951. O filme novo do diretor, mais uma vez estrelado pelo amigo Johnny Depp (aqui no excitante papel do Chapeleiro Maluco), chega ao Brasil em 16 de Abril já com uma gigantesca expectativa pesando sobre seus ombros. Resta saber se Burton vai ser capaz de sobrepujá-la. Passado para isso ele tem. E futuro também. Não casado, mas “agregado” com a atriz Helena Bonham-Carter (que desde Planeta dos Macacos, polêmico remake do clássico da década de 1970 que Burton rodou em 2001, bate ponto em todos os filmes do companheiro), morando longe de Hollywood e pai de dois filhos (os pimpolhos até inspiraram um filme todo, o maravilhoso Peixe Grande), Burton teve a honra de ser convidado a tomar a presidência do júri do próximo Festival de Cannes, que começa em 12 de Maio. Ao que parece, esse é mesmo o momento de triunfo definitivo  para o garoto deslocado do subúrbio que encontrou seu lugar, veja só, justo nas colinas ensolaradas de Los Angeles.

Perfil Tim Burton 2Perfil Tim Burton 3

É a primeira vez que um artista com origens na animação vai presidir o júri. Um cineasta com um coração de ouro e mãos de prata, Tim Burton é primeiramente e acima de tudo um poeta. Ele é um mágico de deleites visuais que transforma a tela em um maravilhoso celeiro de fadas. Nós esperamos que sua doce loucura e seu humor gótico impregne a Croisette (famosa avenida a beira-mar de Cannes, onde desfilam, via de regra, os maiores astros presentes no evento), trazendo o Natal para todos nós. O Natal e o Halloween, é claro” (Gilles Jacob, presidente do Festival)

Depois de passar minha infância toda indo a sessões de cinema triplas e assistindo a maratonas de 48 horas só de filmes de terror, acho que finalmente estou pronto para isso. É uma grande honra e eu anseio para, com meus colegas jurados, assistir alguns ótimos filmes de todos os cantos do mundo. Quando você pensa em Cannes, você pensa em cinema universal. E como filmes sempre foram como sonhos para mim, esse é um que se realiza” (Tim Burton, aceitando o honroso convite)

3 comentários:

Renan Barreto disse...

Posso dizer só uma coisa? Ficou excelente seu texto sobre Tim Burton. Esse texto uniu duas pessoas que gosto muito pelo talento: Você e o Tim. Ambos pessoas incríveis. Mas sobre especificamente o astro convidado de O Anagrama. Tim é para mim o meu maior ídolo do cinema porque consegue fazer de seus monstros bizarros em criaturas que conseguem amar. Quantos seres humanos você conhece que sabe o que é isso? Ele transforma os seus mortos em seres mais vivos do que os próprios vivos. É incrível como ele tem um dedo verde para bons personagens. A melancolia poética unida à incrível intenção e vontade dos personagens é o que me faz apreciá-lo. A Noiva Cadáver, Nightmare befores Christmas, BettleJuice, Sweeney Todd... São feitos maravilhosos. São fã incondicional do estilo Burton de ser... e acho que também sou um marginal. Procuro viver à margem da sociedade porque ela não me quer, então falo de fora mesmo.

Abração, meu querido!

Adorei o texto!!!!!!!!

Babi Leão disse...

Acho que Tim Burton tem algum trauma de infância. Daqueles quando se fala “a verdadeira beleza está por dentro “ ahahahaha
Gosto muito dele e de seus monstrinhos adoráveis !
Hoje eu vi uma borboleta preta e sem graça voando no meu quarto. Vamos dizer que ela era feia. Mas de repente ela pousou e de longe dava para ver como ela era linda. Era vermelha, preta e branca ( entendeu o linda né ? Tricolor e tals hahaha ).
Gosto de coisas assim que parecem ser o que não são . Por isso sou fã do Burton .
Acho que por trás daquela cabeleira louca existe um cara sentimental. Hahahaha

Ficou muito bom o texto Caio ! O dia que eu ver um texto seu ruim vou pensar que você esta fingindo ser o que não é. Hahahahaha
Beijo Caião !

Mateus Souza disse...

Ótimo texto, Caio. Apesar de admirar o diretor, ainda não assisti um filme seu que fosse realmente bom. Achei que Alice seria esse, mas o filme não empolgou muito a crítica, o que me leva a não achar mais isso. O público, porém, adorou, o filme já é o de maior bilheteria da carreira do Burton.

Abraço.
Cinema para Desocupados