5 de jun. de 2017

Review: Na quinta temporada, The Americans encara a mortalidade de frente (e não gosta do que vê)

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por Caio Coletti

Entre muitas outras coisas, a genialidade de The Americans sempre residiu na forma como a série da FX era capaz de retratar o processo de amadurecimento das crianças Jennings, Paige e Henry, e refletí-las nos temas maiores da série. Nós assistimos Holly Taylor se tornar uma força da natureza em tela, com uma performance de quebrar corações, enquanto The Americans introduzia Paige aos cantos mais moralmente escusos da vida adulta, e à realização de que a humanidade bagunçada que passamos a conhecer na adolescência não melhora quando amadurecemos. Pairando como um fantasma sobre todo esse processo desenvolvido ao longo de múltiplas temporadas, no entanto, estava outra premissa: a de que The Americans é sobre envelhecimento e, consequentemente, sobre mortalidade. Na quinta temporada, essa noção escapa das entrelinhas e pesa uma tonelada no desenvolvimento dos protagonistas, e de todos ao redor deles.

À essa altura, é quase um exercício fútil tentar resumir a trama de The Americans a alguma sinopse, mas grande parte do quinto ano gira em torno de uma tentativa dos espiões soviéticos Phillip e Elizabeth de desmascarar e sabotar uma iniciativa do governo americano para dificultar a produção de trigo na URSS. Case isso com uma subtrama em que vemos Oleg (Costa Ronin) retornando para terras soviéticas e encarando de frente a corrupção envolvida na distribuição de comida por lá, e você tem uma temporada rica em reflexões sobre as falhas estruturais de dois governos fundamentalmente diferentes, mas ainda extraordinariamente similares. Às voltas com uma nova operação e com dilemas morais no FBI, Stan (Noah Emmerich) representa o yang para o yin dos personagens soviéticos, testemunhando com seu arco trágico o poder destrutivo da burocracia sem escrúpulos do capitalismo americano.

Esse equilíbrio político, como sempre, dá espaço para a série refletir nas consequências humanas da guerra como instituição, e não como questão moral de bem e mal. Na pele dos pais de Oleg, interpretados de forma tocante por Snezhana Chernova e Boris Krutonog, e na figura de Gabriel (Frank Langella), a série busca refletir o papel do passado de um povo em seu comportamento, e os efeitos cruéis de um envelhecimento amargo e cínico, mas ainda extraordinariamente humano. Langella, que aparece por mais ou menos metade dos episódios, deixa uma impressão indelével no espectador, usando com inteligência a gravidade que Gabriel sempre demonstrou como personagem para sublinhar a angústia e desgaste em seus olhos e sua linguagem corporal, um contraste excepcional com a ainda mais sutil Margo Martindale, na pele da endurecida Claudia.

Conforme a série se aproxima de seu final, o peso do envelhecimento começa a ser sentido também nos protagonistas de The Americans. O emocional em frangalhos de Phillip, interpretado com corajosa vulnerabilidade e sentimento por Matthew Rhys, é seguido de perto pelas dúvidas mortais de uma Elizabeth mais machucada, encarnada por uma Keri Russell cada vez mais detalhista, que deixa uma marca até nos momentos mais aparentemente insignificantes do roteiro. Se nas temporadas anteriores sobrava fogo, dúvida e ambiguidade no relacionamento dos dois, aqui nasce e floresce uma ternura comovente (e madura), que culmina em um belamente encenado momento do episódio 10, “Darkroom”. A química entre os dois atores é óbvia, mas isso não seria o bastante se eles não tivessem construído personagens tão complexos, que sentimos conhecer intimamente mesmo que toda a sua vida esteja construída em uma grande mentira.

Com apenas mais uma dezena de episódios para fechar a história na sexta (e última) temporada, The Americans desafia o espectador a entrar no ritmo de uma trama que se esparrama pela tela com a densidade de um líquido viscoso, se espalhando por temas e latitudes inesperadas enquanto caminha em ritmo glacial, contando sua história com impecável atenção aos detalhes e subjetividades envolvidos em seus protagonistas e coadjuvantes. O trabalho técnico continua sendo, em todos os sentidos, o melhor na TV americana hoje em dia – um esforço coordenado de excelência e precisão, que não sente a necessidade de atacar o espectador com elaborações bombásticas, mas encontra um subtexto rico de informação (histórica, política, cerebral e emocional). Para o espectador atento, no entanto, sobra na quinta temporada uma quieta e doída aceitação das verdades terríveis que a série revelou até agora, o que só torna seu tratado ambíguo e inesquecível sobre a vida adulta mais poderoso.

✰✰✰✰✰ (5/5)

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The Americans – 5ª temporada (EUA, 2017)
Direção: Chris Long, Stefan Schwartz, Gwyneth Horder-Payton, Noah Emmerich, Roxann Dawson, Matthew Rhys, Kevin Bray, Dan Attias, Sylvain White, Steph Green, Nicole Kassell
Roteiro: Joel Field, Joe Weisberg, Tracey Scott Wilson, Peter Ackerman, Joshua Brand, Stephen Schiff, Hilary Bettis
Elenco: Matthew Rhys, Keri Russell, Holly Taylor, Keidrich Sellati, Noah Emmerich, Costa Ronin, Frank Langella, Brandon J. Dirden, Margo Martindale, Kelly AuCoin, Alison Wright, Snezhana Shernova, Boris Krutonog, Ivan Mock, Irina Dvorovenko, Alexander Sokovikov, Zack Gafin
13 episódios

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