3 de jun. de 2017

Review: House of Cards dispensa os fogos de artifício e entrega sua temporada mais magistral

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por Caio Coletti

Eu tinha minhas dúvidas ao apertar o play no primeiro episódio da quinta temporada de House of Cards. Esse era o primeiro ano da série em que seu criador, o genial Beau Willimon, não agia como showrunner, ou seja, como principal roteirista no comando da equipe criativa. O afastamento amigável de Willimon, que partiu para produzir uma série de ficção científica (The First) para a Hulu, concorrente da Netflix no mercado de streaming, abriu espaço para os roteiristas Melissa James Gibson e Frank Pugliese assumirem a liderança. A dupla, que já havia assinado alguns dos melhores episódios da trama nos anos anteriores, inspirava confiança, mas a experiência de qualquer fã de séries vai te dizer que, quando um criador começa a se afastar de sua própria criação, uma mudança sísmica é praticamente inevitável – e raramente essa mudança é para melhor.

House of Cards, felizmente, é uma dessas raridades. Nas mãos de Gibson e Pugliese, a série passa por uma mudança de tom radical, mas operada com elegância e estoicismo que dariam orgulho a Claire Underwood, a inabalável protagonista feita por Robin Wright. Ela ganha mais espaço esse ano, enquanto enfrenta os estágios finais de uma campanha eleitoral no papel de vice-presidente na chapa do marido, Francis (Kevin Spacey), atual comandante-em-chefe dos EUA, que enfrenta acusações (embasadas) de corrupção. Os 13 episódios do ano vem recheados das habituais reviravoltas de trama, balés de influência política e terremotos emocionais no cada vez mais fascinante relacionamento entre os dois protagonistas.

House of Cards sempre foi um novelão político em seu coração, mas a quinta temporada espertamente foge dos momentos bombáticos (com algumas exceções, é claro) a fim de trazer as armações dos Underwood de volta para um contexto minimamente realista em que eles são capazes de refletir muito mais da atual paisagem política do que poderiam nas temporadas anteriores. O resultado é que a série da Netflix se mostra mais atual do que nunca, emprestando com esperteza detalhes do começo da administração Trump e do clima político mundial antes e depois de sua eleição. Ter Melissa James Gibson no comando significa também que o status de Claire como co-protagonista, por vezes até mais central e fascinante do que Francis, é estabelecido com mais força, e a trama se costura de forma inteligente para colocá-la  nessa posição.

Os novos showrunners também parecem ter um ouvido melhor para a corrente satírica que existe em House of Cards. A personagem Jane Davis, feita por uma excepcional Patricia Clarkson, cai como uma luva nessa “nova versão” da série, especialmente porque a atriz a imbui com uma autoconsciência aguda – ela conhece seu lugar na máquina do governo e sua capacidade de transcendê-lo, mas conhece principalmente também o essencial ridículo das frivolidades que cercam a política. Ao lado de um Joel Kinnaman que só faz crescer no papel do derrotado Will Conway, ela é a jogadora coadjuvante mais essencial para o time de House of Cards, que continua se apoiando imensamente na excelência de Kevin Spacey e Robin Wright.

Ainda bem que os dois não decepcionam, então. Spacey continua alargando e contornando seu Frank com cores mais fortes, atingindo alturas operáticas sublimes em momentos marcantes no começo e no final da temporada, mas a estrela esse ano é sua companheira de cena. A sensação é que os cinco anos de trabalho de Robin Wright como Claire culminam aqui, em uma performance que encontra as medidas certas e os momentos certos para demonstrar uma fragilidade que, no final das contas, só é traduzida em mais poder. O clamor dos fãs para que Claire comece a “quebrar a quarta parede”, da forma como Frank vem fazendo ao conversar conosco olhando diretamente para a câmera, é compreensível – ao mesmo tempo, é estonteante assistir enquanto Wright nos faz entendê-la, apreciá-la e temê-la sem precisar desse ou qualquer outro “atalho” dramático.

Em muitos sentidos, aliás, esse é o sentimento de assistir a quinta temporada de House of Cards – com um visual mais enxuto, mas os mesmos valores de produção acima da média, a série da Netflix abandona os fogos de artifício de seu formato novelesco para entregar 13 sólidos episódios de drama político tão bons (ou melhores) que seus anteriores, sem fazer estardalhaço por isso. Para um espectador realmente atento e engajado, House of Cards nunca foi tão provocativa ou tão fascinante quanto agora.

✰✰✰✰✰ (5/5)

House Of Cards

House of Cards – 5ª temporada (EUA, 2017)
Direção: Daniel Minahan, Alik Sakharov, Michael Morris, Roxann Dawson, Agnieszka Holland, Robin Wright
Roteiro: Frank Pugliese, Melissa James Gibson, John Makiewicz, Kenneth Lin, Laura Eason, Bill Kennedy, Tian Jun Gu
Elenco: Kevin Spacey, Robin Wright, Michael Kelly, Neve Campbell, Patricia Clarkson, Paul Sparks, Derek Cecil, Jayne Atkinson, Campbell Scott, Boris McGiver, James Martinez, Joel Kinnaman, Dominique McElligott, Damian Young, Lars Mikkelsen, Colm Feore, Wendy Moniz
13 episódios

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