28 de jun. de 2017

Review: GLOW, da Netflix, troca o apelo kitsch de seu tema por uma dramédia contida e inteligente

glow

por Caio Coletti

O mundo da luta livre é mais rico de paralelos e significados sociais do que a maioria das pessoas costuma pensar. Suas narrativas arquetípicas tiram sarro de estereótipos raciais, econômicos e sexuais, parodiando através dos “personagens” de seus competidores a própria mentalidade americana, tudo enquanto entregam uma história apoiada no menor denominador comum de entretenimento, um verdadeiro melodrama encenado na base da porrada. Como GLOW, nova série da Netflix conectada a esse mundo da luta livre, aponta em um momento especialmente inspirado, a luta livre é como uma novela – e, como uma novela, é também um retrato dos conflitos de sua época através de expressões populares de frustração, triunfo e contexto histórico. Nos momentos em que quer explorar seu tema nesse sentido, GLOW se mostra vital para um cenário televisivo saturado em que é preciso fazer algo extraordinário para se destacar.

O curioso é que a série criada por Liz Flayhive e Carly Mensch nem sempre está disposta a mergulhar nessas elaborações profundas sobre seu tema. A história segue de perto a atriz Ruth (Alison Brie), que após vários testes fracassados resolve se juntar a um programa pioneiro de luta livre para mulheres – ao mesmo tempo em que sua melhor amiga, Debbie (Betty Gilpin), também atriz, que largou a carreira para construir família, descobre que Ruth tem tido um caso com seu marido, Mark (Rich Sommer). A história da relação das duas se quebrando e se reparando é entrelaçada com as jornadas das outras 12 mulheres envolvidas na criação do programa de TV, além do diretor Sam Sylvia (Marc Maron), e em muitos momentos dessa trama GLOW escolhe o caminho de uma dramédia discreta e inteligente ao invés do apelo kitsch e dos paralelos sociais que seu tema sugerem.

Nesses momentos mais contidos, a série mostra que tem talento para a construção de personagem. Debbie, especialmente, emerge como uma figura complexa, encarnada em todos os seus tons e subtons por uma Betty Gilpin excepcional, que encontra nas cenas mais improváveis as entrelinhas e detalhes da qual sua personagem é construída. O apelo carismático de Alison Brie funciona bem com a determinada e conflituosa Ruth, e GLOW acha espaço para desenhar com carinho as coadjuvantes dessa jornada, especialmente Sheila (uma ótima Gayle Rankin), Carmen (Britney Young) e Cherry (Sydelle Noel). As personalidades dessas mulheres são esculpidas com o mesmo senso de discreta excelência que o restante dos conflitos dramáticos da série, incluindo um subplot envolvendo aborto que transborda sensibilidade e inteligência.

A importância, elegância e brilhantismo de GLOW não podem ser diminuídos, mas a série merece uma renovação da parte da Netflix especialmente pela oportunidade que tem de crescer com o tempo e a familiaridade com as personagens e o tema. Em um momento do primeiro episódio da temporada, GLOW geniosamente mistura uma briga muito real entre Ruth e Debbie com flashes do que seria o confronto entre as duas caso acontecesse em um contexto de luta livre. Nesse paralelo entre os conflitos da realidade e da ficção, dos estereótipos com a complexidade única de suas personagens, é que vive a alma da série e seu motivo para existir, e é uma peculiaridade estética e narrativa poucas vezes explorada pelos nove episódios seguintes. Da forma como está, GLOW merece ser vista – dada a oportunidade de crescer, pode se tornar absolutamente essencial.

✰✰✰✰ (4/5)

GLOW

GLOW – 1ª temporada (EUA, 2017)
Direção: Jesse Peretz, Phil Abraham, Kate Dennis, Sian Heder, Melanie Mayron, Claire Scalon, Tristam Shapeero, Lynn Shelton, Wendey Stanzler
Roteiro: Kristoffer Diaz, Liz Flayhive, Carly Mensch, Emma Rathbone, Rachel Shukert, Nick Jones, Jenji Kohan, Sascha Rothchild
Elenco: Alison Brie, Betty Gilpin, Sydelle Noel, Britney Young, Marc Maron, Britt Baron, Kimmy Gatewood, Rebekka Johnson, Sunita Mani, Kate Nash, Marianne Palka, Gayle Rankin, Kia Stevens, Jakie Tohn, Ellen Wong, Chris Lowell, Bashir Salahuddin, Rich Sommer
10 episódios

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