ATENÇÃO: esse review contem spoilers!
por Caio Coletti
“Resistir é inútil” (Vogons, raça alienígena da série Doctor Who)
“A felicidade não depende de coisas exteriores, mas da forma como as vemos” (Leo Tolstoy, escritor russo)
Wilfred sempre foi uma série sobre percepção. Desde muito cedo nessa corrida de quatro anos que a trama ganhou na FX, quase todos os críticos notaram que tudo no mundo reduzido da versão americana da criação de Jason Gann era filtrado pela perspectiva de Ryan, o protagonista encarnado por Elijah Wood. Os coadjuvantes demoraram a adquirir vida, e a servir como elementos autônomos do storytelling, porque nossa percepção deles era ferrenhamente limitada à percepção de Ryan. Eles estavam ali para dizer alguma coisa sobre a forma como o nosso protagonista via o mundo, e o próprio Wilfred, com suas manipulações e planos mirabolantes para guiar Ryan para o caminho que ele considerava melhor, era uma manifestação do quanto esse personagem principal observava seus arredores como um jogo de xadrez. Quando esse mundo toma vida e se torna mais complexo do que ele pode admitir é que a persona de Ryan se quebra, e é nessa operação que está o triunfo do finale duplo da série.
É crível que Wilfred tenha levado 4 temporadas para conduzir Ryan até a beira do abismo, e assisti-lo pular é muito mais impressionante por causa disso. Ao mesmo tempo, o roteiro do developer David Zuckerman em ambos os episódios se encarrega de não jogar para o alto o investimento emocional que construímos com os personagens e com a busca pela felicidade de Ryan. É notável, inclusive, que no final das contas a série faça que essa tal felicidade seja também uma questão de percepção. Como adianta no quote que abre o episódio final, Wilfred não está disposta a usar de clichês para abordar o tema pelo qual os fãs esperam desde 2011. A felicidade para esse estranho conto de doença mental e complexas relações humanas filtradas por uma mente perturbada não é, e nunca poderia ser, a que vemos nas comédias românticas de Hollywood. Essa é uma história de um desajustado aprendendo que precisa fazer as pazes consigo mesmo antes de poder fazer as pazes com o mundo.
Antes de todo o desenvolvimento temático do finale de fato, o penúltimo episódio “Resistance” mostra que o espírito desafiador dos escritores de Wilfred não morreu. Seguindo a deixa de “Courage” (review), o episódio é um crash course em realidade para uma série que nunca se deu muito bem com ela. O amargurado final é mais tocante do que qualquer coisa que os roteiristas ousaram fazer até hoje, e as atuações de Wood e Fiona Gubelmann estão mais uma vez em perfeita sintonia para dar um final inesperado ao principal casal da série. A recentemente adquirida consciência dos próprios atos que Wilfred construiu nas últimas semanas é a recompensa de um episódio gratificantemente direto com as elaborações emocionais. Num caminho nada convencional, a série trouxe esses personagens para um local muito verdadeiro, e muito fácil de se identificar.
Wilfred não é o tipo de série que você espera terminar com os olhos meio embaçados de lágrimas, e também não é o tipo de série que normalmente ganharia um final tão redondo e bem amarrado, coerente com a proposta e as regras que construiu em seu mundo. Essencialmente filtrada pela percepção de Ryan, a trama foi capaz de nos dar um panorama muito completo sobre a forma como esse protagonista via o mundo, e a forma como tudo gira em torno da nossa própria psique. Estamos presos nela, irremediavelmente. Wilfred sabe muito bem que não temos escolha quanto ao que somos – e é por isso que advoga que a felicidade não está em encontrar a pessoa perfeita, o emprego perfeito, a família perfeita. Muito mais satisfatório que isso é encontrar uma forma de lidar com o mundo exatamente da forma como o vemos.
✰✰✰✰✰ (5/5)
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